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DJANGO, O BASTARDO (1969)

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(Este filme foi o único "Sotto-Django" que já havia sido resenhado aqui no FILMES PARA DOIDOS antes da MARATONA VIVA DJANGO!, no longínquo 16 de fevereiro de 2009! Para os novos leitores, que não acompanham o blog desde o começo, e para não deixar incompleta esta ambiciosa Maratona, resolvi republicar a resenha, agora em versão revisada e ampliada.)

"Eu vou te matar, Murdok. Lentamente... Vou fazer você morrer mil mortes, como os seus homens", ameaça Django, no clímax de DJANGO, O BASTARDO, uma daquelas ótimas surpresas para quem acha que já viu tudo em matéria de western spaghetti. Sem nenhuma relação com o "Django" de Sergio Corbucci além do nome do personagem, o filme difere de outras aventuras não-oficias do personagem porque foge do lugar-comum ao apresentar uma curiosa mistura de faroeste e horror, dando a Django uma certa aura sobrenatural.

Produzido em 1969 (apenas três anos depois do original), DJANGO, O BASTARDO tem outro destaque além do toque fantasmagórico: a presença, no papel principal, de Anthony Steffen, pseudônimo "americanizado" do italiano filho de brasileiros Antonio Luiz de Teffé. (O quê? Você ainda não leu o livro que Daniel Camargo, Fábio Vellozo e Rodrigo Pereira escreveram sobre o ator? Então saia JÁ da internet e vá em busca deste livro obrigatório!!!).


Já a direção é de Sergio Garrone, que dirigiu vários westerns, mas hoje é mais conhecido no "underground" pelas suas lamentáveis contribuições ao ciclo "nazisploitation" italiano, como "SS Experiment Camp" (1976) e "SS Camp 5: Women's Hell" (1977). Garrone já havia dirigido dois faroestes cujo personagem principal foi rebatizado como "Django" em alguns países ("Atirar para Viver", de 1968, e "Uma Longa Fila de Cruzes", em 1969, este último também estrelado por Steffen).

DJANGO, O BASTARDOé a primeira produção de Garrone realmente pensada e produzida para ser uma aventura não-oficial de Django (e não algum outro western qualquer que ganhou novo título com o nome do personagem). O roteiro foi escrito em parceria entre o diretor e seu astro, marcando também a estreia de Steffen como co-roteirista (função que ele exerceria em outras três produções). Em entrevistas, Garrone diria que este era o seu filme preferido entre os diversos que dirigiu; Steffen também tinha um carinho muito grande por ele.


Nossa aventura começa com vários takes mostrando um personagem misterioso caminhando, mas sempre sem mostrar o rosto do sujeito. Sua caminhada, que parece durar uma eternidade, acaba na frente de uma bela cabana, onde o misterioso homem finca no chão uma cruz com o nome "Sam Hawkins" e a data daquele dia. Os capangas de Sam ficam apavorados com aquela aparição e saem da cabana para confrontar o desconhecido.

Neste momento, a câmera acompanha o homem enquanto ele levanta o rosto, revelando finalmente os olhos frios e o rosto desprovido de emoção. Trata-se de Django, nosso protagonista, e antes que os seus antagonistas possam sequer trocar algumas palavras, ele atira rapidamente, eliminando todos em cena; Hawkins, claro, cai perto da cruz de madeira com seu nome.


Corta para uma luxuosa mansão onde encontramos os dois outros personagens centrais da trama: o banqueiro Ross Howard (Jean Louis) e o vilão, um poderoso fazendeiro chamado Rod Murdok (Paolo Gozlino), que vive ali com o irmão psicótico, Luke (Luciano Rossi, vilão habitual dos westerns e policiais da época, aqui creditado como "Lu Kamonte" e numa perfeita interpretação de desequilibrado, à la Klaus Kinski!!!).

Quando conhecemos os malvadões, eles estão assistindo a um bizarro jogo onde dois homens atiram, um para o outro, uma banana de dinamite com o pavio em chamas - numa ideia bastante inspirada, que rende uma cena tensa que Garrone estica até deixar o espectador na maior agonia, esperando pela iminente explosão da bomba!


Descobrimos que Murdok e Ross têm negócios fraudulentos em comum, e também parecem ligados por um segredo do passado. Logo, chega à cidade o misterioso Django, que vai procurar um marceneiro e lhe pede para construir uma cruz de madeira. Segue-se um diálogo impagável:

- É apenas um dólar. Que nome e data quer que eu grave?
- O nome é Ross Howard. E a data é de hoje.
- Ross Howard? Então pode guardar o seu dólar! É de graça!



Naquela noite, Django visita Howard em sua casa. O banqueiro é atraído pelo pistoleiro até um velho cemitério. Durante o trajeto, Howard só sabe repetir: "Eu não tive culpa, Django! Eu não tive culpa!". Mas é inútil. Levado até uma sepultura aberta, onde está a cruz de madeira com seu nome e a data daquele dia, Howard é impiedosamente baleado por Django. Ah, antes que você pense que estou indo longe demais na descrição da trama, isso tudo acontece nos primeiros 20 minutos do filme!

É quando o diretor freia o ritmo. Ficamos sabendo mais sobre os irmãos Murdok - Rod e Luke. Assustado com a possibilidade de ser a próxima vítima, já que uma cruz de madeira com seu nome apareceu do lado de fora do rancho, Rod contrata dezenas de pistoleiros mercenários para protegerem sua pele. Eles inclusive expulsam todos os moradores da cidadezinha para que possam ter controle total da situação (uma desculpa para justificar a falta de dinheiro para contratar figurantes, claro...).

Só que, numa noite escura, o fantasmagórico Django aparecerá para acertar as contas com Murdok e todo o seu exército de mercenários, ajudado/atrapalhado pela própria esposa do vilão, a ambiciosa Alida (Rada Rassimov, irmã de outro Django não-oficial, Ivan Rassimov, e que já havia aparecido em "Django Não Espera... Mata")


O grande acerto de DJANGO, O BASTARDOé apresentar o personagem-título como um carrasco misterioso e impiedoso, e circulando na tênue linha entre uma ameaça humana e real e uma invencível aparição sobrenatural. Por meio de um flashback, descobrimos que o herói era um soldado durante a Guerra Civil - e, ironicamente, um soldado confederado, enquanto o Django de Corbucci lutava pela União! Certo dia, todo o seu batalhão foi traído pelos seus superiores, Hawkins, Howard e Murdok, e exterminados sem piedade (incluindo outro ator com sangue brasileiro, o paulista Celso Faria, figurinha carimbada nos "Sotto-Djangos").

Vemos, ainda no flashback, Django caindo após ser alvejado pelas costas. Mas terá morrido e virado um fantasma vingador, ou sobrevivido ao atentado para dar o troco? Boa pergunta. Até os 15 minutos finais, o espectador não tem nenhuma dúvida de que Django é um fantasma vindo do passado para vingar-se dos homens que o mataram. Mas aí o "fantasma" é ferido e sangra no confronto final com seus inimigos, desmistificando aquela aura de assombração que o acompanhara até então. Real ou sobrenatural? No livro "Dizionario del Western All'Italiana", de Marco Giusti, o diretor Garrone não dá nenhuma explicação conclusiva: "Ao final você não sabe se Django é real ou não, se é um sonho ou um fantasma", disse.


Para reforçar o "toque sobrenatural" da trama, Garrone usa diferentes artifícios cênicos, alguns bem simples, mas ainda eficientes. Por exemplo: poucas vezes, ao longo do filme, vemos o rosto de Django, que aparece quase sempre envolto pela escuridão. Em algumas cenas, apenas um pequeno facho de luz ilumina seus olhos! Tem também um inspirado momento em que um oponente de Django é "engolido" pela enorme sombra do herói projetada em uma parede. Por essas e outras, entre todas as obras de Garrone que vi, esta é a mais e bem filmada e visualmente criativa.

Apesar de ter um ritmo bastante irregular, DJANGO, O BASTARDO é um excelente bangue-bangue, que tenta - e consegue - escapar das armadilhas e clichês típicos do gênero. Embora os tiroteios não sejam tão inspirados, a forma como Django surge e elimina seus oponentes rende alguns bons momentos. Não raras vezes ele usa bonecos feitos com suas roupas para enganar os adversários e pegá-los pelas costas. E há ainda alguns toques bastante macabros, como três pistoleiros mortos pelo herói que voltam à cidade levados por seus cavalos, crucificados sobre as selas!


O grande ponto fraco do filme é a inexistência de um duelo final mais criativo entre Django e o grande vilão, Murdok, pois Garrone se limita ao batido e pouco emocionante "mano a mano" de quem saca mais rápido. É uma pena, porque em vários momentos constatamos que Murdok é um grande espadachim, e por um momento imaginei que ele fosse usar suas habilidades no manejo da espada contra o herói - coisa que nunca acontece.

Para terminar, vale lembrar que este é um raro caso de produção italiana "copiada" anos depois numa grande produção norte-americana, e não o contrário. Acontece que quatro anos depois, em 1973, Clint Eastwood dirigiu e estrelou "O Estranho Sem Nome", um faroeste com tom "sobrenatural" bastante parecido com o de DJANGO, O BASTARDO, e cujo roteiro (assinado por Ernest Tidyman) traz Eastwood como um xerife que supostamente volta da morte para se vingar dos seus algozes.


Graças ao sucesso do filme com Eastwood, o produtor norte-americano Herman Cohen comprou os direitos de exibição da obra de Garrone e remontou-a para sua estreia nos cinemas dos Estados Unidos, dando-lhe um título, "The Stranger's Gundown". A única diferença perceptível é que a cena em que os soldados confederados são exterminados foi jogada lá para o meio do filme, como flashback, enquanto na versão original italiana o massacre acontecia logo no começo, antes mesmo dos créditos iniciais (esta resenha foi baseada na montagem norte-americana).

Considerando que as aventuras não-oficiais baseadas no clássico de Sergio Corbucci raramente fugiam do lugar-comum, DJANGO, O BASTARDO foi um sopro de criatividade muito bem-vindo no universo dos "Sub-Djangos". Não só é um dos grandes trabalhos do diretor Garrone, como um dos melhores filmes com o personagem. Steffen voltaria a ele em "Um Homem Chamado Django" (1971), de Edoardo Mulargia, mas dessa vez sem nenhum toque sobrenatural.


E embora Garrone não tenha feito outro filme com um herói de nome Django, pelo menos mais um filme dele foi rebatizado para parecer aventura não-oficial do personagem: a co-produção Itália-Espanha "Tequila" (1971), que, mesmo com um herói chamado Johnny), foi distribuída na Itália, França e Estados Unidos com o enganoso título "Mate, Django... Mate Primeiro!".

PS: Este é um dos primeiros filmes do técnico em efeitos especiais Paolo Ricci, que depois comandaria as barbaridades e sangrentas mutilações de filmes como "A Montanha dos Canibais" e "A Ilha dos Homens-Peixe", de Sergio Martino, e "Paganini Horror", de Luigi Cozzi.


Cena inicial de DJANGO, O BASTARDO



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Django, Il Bastardo (1969, Itália)
Direção: Sergio Garrone
Elenco: Anthony Steffen, Rada Rassimov, Luciano Rossi, 

Paolo Gozlino, Furio Meniconi, Celso Faria, Teodoro 
Corrà, Jean Louis e Emy Rossi Scotti.

DJANGO DESAFIA SARTANA (1970)

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"Crossover" é o nome dado ao encontro de personagens de mídias ou histórias distintas, e, embora os nerds acreditem que seja uma coisa recente (graças a HQs como "Marvel vs. DC" ou filmes tipo "Alien x Predador"), o recurso é antiquíssimo, inclusive no mundo do cinema, que já mostrou insólitos encontros como "Abbott and Costello Meet the Mummy" (1955) e  "King Kong vs. Godzilla" (1962). O curioso é que embora o "crossover" se encaixe como uma luva no universo do western, já que os fãs do gênero adorariam ver seus personagens preferidos duelando para saber quem é o mais rápido no gatilho, produções neste sentido demoraram para aparecer.

A partir do começo dos anos 70, Django já não era o pistoleiro mais popular do western spaghetti: desde 1968, ele rivalizava as atenções do público com outro personagem, Sartana, surgido em "Se Encontrar Sartana, Reze Pela Sua Morte", de Gianfranco Parolini. E embora o intérprete "oficial" do personagem seja Gianni Garko nos quatro filmes da série, logo pipocaram vários "Sotto-Sartanas", ou Sartanas genéricos, interpretados por gente como William Berger e George Ardisson.


Era questão de tempo para que algum espertinho resolvesse juntar os dois lucrativos personagens num único filme, e isso aconteceu em 1970. Infelizmente, o "crossover" entre os gatilhos mais rápidos do Oeste não foi comandado por um cineasta apto, tipo os diretores que assinaram as aventuras de origem de ambos (Sergio Corbucci e Parolini). Pelo contrário: o responsável por DJANGO DESAFIA SARTANA foi ninguém menos que Demofilo Fidani!

Se o nome "Demofilo Fidani" não significa nada para você, caro leitor, meus parabéns: você é um cinéfilo de bom gosto, que foge de filmes e diretores ruins como o Diabo da cruz. Apenas permita-me alertá-lo de que você está deixando de se divertir bastante. Apelidado de "Ed Wood do Western Spaghetti", Fidani era um débil mental cuja ruindade ultrapassa até a de nomes conhecidos do universo trash, como Bruno Mattei e Alfonso Brescia (para ficar só nos italianos). Definitivamente, eu não recomendaria uma obra dele para alguém que não cultive uma paixão incondicional por filmes ruins.


DJANGO DESAFIA SARTANA foi o título adotado nos lançamentos em VHS e DVD, e, considerando a trama do filme, não poderia ser mais inadequado: apesar de passar a ideia de que teremos um grande duelo entre os dois famosos personagens, na verdade eles lutam lado a lado contra uma dupla de vilões. Nos cinemas brasileiros, o filme foi batizado como "Django e Sartana - Até o Último Sangue", resumindo o título original italiano ("Quel Maledetto Giorno d'inverno... Django e Sartana all'ultimo Sangue").

Curioso é que, apesar de o título divulgar com tanto entusiasmo o encontro dos dois personagens famosões, nenhum deles é chamado pelo nome até o ato final do filme, quando finalmente descobrimos que Jack Betts interpreta Django e Fabio Testi (em começo de carreira) é Sartana, embora use outro nome durante todo o resto do filme!


O roteiro escrito pelo próprio Fidani em parceria com a esposa Mila Vitelli Valenza não podia ser mais simplório: a pequena cidade de Black City recebe um novo xerife, Jack Ronson (Testi), recém-chegado de Denver City. Os pacíficos moradores esperam que ele acabe com os dois perigosos foras-da-lei que dominam o lugar, Bud Willer (Dino Strano, visto também em "Django não Espera... Mata") e o mexicano Paco Sanchez (Benito Pacifico).

O problema é que Ronson é um xerife de primeira viagem, ainda inexperiente e meio cagão, que não sabe exatamente como lidar com os bandidos e prefere evitar o confronto direto, deixando-se inclusive humilhar por eles numa visita ao saloon. Para a sorte do rapaz, também chega à cidade um misterioso pistoleiro vestido de preto (o norte-americano Jack Betts, que usava o pseudônimo "Hunt Powers"). Ele é o caçador de recompesas Django, mas só se identificará como tal no fim do filme.


Percebendo que Ronson ainda não está preparado para enfrentar os vilões, Django consegue fazer com que um dos bandidos, Willer, desafie o xerife para um duelo; então, o caçador de recompesas dá um sumiço em Ronson e veste suas roupas, enfrentando o bandidão de igual para igual. Adivinha só quem vai sacar primeiro?

Com Willer morto, seu sócio Paco resolve levar o inferno a Black City. Mas ele e seus homens serão enfrentados por um misterioso pistoleiro com o rosto semi-encoberto. Será Django outra vez, passando-se pelo xerife, ou será que Ronson finalmente tomou coragem para combater os criminosos?


Na última cena de DJANGO DESAFIA SARTANA, quando os dois heróis finalmente se apresentam, a última frase do personagem de Testi (e do próprio filme!) é algo como "Aqui vocês me conhecem como Jack Ronson, mas meu verdadeiro nome é Sartana", apenas para justificar o título do filme.

Parece até mudança feita de última hora, apenas para faturar uns trocados com os fãs dos dois personagens, pois àquela altura Sartana era tão popular quando Django - Fidani provavelmente pensou que se um herói já levava público aos cinemas, os dois juntos levariam o dobro!


Outra evidência de que batizar o personagem de Testi como Sartana na cena final pode ter sido uma ideia de última hora é o fato de que o sujeito não tem absolutamente nada a ver com Sartana da forma como é representado no filme (a não ser, claro, que Fidani estava querendo fazer um "prequel", contando a história de como Sartana começou sua longa carreira de pistoleiro implacável).

E nem é ignorância do diretor, pois nos anos anteriores ele já havia feito duas aventuras não-oficiais de Sartana: "Sartana - A Sombra da Morte" e "Sou Sartana... Venham em Quatro para Morrer", ambas de 1969 e ambas estreladas por Jeff Cameron. Logo, se DJANGO DESAFIA SARTANA tivesse sido planejado como "crossover" entre os personagens desde o início, por que Fidani não chamou Cameron para repetir o papel?


Embora também não tenha muito em comum com o Django de Corbucci e Franco Nero, o Django de Jack Betts pelo menos está melhor caracterizado; barbeado pela primeira vez, ao contrário das outras encarnações oficiais e não-oficiais do personagem, ele é apresentado como caçador de recompensas (como o Django de Gianni Garko em "10.000 Dólares para Django"). Betts também mantém aquele tom cínico e calado da interpretação de Franco Nero, além de vestir figurino parecido, todo preto (a novidade é uma vistosa cicatriz no rosto).

Em relação aos vilões, não há nada de muito especial: Strano encarna o bandido fanfarrão que adora humilhar e desafiar os outros, e Pacifico o típico bandido mexicano extremamente malvado, também com uma cicatriz enorme que ocupa metade do seu rosto. Nenhum deles é particularmente memorável ou ameaçador, ou tem alguma característica marcante. São bandidos de meia-tigela, perfeitos para uma aventura de meia-tigela como esta.


DJANGO DESAFIA SARTANA foi filmado em 1969 e lançado no ano seguinte, e parece ser uma produção melhorzinha do que outros trabalhos de Fidani no gênero, pelo menos visualmente. Já nos outros departamentos, percebe-se que o orçamento também é minúsculo, ou inexistente. Fidani era um especialista em fazer faroestes baratos rapidamente, e sempre apresentando todo um repertório de erros grosseiros, problemas de ritmo e inépcia geral, que também podem ser encontrados aqui.

Por exemplo: entre 30 e 35 minutos da narrativa correspondem a um gigantesco flashback em que os dois heróis sequer aparecem (!!!), e que apenas mostra como os vilões Willer e Paco ascenderam ao poder e dominaram Black City. Com direito a momentos descartáveis apenas para comprovar a crueldade dos bandidos, como quando eles entram num bar (um cenário mais pobre que o Restaurante da Dona Florinda, do seriado "Chaves") e matam os fregueses e uma dançarina anônimos antes de sair gargalhando!


Vale destacar que Quentin Tarantino também usou um tempão para contar a origem da vilã O-Ren-Ishii em "Kill Bill". Mas é claro que a história dos dois vilões aqui não têm nenhum interesse, e só é tão longa porque Fidani provavelmente precisava enrolar para manter o tempo de duração de um longa-metragem!

Em relação a Django e Sartana, os dois personagens famosos que estão no título, pouca coisa acontece até a meia hora final. Django até mata um montão de bandidos, mas Jack Ronson/Sartana não faz absolutamente NADA até os últimos 10 minutos. Se for para analisar o tempo em cena de cada personagem, o filme bem que poderia ser rebatizado como "Ascenção e Queda de Bud Willer e Paco Sanchez"!


Há algo de interessante na ambientação, uma cidadezinha em pleno inverno (justificando a primeira parte do título italiano, "Aquele Maldito Dia de Inverno..."), castigada por ventos fortes que obrigam os personagens a usarem casacos grossos e cachecóis - o extremo oposto da maioria dos westerns, que se passam em cidades desérticas com o sol a pino e personagens sempre sujos e suados.

Mas Fidani não tem capacidade para fazer nada de muito memorável com a ambientação ou com os personagens, simplesmente pulando de uma cena de tiroteio/briga para a outra. Numa entrevista de anos atrás (o diretor faleceu em 1994), havia uma estapafúrdia justificativa do velho Demofilo para os contrastes da sua obra: "O filme tem um belo início e um belo final. As coisas que eu gostava, dirigi bem. Já as outras...". Que figura!


Claro que quem for ver o filme baseado no título enganoso adotado no Brasil vai quebrar a cara, pois não há desafio algum entre os dois personagens em DJANGO DESAFIA SARTANA (alô, Procon?!?). A não ser que os distribuidores estivessem se referindo a uma rápida troca de socos entre Django e Ronson/Sartana, que acontece quando ambos discordam numa questão e resolvem resolvê-la com sopapos (o que eu não consideraria um "desafio").

O nome de Sartana no título é uma enganação pura e simples, já que quem domina a aventura é Django. Dentro de suas limitações, Jack Betts consegue encarnar um Django bem decente e divertido (ele foi o ator que mais vezes interpretou o personagem, três ao todo). Ao menos o roteiro lhe dá oportunidades de atirar em vários bandidos ao longo do filme, e ele ainda protagoniza várias cenas divertidas, como quando acende um cigarro riscando o fósforo nos dentes de um barman impertinente, ou ao disparar um tiro no meio da moeda que usa para pagar o mesmo sujeito!


Já o pobre Testi parece completamente perdido no filme. A ideia de um xerife iniciante que precisa pegar as manhas da coisa justamente numa cidade dominada por dois perigosos bandidões é boa, mas mal-aproveitada por Fidani. Na maior parte do tempo, Testi só fica zanzando pela cidade e olhando para o outro lado quando encontra os vilões, para não se comprometer.

O máximo de conflito, antes do tiroteio final, é um hilário momento à la "Falcão, O Campeão dos Campeões" (mas 17 anos ANTES), quando Ronson/Sartana desafia Willer para uma queda de braço, com velas acesas nas duas extremidades da mesa (para queimar a mão do perdedor)! Juro que estou até agora tentando encontrar algum propósito nesta cena!


Na época do lançamento, Testi foi identificado por um pseudônimo em inglês (no seu caso, "Stet Carson"). Este aqui é um dos seus primeiros papéis principais (ou quase), mas ele já havia feito grandes filmes, como os clássicos "Três Homens em Conflito" (1966) e "Era Uma Vez no Oeste" (1968), de Sergio Leone, respectivamente como dublê e figurante. Foi Fidani quem deu as primeiras oportunidades para o ator, inclusive sua estreia no cinema foi num filme do diretor, "Gringo, Reze para Morrer", de 1967.

Anos mais tarde, quando Testi ficou famoso e começou a fazer filmes bem melhores usando o próprio nome de batismo ao invés do ridículo "Stet Carson", novas cópias de DJANGO DESAFIA SARTANA tiveram os créditos iniciais mudados para que o nome "Fabio Testi" aparecesse em destaque. Em entrevistas recentes, o ator lembrou entre risadas da sua experiência com Fidani: em diversos filmes, Testi trocava de roupa cinco ou seis vezes para fazer figuração como diferentes bandidos anônimos alvejados pelos heróis!
 

Recomendado apenas a fãs de trash movie e escolados no cinema de Demofilo Fidani (que assina como "Miles Deem", o mais popular dos seus 12 pseudônimos), DJANGO DESAFIA SARTANAé a típica produção que funciona pelos motivos errados - neste caso, por ser engraçada de tão ruim.

Sem nunca tentar ser mais do que é, a produção barata assume-se como uma mera desculpa para tiroteios e cenas de ação, com dublês que morrem fazendo exagerados malabarismos e revólveres que disparam 16 tiros sem precisar recarregar. Enfim, o típico western descartável, casca-grossa e rápido e rasteiro que meu finado avô, grande fã do gênero, adorava assistir - para ele, vejam só que heresia, os westerns de Leone e Corbucci eram muito enfeitadinhos e complexos!


Mas Fidani faria coisa bem pior (e mais divertida) num novo encontro entre os personagens, "Django e Sartana no Dia da Vingança", que também é uma picaretagem de dar dó! E, provando que era mesmo o "Ed Wood do Western Spaghetti", ele ainda juntou cenas destes dois filmes para fazer um terceiro, "Uma Balada para Django", conforme veremos em futuros capítulos dessa nossa MARATONA VIVA DJANGO!.

PS 1: O elenco conta também com dois atores habituais do cinema Fidaniano: o brasileiro Celso Faria e a bela filha do diretor, Simonetta Vitelli, sempre usando o pseudônimo "Simone Blondell".

PS 2: Django desafiaria mesmo Sartana, desta vez sem propaganda enganosa, em "Django x Sartana - Duelo Mortal", de Pasquale Squitieri, lançado no mesmo ano.

Trailer de DJANGO DESAFIA SARTANA



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Quel Maledetto Giorno d'inverno... Django e 

Sartana all'ultimo Sangue (1970, Itália)
Direção: Demofilo Fidani
Elenco: Jack Betts, Fabio Testi, Benito Pacifico,
Dino Strano, Luciano Conti, Simonetta Vitelli,
Attilio Dottesio e Celso Faria.

DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA (1970)

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Em minha resenha sobre "Django Desafia Sartana", apresentei aos nobres leitores do FILMES PARA DOIDOS o diretor italiano Demofilo Fidani (1914-1994), um profissional tão picareta que faz com que outros notórios picaretas do mundo do cinema, como Al Adamson, Bruno Mattei e Godfrey Ho, pareçam cineastas de verdade. Mas se "Django Desafia Sartana" era uma produção mais normalzinha do homem, agora chegou a hora de pegar pesado e falar/escrever sobre DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA, uma obra que pode tanto provocar ataques histéricos de riso quanto incontroláveis rompantes de fúria em cinéfilos mais "sérios".

Por isso, o filme é uma ótima maneira de conhecer o cinema Fidaniano, visto que está repleto do "melhor" e do pior do homem. Sua gênese é, por si só, uma piada pronta: reza a lenda que Fidani estava dirigindo outro western ("Homens Mortos não Fazem Sombra"), quando percebeu que acabaria o serviço e ainda sobrariam algumas diárias com o elenco principal (Jack Betts, Franco Borelli e Gordon Mitchell). Por isso, resolveu rodar um segundo filme, às pressas e de qualquer jeito, sem dinheiro e (praticamente) sem roteiro, reaproveitando o elenco ocioso do outro projeto e também os figurinos, cenários e cavalos!


Devido a questões burocráticas (um único profissional não podia dirigir dois filmes ao mesmo tempo, ou coisa que o valha), Fidani fez com que seu gerente de produção Diego Spataro assinasse como diretor, utilizando o impagável pseudônimo "Dick Spitfire" (que cairia como uma luva para um astro de filmes pornográficos). Mas todos os pesquisadores do gênero concordam que Spataro só colocou seu nomezinho ali: quem dirigiu toda a bagaça foi Fidani, conforme é perceptível pela falta de qualidade geral do negócio.

Àquela altura, o diretor já tinha lançado um "crossover" anterior entre os dois famosões do western spaghetti, Django e Sartana, que foi o já comentado "Django Desafia Sartana", filmado em 1969 e lançado nos cinemas italianos em 1970.


Não há informações sobre a recepção de "Django Desafia Sartana" na época, mas os espectadores devem ter saído putos do cinema ao constatar que "Sartana" na verdade era um outro personagem chamado "Jack Ronson", que somente aos 45 do segundo tempo se identifica uma única vez como Sartana! (Não duvide que esse diálogo foi adicionado de última hora num roteiro SEM Sartana para subitamente transformá-lo num filme COM Sartana...)

Enfim, com DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA Fidani resolveu corrigir este lamentável equívoco e realmente fazer uma aventura estrelada por Django e Sartana, conforme anuncia o título. Ou pelo menos tentou. Bem, vamos aos fatos e vocês entenderão melhor o que eu quero dizer - e também saberão porque o diretor recebeu a alcunha de "Ed Wood do Western Spaghetti".


O "roteiro" escrito por Fidani e por sua esposa Mila Vitelli Valenza começa no covil da quadrilha liderada pelo bandidão Burt Kelly (Gordon Mitchell). Eles acabaram de roubar o ouro do pagamento das tropas de Fort Bellamy, e Burt quer garantir uma travessia tranquila para o México com a fortuna. E como ninguém sugere alguma ideia melhor, ele manda seus homens sequestrarem a bela Jessica Brewster (Simonetta Vitelli), filha de um rico fazendeiro da região, para mantê-la como refém e garantir o salvo-conduto até cruzar a fronteira.

Só que o tiro sai pela culatra: a população da cidade resolve contratar dois famosos caçadores de recompensas para caçar Burt e seus homens. E é claro que estamos falando de Django (interpretado pelo norte-americano Jack Betts, com o nome artístico "Hunt Powers") e de Sartana (Franco Borelli, assinando com o pseudônimo "Chet Davis"). Ao saber da chegada da dupla à cidade, Burt manda seus capangas para resolver a situação, e aí começam as pancadarias e tiroteios de praxe.


E é só isso! O filme se resume a este argumento de meia dúzia de páginas, que deve ter sido rabiscado em poucas horas, e que basicamente funciona como mera desculpa para que incontáveis figurantes tentem matar Django ou Sartana antes de acabar comendo capim pela raiz! Não duvido que os diálogos tenham sido improvisados no momento da filmagem, e tudo relacionado à parte técnica da produção é simplesmente sofrível.

Mas quer saber? Por isso mesmo, DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇAé simplesmente divertidíssimo! Claro, se você assistir sozinho em casa, num sábado à noite, esperando por algo mais elaborado, provavelmente vai cuspir fogo de raiva e quebrar o DVD em vinte pedaços. Porém experimente reunir uma turma de amigos na sala e colocar o filme para rodar: em menos de 10 minutos, todos estarão rolando de rir com as incontáveis bobagens do filme!


Fidani realmente se superou aqui, e a picaretagem começa já pelos créditos iniciais, que "reaproveitam" a trilha sonora composta por Coriolano Gori para o filme "Execução" (1968), de Domenico Paolella. A seguir, percebe-se desde as primeiras cenas que o roteiro desconjuntado é uma simples desculpa para uma sequência de cenas de ação, e que tentar seguir a "trama", por mais mixuruca que ela seja, é pura perda de tempo.

A produção é tão furreca que a história toda se desenrola em apenas dois ou três cenários, e sempre nas mesmas externas, onde, lá pelas tantas, podemos ver o que parece ser um grande cactus falso (imagem abaixo) para simular uma paisagem do Velho Oeste. Quer dizer, talvez até seja uma planta verdadeira mais feia que a média, mas, conhecendo Fidani, eu não duvidaria nada da probabilidade do cactus falso...


Visivelmente sem dinheiro e filmando "no improviso", Fidani nunca mostra o tal roubo ao ouro de Fort Bellamy cometido por Burt Kelly e seus homens (o crime é apenas comentado entre os bandidos), nem tenta criar reviravoltas ou situações que façam a "história" andar. Quando digo que DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA se resume a uma sequência de tiroteios envolvendo Django, Sartana e vários figurantes que interpretam os bandidos da quadrilha de Burt, acreditem, não estou sendo injusto nem exagerado.

A coisa funciona mais ou menos assim: vemos Django entrando num saloon e sendo ameaçado por homens de Burt Kelly. Ele toma uns sopapos, dá outros de volta, e termina matando todo mundo. Corta para Sartana em qualquer outro lugar sendo igualmente ameaçado por outros homens de Burt Kelly. Ele toma uns sopapos, dá outros de volta, até finalmente terminar matando todo mundo. E assim sucessivamente até cansar...


O mais hilário é que Django e Sartana nunca se encontram NO MESMO TAKE antes da cena final. Em duas situações diferentes ao longo do filme, um salva o outro das garras dos pistoleiros de Burt. Mas estas cenas são filmadas da seguinte forma: vemos um dos heróis na mira do revólver inimigo, corta para um take dos bandidos caindo fuzilados, corta para um take do herói em perigo olhando para cima ou para o lado, corta para um take do outro herói acenando, tipo "Salvei tua pele!", e então ele vai embora cavalgando, e aí corta de volta para o herói resgatado dando um sorrisinho tipo "Ah, esse Django (ou Sartana), que cara legal!".

A mesma sequência de takes acontece duas vezes: primeiro, Sartana salva Django; depois, Django salva Sartana. Mas os dois personagens só aparecem JUNTOS, dividindo finalmente um mesmo take, no minuto final, quando começam a negociar quais vilões mortos levarão para trocar pelo dinheiro da recompensa. Enfim, é algo inacreditável de tão tosco!


Outros momentos de rolar de rir em DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA envolvem cenas aleatórias adicionadas na montagem apenas para o filme ficar com a duração de um longa-metragem. Isso envolve INCONTÁVEIS takes com os personages cavalgando, filmados para dar a ideia de que a história está andando e algo está acontecendo (não está, nos dois casos). Se um editor decente limasse todas estas cenas de cavalgadas, a duração do filme cairia tranquilamente para uns 45 minutos!

Mantendo o "padrão de qualidade" de outras produções de Fidani, esta também não tem um mínimo de cuidado nem com a mais básica continuidade: o sobrenome do vilão, por exemplo, é "Kelly". Mas em dois momentos, aparece com grafias diferentes: "Kelly" no bilhete escrito após o sequestro da filha do fazendeiro, e "Keller" num cartaz de recompensa!


Já as cenas de apresentação dos dois personagens principais são tão gratuitas, e tão visivelmente filmadas apenas para enrolar, que muitos espectadores provavelmente desistirão do filme ainda nos primeiros 15 minutos.

Django, por exemplo, aparece visitando uma cidade-fantasma. Ele desce do cavalo, pega um alforje e um cantil, e começa a caminhar pelas ruas centrais da vila abandonada, como se estivesse procurando alguém ou alguma coisa. Encontra um sujeito vestindo farrapos e tenta conversar com ele: "Ninguém mais vive aqui?". Não recebe nenhuma resposta, e decide ir embora. A cena não tem qualquer nexo: nunca sabemos o que Django procurava na cidade-fantasma, quem esperava encontrar, ou que diabos de cidade era aquela; mas a "visita" rendeu a Fidani cinco minutos no tempo de duração do filme!


O mesmo acontece na cena de apresentação de Sartana. Contrariando totalmente as características do personagem imortalizado por Gianni Garko na série oficial (iniciada em 1968, e com quatro filmes), Fidani apresenta Sartana como o grande herói e defensor de um vilarejo de mineradores. Por quê? Boa pergunta, que Fidani não se preocupa em responder - a situação toda é apenas uma desculpa para ganhar mais cinco minutos de tempo corrido na narrativa! Ele até inventou um brilhante diálogo entre dois personagens secundários, que de certa forma sintetiza a inexistência de tudo no filme (principalmente motivações para os personagens):

- Quem é aquele?
- Aquele é Sartana. Nós devemos tudo a ele. Durante anos, a vila era pobre e o nosso povo passava fome. Ele nos mostrou como trabalhar nesta mina abandonada. Nós devemos tudo a Sartana.
- Mas por quê?
- Por quê? Porque ele é Sartana!




E a cereja do bolo é a inacreditável performance de Gordon Mitchell como o psicótico vilão Burt Kelly. Eu não duvidaria se alguém me dissesse que Mitchell filmou todas as suas cenas sob efeito de álcool, ou mesmo drogas pesadas. Num autêntico "one-man show" digno dos melhores momentos de Klaus Kinski, o ator grita, recita frases sem sentido, brinca colocando copos sobre os olhos para simular um binóculo DURANTE UM DIÁLOGO SÉRIO com seus homens, e ri exageradamente como se estivesse numa comédia da série "Austin Powers".

Por tudo isso, o vilão é a melhor coisa do filme e rouba a cena dos apagados heróis toda vez que aparece. Digamos apenas que Burt Kelly é tão doido que joga pôquer e conversa com SEU PRÓPRIO REFLEXO NO ESPELHO - e ainda o acusa de estar trapaceando! É como se o personagem tivesse fugido de uma comédia de Mel Brooks, caindo bem no meio do set de filmagem de um western de quinta categoria!


Se Sartana não tem absolutamente nada em comum com o personagem da série oficial, o Django de Jack Betts sofre do mesmo problema, mais uma vez sendo representado como um caçador de recompensas (a exemplo do anterior "Django Desafia Sartana"). Mas pelo menos ele veste roupas parecidas com as do Django de Franco Nero, enquanto o Sartana de Franco Borelli passa longe disso e parece um pistoleiro genérico qualquer. E tudo bem que o Django de Sergio Corbucci não era exatamente um cavalheiro em relação às mulheres, mas o personagem de Betts exagera no tratamento do sexo oposto, e lá pelas tantas joga uma bacia de água suja no rosto de uma prostituta que está lhe "incomodando"!

Além do elenco reaproveitado de "Homens Mortos Não Fazem Sombra", vários outros atores habituais do cinema Fidaniano dão as caras na narrativa episódica de DJANGO E A SARTANA NO DIA DA VINGANÇA, entre eles o brasileiro Celso Faria, que na época era figurinha carimbada nos westerns de baixo orçamento feitos na Itália. Também é possível rever a linda Simonetta, filha de Fidani na vida real, e mais uma vez creditada como "Simone Blondell".


Na parte técnica, vale destacar a direção de fotografia do notório (e ainda desconhecido à época) Aristide Massaccesi. Alguns anos depois, já usando o pseudônimo "Joe D'Amato", ele se tornaria um dos grandes nomes do exploitation italiano, dirigindo produções polêmicas como "Emanuelle na América", "Buio Omega" e "Anthropophagus", além de uma cacetada de filmes pornográficos.

Este aqui foi um dos seus primeiros trabalhos como diretor de fotografia, e ele repetiria a dose em outros filmes posteriores de Fidani, como "Por um Caixão Cheio de Dólares" e o próprio "Homens Mortos Não Fazem Sombra". O início de carreira ao lado do "Ed Wood do Western Spaghetti" certamente deve ter sido uma grande escola para Massaccesi/D'Amato, que depois dirigiria ele mesmo diversas produções rápidas e baratas no estilo de Fidani!


Muito mais poderia ser dito/escrito sobre a ruindade de DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA, mas esse é o tipo de clássico trash que deve ser visto, e não discutido (ou pelo menos não discutido longe de uma mesa de bar e diante de várias garrafas de cerveja). Tenho certeza que o público médio fã de westerns não encontrou um único defeito entre os inúmeros existentes na produção, até porque a contagem de cadáveres é mantida nas alturas, com tiroteios a cada 10 ou 15 minutos.

Mas, para cinéfilos mais experientes e/ou fãs de podreiras, é impossível não gargalhar com a trama episódica que não leva a lugar nenhum, com as interpretações afetadas, com a péssima direção e com as tentativas desesperadas de Fidani de esticar o tempo de duração, incluindo um interminável jogo de pôquer que dura uns 10 minutos, e que é um convite ao uso do botão Fast Foward - até porque termina com Django passando fogo nos colegas trapaceiros de mesa e pegando para si todo o dinheiro das apostas!


Este é o segundo de três "crossovers" envolvendo a famosa dupla de personagens. Dois anos depois, em 1972, o cada vez mais picareta Fidani lançou um filme chamado "Uma Balada para Django", que não passa dos "melhores momentos" (cof, cof, cof!) de "Django Desafia Sartana" e DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA colados numa outra trama com apenas 20 minutos de cenas novas. Como se vê, não havia limites para a cara-de-pau para o diretor...

É claro que DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA não pode ser visto como um bom filme, sequer como um bom western spaghetti. Fidani e sua trupe não estão tentando criar nada de novo ou de original, regurgitando velhos clichês e até velhos personagens já conhecidos do público, e sem esconder que o fazem unicamente em busca de dinheiro fácil - sem nada de artístico ou relevante, digamos.


Por isso mesmo, a obra é pura diversão para quem gosta de cinema ruim, com tantos erros, defeitos e problemas por minuto que é impossível não se pegar rindo, ou pelo menos com muita vergonha alheia de todos os envolvidos nessa bagaça. É o "Sotto-Django" perfeito para assistir embalado por boas doses de álcool e/ou rodeado pelos amigos fãs de trash - além de uma bela introdução para o cinema sem-noção e absurdamente ruim do "mestre" Demofilo Fidani.

PS 1: Como havia acontecido com o filme anterior de Fidani, que no Brasil ganhou o título "Django Desafia Sartana" mesmo que não exista nenhum desafio ou duelo entre os personagens, este aqui também recebeu títulos enganosos nos EUA, como "Final Conflict... Django Against Sartana" e "Django and Sartana's Showdown in the West", levando o espectador a acreditar que verá um grande duelo entre Django e Sartana, quando na verdade eles são "amigos" na história.

PS 2: O IMDB trocou as bolas e creditou Jack Betts como Sartana e Franco Borelli como Django, quando na verdade é o contrário.


Trailer de DJANGO E SARTANA NO DIA DA VINGANÇA



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Arrivano Django e Sartana... È la Fine
(1970, Itália)

Direção: Demofilo Fidani
Elenco: Jack Betts, Franco Borelli, Gordon Mitchell,
Simonetta Vitelli, Attilio Dottesio, Benito Pacifico,
Krista Nell, Ettore Manni e Celso Faria.

DJANGO X SARTANA - DUELO MORTAL (1970)

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DJANGO X SARTANA - DUELO MORTALé o último dos três "crossovers" produzidos na Itália no começo dos anos 1970 para tentar atrair fãs destes dois mitos do western spaghetti. E se os dois filmes anteriores não passavam de trasheiras que desperdiçavam a presença dos famosões ("Django Desafia Sartana" e "Django e Sartana no Dia da Vingança", ambos dirigidos pelo famigerado Demofilo Fidani), este aqui surpreende por ser uma aventura bem decente.

Além disso, ao contrário daquelas duas produções dirigidas por Fidani, em que Django e Sartana dividiam poucas cenas, e sem mostrar nenhum duelo entre os personagens, aqui ambos aparecem juntos na maior parte do tempo. E, sim, finalmente vemos um confronto entre os heróis, embora a peleja termine empatada - provavelmente para não enfurecer os fãs de um ou de outro personagem.


O filme foi escrito e dirigido por Pasquale Squitieri (com o pseudônimo "William Redford"), e este é o primeiro dos dois únicos westerns assinados por ele. Injustamente esquecido hoje, Squitieri dirigiu vários filmes policiais/políticos entre as décadas de 70 e 80, como "Camorra" (1972), "L'Ambizioso" (1975) e "O Prefeito de Ferro" (1977), com Giuliano Gemma, este último reprisado inúmeras vezes pelo SBT na Sessão das Dez de tempos longínquos.

O cineasta também detém a distinção de ter dirigido a musa Claudia Cardinale nove vezes, além de (dizem as fofocas) ter sido o responsável direto pelo fim do casamento dela com o produtor de cinema Franco Cristaldi em 1975, já que os dois vivem juntos desde então! Conversas de comadres à parte, Squitieri tem uma filmografia muito interessante que merece ser (re)descoberta, especialmente suas obras sobre a máfia napolitana.


Nas resenhas de "O Iluminado", muitos críticos reclamaram que Stanley Kubrick era muito "cerebral" para fazer horror. Bem, o mesmo se aplica a Pasquale Squitieri, que também pode ser considerado muito cerebral para fazer western spaghetti. Por isso, DJANGO X SARTANA - DUELO MORTAL foge um pouco daquele tipo de aventura rápida e simplória produzida na Itália da época, preferindo buscar enquadramentos diferentes, com uma fotografia deslumbrante e longos momentos de silêncio.

Pois é justamente aí que reside o charme do filme: enquanto diversos dos "Sotto-Djangos" (Sub-Djangos) eram produções meia-boca, produzidas e dirigidas de qualquer jeito por cineastas de quinta categoria, com o objetivo único de faturar com o nome do personagem no título, este aqui foi realizado com esmero e cuidado, como se Squitieri tivesse esquecido que dirigia uma aventura não-oficial de Django e Sartana e realmente quisesse mostrar serviço e fazer algo "diferente".


Na trama, Django (nesta encarnação interpretado por Tony Kendall) vive na cidade de Tombstone com seu irmão Steve (John Alvar). Peraí... irmão? Sim, desta vez Django tem um irmão, e este irmão sequer tem um nome tão sofisticado quanto o do herói. Mas não se esqueçam que, num outro "Sotto-Django", ele também teve irmã (isso aconteceu em "Django Não Espera... Mata").

Steve trabalha no banco local, dirigido por Singer (Bernard Farber, de "O Dólar Furado"). E justamente no dia em que Django está fora da cidade, ajudando o xerife e seus homens a caçar uma perigosa quadrilha de bandidos, aparece o misterioso Sartana (George Ardisson), que tem fama de criminoso e ladrão de bancos - embora não seja nem um, nem outro, mas apenas um anti-herói silencioso e meio assustador.


Preocupado com a segurança do dinheiro guardado em seus cofres, Singer convence Steve a oferecer uma propina de alguns milhares de dólares para que Sartana deixe a cidade sem assaltar o banco. Mas, como já sabemos, Sartana não é nenhum assaltante; portanto, ele desdenha da proposta do rapaz e devolve o dinheiro.

Pois eis que no dia seguinte o banco realmente é assaltado, e no processo Singer acaba sendo morto pelo criminoso. A população revoltada procura por um culpado, mas Sartana não está mais na cidade. Sobra para o pobre Steve, que é encontrado no bordel local, nos braços de uma dançarina, e ainda com a grana da propina que tinha recebido do diretor do banco na véspera. Furiosos, os moradores o acusam de ser cúmplice de Sartana. E, sem pensar nas consequências dos seus atos, lincham e enforcam o pobre bancário!


É claro que seu irmão Django não vai gostar nada disso. Principalmente quando volta à cidade e encontra Steve ainda pendurado pelo pescoço, balançando na chuva (uma bela cena, por sinal). Quando os assustados moradores lhe explicam a história toda, Django decide limpar o nome do irmão caçando e matando Sartana, que considera o grande culpado. E o encontra. E tenta matá-lo. E os dois se enfrentam numa pancadaria épica (especialmente para quem esperava algo do gênero nos dois "crossovers" dirigidos por Fidani, e ficou chupando o dedo).

Mas, depois de muitas porradas, os heróis resolvem esfriar a cabeça e pensar um pouco. Sartana explica que não tem nada a ver com o entrevero, e Django começa a desconfiar que alguém arquitetou um ousado plano para transformar Steve em bode expiatório do roubo ao banco. Juntas, as duas lendas do western spaghetti começam a investigar o caso - e coitado do verdadeiro responsável pelo crime!


Apesar desse toque de mistério policial (a investigação do verdadeiro criminoso, embora seja algo meio previsível porque não existem tantos personagens na trama), a melhor parte de DJANGO X SARTANA - DUELO MORTAL é, obviamente, o tal "duelo mortal"entre os dois personagens, que na verdade não chega a ser "mortal" como anuncia o título brasileiro, mas é bem decente (nada de propaganda enganosa dessa vez!).

Primeiro, Django e Sartana esporeiam seus cavalos em direção um do outro, e então finalmente trocando golpes com suas winchesters, como se fossem espadas, até caírem ambos das selas! Para o leitor ter uma ideia melhor de como isso é épico, imagine a luta final entre Tom Cruise e Dougray Scott em "Missão Impossível 2", só que trocando as motocicletas velozes por cavalos!


Depois, a dupla rola assustadoramente por um barranco de altura considerável (o que certamente deve ter deixado os dublês com arranhões até nos tímpanos!), e aí decidem deixar os revólveres de lado para sair no braço. Fãs de Django, de Sartana ou dos dois juntos certamente vão curtir muito a troca de sopapos, filmada com violência e ódio, como se os dois protagonistas realmente estivessem se surrando de verdade!

E embora a conclusão do "duelo mortal" seja com o esperado empate técnico, ao invés do óbito de uma das partes, esta pancadaria é o mais perto que Django e Sartana chegaram de um duelo em seus três encontros cinematográficos, o que torna DJANGO X SARTANA - DUELO MORTAL um filme obrigatório para os fãs dos personagens.


Assim que identificam o verdadeiro autor do crime (e o responsável direto pela morte do irmão de Django), os heróis partem para a fortaleza do vilão, acompanhados por um amigo mudo de Django (José Torres), e iniciam um duelo infernal, com larga contagem de cadáveres e muitas cenas legais - digamos apenas que Django começa a punir o grande vilão dando-lhe um tiro na orelha, o que talvez seja uma citação à famosa cena da orelha arrancada no "Django" de Corbucci!

DJANGO X SARTANA - DUELO MORTAL é apenas o segundo filme de Squitieri, que no ano anterior (1969) havia dirigido um dramalhão chamado "Io e Dio". Quem o convidou para estrear no western spaghetti foi o produtor Roberto Bessi, que nos anos 80 se associaria à Empire Pictures de Charles Band, ajudando a produzir famosos filmes de horror daquela década, como "Do Além", de Stuart Gordon, e "Perversão Assassina", de David Schmoeller.


Há relatos de que o processo de filmagem desta aventura foi tão violento quanto a briga de socos entre Django e Sartana. Em seu primeiro western, Squitieri quis fazer algo longo e épico, com muitos tempos-mortos e momentos reflexivos. Em entrevista reproduzida no livro "Dizionario del Western all'italiana", de Marco Giusti, o produtor Bressi explicou o caso: "Squitieri estava tentando fazer um faroeste como os de Sam Peckinpah, e filmou cenas demais. Mas quando entregamos o material a um editor experiente (Amedeo Giomini), ele o deixou muito curto, com apenas uma hora de duração".

Diante da recusa do diretor de filmar mais cenas adicionais para fechar um longa-metragem, Bressi teria chamado Sergio Garrone (diretor de "Django, O Bastardo") para rodar cenas adicionais, o que talvez justifique uma certa indefinição da obra entre a seriedade e o humor em alguns momentos.


De qualquer forma, hoje ninguém sabe dizer o que foi filmado por Squitieri e o que foi refeito por Garrone, e nem mesmo o IMDB traz a informação de que o segundo teria participado da equipe como diretor não-creditado. Na dúvida, deixo a hipótese em aberto: acredita no produtor quem quiser! O autor Marco Giusti também falhou em resolver o mistério: em entrevistas que conduziu, um dos astros do filme, Kendall, confirmou que Garrone esteve no set, enquanto o outro, Ardisson, garantiu que foi Squitieri quem filmou tudo.

O próprio Squitieri não tem boas recordações da época, e disse, em entrevista ao mesmo livro, que só fez seus dois westerns spaghetti "pelo dinheiro e para ganhar experiência, porque nunca frequentei uma escola de cinema". Mas releve a opinião ranzinza do sujeito, porque tanto DJANGO X SARTANA - DUELO MORTAL, quando o seu faroeste posterior - "A Vingança é um Prato que Se Serve Frio" (1971) - são dois belos filmes, recomendadíssimos para fãs do gênero.


Os dois atores principais não são figuras tão comuns no gênero (ao contrário de, por exemplo, Gianni Garko em "10.000 Dólares para Django" ou Anthony Steffen em "Django, O Bastardo"), o que torna a coisa toda ainda mais curiosa. O italiano Tony Kendall (nome de batismo: Luciano Stella) era mais conhecido na época por ter interpretado o personagem de romances policiais 'Kommissar X" em sete co-produções ítalo-alemãs. Anos depois, ele faria o papel principal em "O Retorno dos Mortos-Vivos" (1973), do espanhol Amando de Ossorio.

Embora diversos outros atores já tivessem interpretado o personagem até então, Kendall consegue compor um Django só seu, menos calado e violento, e mais humano e emotivo (talvez seguindo os passos de Gianni Garko em "10.000 Dólares para Django"). A bem da verdade, pouco ou nada nele lembra o Django de Franco Nero, nem sequer as roupas, já que aqui o herói tem preferência por trajes mais claros e menos soturnos, e no início usa até um poncho!


Aliás, é incrível como Kendall está idêntico ao Armand Assante neste filme, e no ano seguinte (1971), graças ao "milagre" das redublagens em outros países, voltou a interpretar "Django" em "Sartana - Uma Pistola e 100 Cruzes", de Carlo Croccolo. Na verdade, seu personagem originalmente chamava-se "Santana", mas em alguns países ele foi rebatizado como Django, e em outros (tipo o Brasil) como Sartana!

Por falar nele, George Ardisson (nome de batismo: Giorgio Ardisson) interpreta um Sartana bem parecido com o personagem oficial de Gianni Garko. Bem, pelo menos no figurino. Seu comportamento, entretanto, se assemelha mais ao Django de Sergio Corbucci, fazendo aquele tipo calado e perigoso, ao contrário do Sartana fanfarrão da série oficial.


Antes de Sartana, Ardisson já tinha interpretado Zorro numa série de aventuras não-oficiais do personagem (como "Zorro, O Justiceiro Mascarado", de Guido Zurli), e também uma cópia italiana de James Bond, o agente 3S3, em duas produções baratas dirigidas por Sergio Sollima.

Além do elenco, o que realmente diferencia esta obra de tantos outros "Sotto-Djangos" produzidos no período é o cuidado visual e os ângulos de câmera inusitados buscados por Squitieri e por seu diretor de fotografia Eugenio Bentivoglio (com quem o cineasta trabalharia quase sempre a partir de então).


É um contraste muito grande quando você compara o filme com outras aventuras picaretas de Django dirigidas por Edoardo Mulargia ou Demofilo Fidani; eu até diria que este aqui é sofisticado demais para ser apenas uma aventura picareta de Django, e que com certeza o diretor tinha maiores pretensões do que apenas fazer um produto descartável para consumo rápido.

Por exemplo, a montagem faz belo uso de "freeze frames" em momentos importantes, como a chegada de Sartana na cidade e o linchamento de Steve, além de curiosas associações entre cenas diferentes: quando o grande vilão é molhado pelo vinho que vaza de um barril furado a tiros por Django, a montagem imediatamente alterna este momento com a cena anterior do cadáver enforcado de Steve balançando na chuva!


DJANGO X SARTANA - DUELO MORTAL também tem um belo elenco feminino, composto pela péssima atriz, mas gracinha Adler Gray, como a moça boazinha, e por Mirella Pamphili ("Boot Hill") como a malvada assecla do vilão. Esta última tem direito a uma cena pavorosa, quando morre pisoteada por cavalos, mas percebe-se claramente que as patas dos animais estão a metros de distância da atriz enquanto ela se contorce exageradamente pelo chão!

Falando em cavalos, uma curiosidade dos bastidores é que a produção economizou uma graninha alugando cavalos NÃO-ADESTRADOS para os atores, o que nem sempre funcionou bem. Isso é perceptível em várias cenas, mas principalmente naquela em que os dois heróis se encaram antes da sua luta, pois o animal cavalgado por Django simplesmente não pára quieto!


Outra curiosidade é que a trilha sonora de Piero Umiliani reaproveita algumas (se não todas) as músicas compostas por ele para outro "Sotto-Django", o ruinzinho "O Filho de Django", incluindo a música-tema deste, o que simplesmente não faz sentido. Afinal, a letra da canção cita diretamente a morte de Django e a busca de vingança de seu filho ("They call him Django / A coward gun him down / I won't rest easy / Until that coward is found. / I kill for Django / And for his memory / He was my father / A man of high degree"), mas aqui Django não morre e sequer tem filho (e a letra da música nunca cita Sartana)!

Ao lado de filmaços como "Viva Django!" e "10.000 Dólares para Django", DJANGO X SARTANA - DUELO MORTALé a prova de que você pode demonstrar esmero e sofisticação mesmo numa aventura não-oficial (picareta, dirão alguns) de um personagem famoso, entregando um produto final que se sobressaia e que pode ser visto como um ótimo filme independente da inevitável comparação com o original. Não por acaso, eu o colocaria tranquilamente num Top 5 dos "Sotto-Djangos".


Infelizmente, outros realizadores não pensavam da mesma forma e nem seguiram este exemplo, optando por continuar fazendo aventuras medíocres apenas para faturar uns trocos com o nome do famoso personagem, conforme veremos nos capítulos finais da MARATONA VIVA DJANGO!.

E se você acha que juntar Django e Sartana numa mesma aventura foi o auge da picaretagem da italianada, saiba que em 1963 um certo Umberto Lenzi (aquele mesmo dos filmes sobre canibais) dirigiu "Zorro Contra Maciste", um absurdo "crossover" que reúne personagens DE ÉPOCAS DIFERENTES (Maciste é dos tempos dos gladiadores, Zorro do século 19!). Perto disso, Django x Sartana é fichinha, e podiam até colocar o Trinity e o Ringo no bolo também!

PS: Este filme foi vítima da dança dos títulos, bastante comum aqui no Brasil. Embora ele tenha sido lançado em VHS como "Django x Sartana - Duelo Mortal" (e optei por este para a resenha), nos cinemas e em DVD o nome adotado foi "Django Desafia Sartana", uma tradução literal do original italiano. O problema é que este foi o mesmo título dado para "Quel Maledetto Giorno d'inverno... Django e Sartana all'ultimo Sangue", de Fidani, em VHS e DVD (embora nos cinemas o filme tenha sido lançado com uma tradução mais apropriada, "Django e Sartana - Até o Último Sangue").


Trailer de DJANGO X SARTANA - DUELO MORTAL



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Django Sfida Sartana (1970, Itália)
Direção: Pasquale Squitieri
Elenco: Tony Kendall, George Ardisson, José Torres,
Bernard Farber, Adler Gray, Mirella Pamphili, John Alvar,
Teodoro Corrà e Fulvio Mingozzi.

"Você tem 5 segundos para atualizar este blog!"

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Sinto muito, Anthony Steffen, mas ainda vai demorar um pouquinho.

Comunico aos queridos leitores indignados com a falta de atualizações que o FILMES PARA DOIDOS volta à atividade em 1º de abril de 2013!

DJANGO CONTRA 4 IRMÃOS (1971)

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Você já percebe o nível de ruindade de DJANGO CONTRA 4 IRMÃOS somente pelos primeiros dois minutos do filme, que mostram o ataque de uma quadrilha de bandidos mexicanos a uma pequena cidade. Aos 30 segundos cravados, um sujeito leva um tiro de winchester e "interpreta", da forma mais exagerada possível, aquela rotina da pessoa atingida por um tiro que ainda fica de pé por alguns minutos antes de tombar; o problema é que um pobre figurante que passava pelo cenário pára, espera o "baleado" cair estatelado, e então volta a caminhar e segue seu rumo como se nada tivesse acontecido - sem prestar socorro ao baleado, ou ao menos sair correndo para não se tornar a próxima vítima! Depois, um "morto" caído no chão levanta a cabeça sem nenhuma discrição, talvez assustado com o movimento das patas de um cavalo que passa muito próximo, e a abaixa rapidamente ao perceber que a câmera ainda está rodando!

Sim, amiguinhos, dois erros grosseiros em dois minutos, e não pense que eles serão os únicos até o final dos 89 minutos deste sofrível "sotto-Django": temos ainda buracos gigantescos no roteiro, uma história inconsistente e cenografia e figurinos mais pobres que muito teatro de 5ª série, entre outras "qualidades" que fazem dessa bagaça aqui um legítimo FILME PARA DOIDOS.


Nada de muito surpreendente quando você dá uma olhada no nome do diretor nos créditos iniciais. Trata-se de ninguém menos que "Paolo Solvay" - ou melhor, Luigi Batzella (1924-2008), usando o mais comum dos seus diversos pseudônimos. Quem conhece um mínimo da filmografia do homem já sabe que não dá para esperar nada além de um trashão daqueles. Afinal, estamos falando do mesmo responsável por hilárias tranqueiras como o nazisploitation "La Bestia in Calore" (com sua impagável criatura que devora pêlos pubianos femininos!) e o inacreditável "Nuda per Satana".

Batzella (ou "Solvay") comandou DJANGO CONTRA 4 IRMÃOS quando o interesse pelas imitações de "Django" já era mínimo ou inexistente. Afinal, no ano anterior o famigerado Demofilo Fidani banalizou as aventuras não-oficiais do personagem ao dirigir dois Djangos de quinta categoria num curtíssimo espaço de tempo. Não bastasse isso, o público queria coisas novas, como as aventuras mais absurdas de personagens tipo Sartana, ou os westerns cômicos da dupla Terence Hill e Bud Spencer.


Não é por nada que DJANGO CONTRA 4 IRMÃOSé um dos mais fracos entre os "Sotto-Djangos", no mesmo nível de bobagens como "O Filho de Django" ou a (ironicamente) única sequência oficial do filme de Sergio Corbucci, "Django, A Volta do Vingador".

A bem da verdade, o que temos aqui é mais um faroeste barato e genérico onde o nome do personagem não influi em nada no resultado, pois se trocarmos o nome do herói de "Django" para "Maria das Dores" não fará a menor diferença - ou seja, os realizadores sequer tentaram copiar as características que fizeram do "Django" original um sucesso.


Como já foi dito/escrito, nossa história começa com uma quadrilha de bandidos mexicanos atacando a pequena cidade de Silver City. Trata-se do bando dos Cortez, quatro irmãos que se vestem como mariachis e são liderados pelo sinistro Ramon (Edilio Kim, exagerando nas caras e bocas maléficas). Eles matam metade da cidade e fogem levando uma fortuna em ouro do banco e uma linda refém, interpretada por Dominique Badou (de "Blindman").

Pouco depois disso (e dos créditos iniciais), um misterioso pistoleiro chega a uma cidade próxima, na fronteira entre os Estados Unidos e o México. Trata-se, claro, do nosso querido Django, nesta encarnação interpretado por Jeff Cameron (nome de batismo: Giovanni "Nino" Scarciofolo). Ocorre que Django está justamente perseguindo os Irmãos Cortez, por motivos pessoais e ignorados que só serão revelados no final (mas o FILMES PARA DOIDOS irá revelar daqui a alguns parágrafos, assim você não precisará esperar).


Para conseguir chegar até os perigosos bandidos, nosso herói une forças com dois esquisitos parceiros: o jogador de cartas Fulton (Gengher Gatti), que na verdade é um investigador do banco de Silver City enviado para recuperar o ouro roubado, e o brutamontes Pickwick (John Desmont), que quer recuperar a sela que herdou do falecido pai e que foi roubada (pelos Irmãos Cortez, claro!), surrando praticamente todo o elenco no processo.

Django também aproveita um raro momento de folga para seduzir a bela dona do saloon/pousada onde boa parte da história se desenrola, interpretada por Angela Portaluri (foto abaixo).


Se eu tivesse que resumir DJANGO CONTRA 4 IRMÃOS em uma única palavra, esta seria "bagunça". Há um fio narrativo mínimo no roteiro escrito a seis mãos (cof, cof, cof!) por Mario De Rosa, Gaetano Dell'Era e pelo diretor Batzella, mas este não se sustenta por 90 minutos.

Assim, o pobre Batzella foi obrigado a enrolar do jeito que dava. Isso inclui inúmeros takes dos personagens cavalgando, além de cenas de ação e pancadaria completamente gratuitas, que não acrescentam nada ao filme.


Por exemplo, quando Django entra no saloon da cidadezinha pela primeira vez, encontra Pickwick surrando todos os clientes do local numa pancadaria interminável em estilo pastelão, como se fosse uma espécie de Bud Spencer dos pobres. Uma das vítimas atingida por um sopapo do grandalhão vai parar na viga de sustentação do teto, o que dá uma ideia das proporções do quebra-quebra...

Pickwick passará o filme inteiro distribuindo pancadas no elenco, e lá pelas tantas chega a brigar com o próprio Django, que até então era seu companheiro de aventuras, sem nenhuma explicação plausível além da necessidade do diretor de enrolar para ter um longa-metragem nas mãos!


Mais adiante ainda, Django encontrará um assassino chamado Pedro Ramirez, com quem tentará unir forças, já que ele é um dissidente da quadrilha dos Irmãos Cortez e sabe onde eles se escondem. Porém esse "sub-plot" não levará a lugar algum, já que Pedro tentará matar o herói quase imediatamente e acabará comendo capim pela raiz, fazendo o espectador questionar qual seria a utilidade da sua existência na trama (e dos quase 15 minutos em que ele fica em cena).

Claro, a presença do personagem ganha outro status quando descobrimos que este é um dos raros trabalhos na frente das câmeras de Gianfranco Clerici, usando o pseudônimo americanizado "Mark Davis". Se você não reconheceu o nome, então o cinema fantástico italiano não deve ser sua praia: Clerici foi o roteirista de clássicos do horror como "Cannibal Holocaust", de Ruggero Deodato, e "The New York Ripper", de Lucio Fulci!


Além de não acrescentar nada de novo a um subgênero que estava bem próximo do seu canto de cisne, DJANGO CONTRA 4 IRMÃOS soa mais como um reaproveitamento tardio de elementos da "Trilogia do Dólar", de Sergio Leone, do que como uma imitação do "Django" de Corbucci.

Não bastasse o trio de personagens abertamente copiado de "Três Homens em Conflito" (onde Django seria Clint Eastwood, Pickwick seria Eli Wallach e Fulton, Lee Van Cleef), a cena final é uma cópia grosseira do início de "Por um Punhado de Dólares", quando, como Eastwood fez anos antes, Django pede que um coveiro prepare quatro caixões para os inimigos que pretende matar. E Batzella não perde nem a oportunidade de mostrar o "vilão final" sendo abatido a tiros e caindo dentro de um dos caixões, é claro!


Por mais descartável que seja (e é!), DJANGO CONTRA 4 IRMÃOS acaba se transformando rapidamente em comédia involuntária, graças à completa inépcia de Batzella como diretor. Além de todos os problemas já citados envolvendo a pobreza da produção, até os objetos de cena são de um improviso mambembe: quando o herói abre um velho relógio, por exemplo, seu nome está escrito no interior no que parece ser CANETA HIDROCOR PRETA, ao invés de gravado na própria peça!

A falta de cuidado se estende até ao corte de cabelo dos personagens principais e figurantes: enquanto o herói usa um penteado que parece meio comprido demais (e "hippie" demais) para os padrões do Velho Oeste, é difícil não dar risada ao ver o cabelo estilo afro usado por Gianfranco Clerici, com direito a longas e grossas costeletas dignas de Elvis Presley em sua fase "barrigudo em Las Vegas"!


As duas "revelações" da parte final do filme também ajudam a transformar tudo em comédia trash. Primeiro, descobrimos que um dos quatro Irmãos Cortez é, na verdade, uma irmã, Pilar, interpretada pela brasileira Esmeralda Barros (em papel de relativo destaque inclusive, diferente de sua participação especial em outro "Sotto-Django", o posterior "Um Homem Chamado Django"). O caso é que basta bater o olho na moça, mesmo travestida de homem, para perceber que se trata de uma mulher (confira na foto abaixo), mas o filme trata como grande surpresa o momento em que a "Irmã Cortez" é desmascarada!

A segunda reviravolta é aquela que citei lá em cima: bem no finalzinho, descobrimos que a linda garota anônima raptada pelos mexicanos é noiva de Django (!!!), justificando, assim, a caçada do herói - até então, todos pensavam que ele era um caçador de recompensas de olho no preço oferecido pela cabeça dos Cortez. Porém essa "revelação" não justifica a safadeza do nosso herói, que, mesmo com a noiva sequestrada e em perigo, passa a pistola na mexicana dona do saloon sem pensar duas vezes...


Para completar a patacoada, temos o Django qualquer nota de Jeff Cameron, que em nada lembra o personagem criado por Corbucci e foge de qualquer característica do original - ele também é arrumadinho demais para os padrões de Franco Nero ou mesmo de seus melhores seguidores, como Gianni Garko e Terence Hill. O herói é simpático, falastrão e pegador, mas não tem tiradas muito inspiradas nem protagoniza grandes feitos, tornando-se, portanto, um "Sotto-Django" nada memorável.

Falecido em 1985, Cameron (que, visualmente, lembra um Christopher Lambert jovem e não-vesgo) teve uma longa carreira nas aventuras italianas de gladiadores e, claro, nos westerns spaghetti. Embora tenha interpretado Django esta única vez, ele também foi Sartana em duas aventuras não-oficiais do personagem, "Sou Sartana... Venham em Quatro para Morrer" e "Sartana - A Sombra da Morte", ambas dirigidas por Demofilo Fidani.


Repleto de equívocos, e burocrático e convencional enquanto imitação de Django e western, DJANGO CONTRA 4 IRMÃOS só vale mesmo pela própria ruindade, tornando-se um daqueles hilários programas para os débeis mentais que, como eu, se divertem vendo cinema ruim e mal-feito.

Ou seja: quem gosta dos westerns de quinta categoria de diretores como Demofilo Fidani e Bruno Mattei certamente irá dar boas gargalhadas com esse também; quem não gosta, deve passar longe.


Na conclusão, uma ironia: Django anuncia que "O pior terminou e o melhor está apenas começando". Ele bem que pode estar se referindo ao próprio filme na parte do "O pior terminou". Mas considerando que este é apenas o primeiro dos três westerns dirigidos por Luigi Batzella, e o menos ruim e mais assistível da trinca (os outros são os intragáveis "Aquela Alma Maldita" e "O Colt era seu Deus"), a parte do "O melhor está apenas começando" não se justifica!

PS: O título original italiano, em tradução literal, significa "Até para Django os Cadáveres Têm Preço".


Trailer de DJANGO CONTRA 4 IRMÃOS



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Anche per Django le Carogne Hanno un Prezzo /
Django's Cut Price Corpses (1971, Itália)

Direção: Luigi Batzella (aka Paolo Solvay)
Elenco: Jeff Cameron, John Desmont, Gengher Gatti,
Esmeralda Barros, Edilio Kim, Dominique Badou, Franco
Daddi, Gianfranco Clerici e William Mayor.

UM HOMEM CHAMADO DJANGO (1971)

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Um verdadeiro abismo de qualidade separa a primeira aventura não-oficial de Django dirigida por Edoardo Mulargia (o péssimo "Django Não Espera... Mata", 1967) de sua segunda incursão por essas veredas, UM HOMEM CHAMADO DJANGO. Apenas quatro anos se passaram, mas é como se as duas obras fossem dirigidas por pessoas completamente diferentes; ou isso, ou Mulargia aprendeu muito sobre técnica cinematográfica e narrativa no período (aliás, neste curto espaço de tempo entre um Django e outro, o sujeito dirigiu mais seis obras diferentes!).

Não estou dizendo que UM HOMEM CHAMADO DJANGO seja um filmaço, muito menos que figura entre os melhores "sotto-Djangos" daquele áureo período do western spaghetti. O que mais salta aos olhos ao final do filme é a notável evolução no trabalho do diretor Mulargia em comparação a "Django Não Espera... Mata", já que esta sua segunda aventura do personagem é muito mais movimentada, violenta e principalmente DIVERTIDA do que a anterior.


Se lá em 1967 Mulargia havia desperdiçado um adequado Ivan Rassimov numa trama soporífera e cheia de reviravoltas, personagens e complicações desnecessárias, dessa vez ele se atém ao básico: o roteiro de Nino Stresa requenta aquela velha e manjada trama de vingança, inclusive retomando as origens do personagem no "Django" de Sergio Corbucci: aqui também o herói está em busca dos assassinos da sua esposa.

A diferença é que enquanto no filme original havia um único assassino (o Major Jackson), aqui são quatro os homens responsáveis pela morte da pobre mulher - apenas morte, mas sem estupro, ao contrário do que informam algumas fontes desavisadas. Esta é a cena que abre o filme, e há um mistério envolvendo a atriz não-creditada que aparece rapidamente interpretando a esposa do herói (há quem jure que trata-se de Ida Galli, famosa mocinha dos westerns de Giuliano Gemma, mas tudo não passa de especulação).


Como Django estava fora de casa no momento do crime (na guerra?), ele agora precisa resgatar um ladrão mexicano de quinta categoria, Carranza (Glauco Onorato), o único que conhece a identidade dos assassinos. Juntos, eles partem em busca da vingança, este tema tão comum no universo do western spaghetti.

É claro que não será nada fácil: aqueles bandidos pé-de-chinelo e assassinos de esposas de um ano atrás agora viraram militares corruptos, poderosos traficantes de armas ou grandes reis do crime como Jeff (Chris Avram, o arquiteto do clássico "Banho de Sangue", de Mario Bava), que controla uma cidade inteira com sua quadrilha. E embora Django busque vingança contra apenas quatro homens, o filme ironicamente termina com uma contagem de corpos estratosférica!


UM HOMEM CHAMADO DJANGO não é apenas o segundo "sotto-Django" do diretor Mulargia (novamente assinando com seu tradicional pseudônimo americanizado, "Edward G. Muller"), mas também a segunda vez que o astro mezzo italiano, mezzo brasileiro Anthony Steffen interpreta o anti-herói do título, depois do superior "Django, O Bastardo" (1969), de Sergio Garrone.

Pouca gente se dá conta, mas, depois de Franco Nero, Steffen foi o ator que mais ficou marcado como Django, mesmo que um não-oficial. Além destes dois filmes em que ele encarnou personagens que efetivamente são chamados de Django em algum momento da narrativa, Steffen também estrelou vários outros westerns cujos títulos foram posteriormente alterados (principalmente na Alemanha) para se transformar em aventuras de Django, mesmo que os personagens principais tivessem outros nomes. Logo, se contabilizarmos também esses "falsos Djangos", o astro com sangue brasileiro interpretou o famoso pistoleiro em nada mais nada menos de sete filmes! Nada mau...


Se em "Django, O Bastardo" o velho Antonio De Teffé (nome de batismo de Steffen) compôs um personagem calado, misterioso e fantasmagórico, aqui em UM HOMEM CHAMADO DJANGO ele mostra que também pode ser versátil (apesar de notório canastrão), interpretando seu segundo Django de uma forma completamente diferente, dessa vez fanfarrão e engraçadinho, inclusive usando divertidos artifícios para despachar seus desafetos.

Perceba que o filme de Mulargia é de 1971, época em que o western spaghetti tentava se reinventar apelando para o cômico, o burlesco e o absurdo. No ano anterior, "Trinity é o Meu Nome", de Enzo Barboni, foi um grande sucesso de bilheteria apresentando as palhaçadas de Terence Hill e Bud Spencer no Velho Oeste (eles já tinham feito outros filmes antes, mas sem a mesma repercussão). E diretores como Giuliano Carnimeo passaram a explorar esta fórmula até cansar, criando personagens cada vez mais cartunescos e absurdos, tipo o Aleluia vivido por George Hilton em dois filmes.


Esse contexto da época talvez explique as fanfarronices e gracinhas de UM HOMEM CHAMADO DJANGO, que nunca se decide entre ser uma história séria sobre busca de vingança ou uma comédia escrachada.

Algumas cenas até parecem ter saído de um desenho animado, como aquela em que um sujeito joga uma banana de dinamite em Django. Calmamente, nosso herói pega a bomba e usa a chama do pavio para acender seu cigarro. Depois, quando ela está para explodir, ele atira de volta contra seu agressor, explodindo-o, mas não em pedacinhos: no momento seguinte vemos a vítima inteirinha, apenas meio atordoada, soltando fumaça e com o rosto e as roupas chamuscadas pela explosão! Só faltava escrever "Indústrias Acme" na banana de dinamite para ficar mais cartunesco...


Django também usa uma série de truques sujos e cômicos dignos de Trinity, Aleluia, Espírito Santo ou Trissete (os principais pistoleiros engraçadinhos do western spaghetti), e bem diferentes de esconder uma metralhadora num caixão, como fez no original. Para salvar Carranza da forca, por exemplo, ele se veste de monge e pede para um dos seus inimigos segurar uma vela - na verdade, uma banana de dinamite!

Mais além, o herói se esconde atrás de um cadáver para atirar nos companheiros do finado (colocando um dos seus braços no lugar do braço do desencarnado!), e até usa um braço falso para fingir que está desarmado, quando na verdade esconde o verdadeiro, com a arma em punho, por baixo do casaco! Coincidência ou não, Johnny Depp usa o mesmo artifício em "Era Uma Vez no México", de Robert Rodriguez, feito mais de 30 anos depois.


Steffen não é o único nome conhecido para os fãs de western spaghetti. Seu parceiro em cena, Glauco Onorato, foi um grande dublador nas versões em italiano de filmes gravados em inglês, e bastante conhecido como a "voz italiana" do grandalhão Bud Spencer nas primeiras obras do ator.

Também aparecem Benito Stefanelli, figurante em quase todos os westerns mais importantes do período ("Por um Punhado de Dólares", "O Dólar Furado", "Três Homens em Conflito", "Era Uma Vez no Oeste", "Quando Explode a Vingança"...), Riccardo Pizzuti (um habitué nas aventuras de Terence Hill e Bud Spencer) e a linda Simonetta Vitelli, filha do diretor Demofilo Fidani, novamente usando seu pseudônimo americanizado "Simone Blondel". Momento Nelson Rubens: consta que Simonetta se apaixonou por Steffen em meio às filmagens, mas o galã pulou fora porque ela era muito jovem (uma famigerada "chave de cadeia").


Como já acontecera com várias outras imitações anteriores de "Django", esta também reaproveita mais elementos da "Trilogia do Dólar", de Sergio Leone, do que do filme original de Corbucci. Por exemplo, o herói leva uma caixinha de música com a foto da esposa assassinada, que lembra muito o relógio com a foto da irmã morto de Lee Van Cleef em "Por uns Dólares a Mais". E Django salva Carranza de ser enforcado no último segundo, atirando na corda estendida, como Clint Eastwood fez com Eli Wallach em "Três Homens em Conflito".

O próprio relacionamento de amor e ódio entre Django e Carranza lembra uma versão podreira dos personagens de Eastwood e Wallach naquele clássico de Leone, e os créditos iniciais são com vinhetas coloridas à la Leone, embora aqui o diretor use imagens do filme em negativo, ao invés de desenhos, como nas aberturas da "Trilogia do Dólar".


O engraçado é que tanto o diretor Mulargia quanto o roteirista Stresa parecem ter um mínimo de conhecimento do filme de Corbucci, já que volta-e-meia também o citam: Steffen entra na cidade a pé e carregando sua sela numa longa cena inicial que lembra Franco Nero caminhando e arrastando seu caixão na abertura de "Django" (ou seja, em nenhum dos filmes o herói conta sequer com um cavalo), e um dos assassinos procurados pelo herói também é major, como o Major Jackson do original.

Mas a inspiração em Leone é tão mais evidente que, ao gravar a versão em inglês dos diálogos de UM HOMEM CHAMADO DJANGO, os dubladores não resistiram e fizeram uma brincadeira de cinéfilo: na já citada cena em que Django joga a dinamite num inimigo, o herói depois comenta "Este truque vale um punhado de dólares", em diálogo inexistente na versão original em italiano!


Mas, apesar das piadinhas e absurdos, não se engane: em número total de mortos, esse é um dos títulos mais violentos da "série"! Franco Nero matava 95 inimigos em "Django", que tinha uma contagem de cadáveres geral entre 138 e 163 vítimas (as fontes variam e eu que não sou louco para contar).

Em comparação com Nero, nosso representante "quase brasileiro" no universo do personagem faz bonito: entre os mais de 90 exterminados em UM HOMEM CHAMADO DJANGO, significativos 57 desencarnam graças ao implacável Django - exato, aquele que só queria se vingar de QUATRO HOMENS! Não perca as contas: ele matou "apenas" 15 vezes isso! Menos mal que Mulargia nos relembra da verdadeira missão do protagonista ao fazê-lo abrir a caixinha de música da esposa diante dos cadáveres dos seus assassinos...


O roteiro de Stresa tenta uma reviravolta bem batida no ato final, quando descobrimos que Carranza na verdade era o quarto homem entre os assassinos da mulher de Django, obrigando o herói a duelar contra seu próprio companheiro. Na verdade não é nenhuma surpresa, pois há evidências nada discretas disso ao longo do filme (como quando Carranza mata um dos seus ex-cúmplices antes que ele possa revelar toda a verdade a Django).

Felizmente, o conflito é resolvido de maneira eficiente e sem frescura: (SPOILER) sem sequer dar uma chance para que o ex-parceiro se defenda, Django dispara quatro tiros contra ele após pronunciar um melancólico "Adios, amigo", esquecendo que ambos passaram por diversas aventuras juntos ao longo do filme! A cena é bem legal, usando freeze-frames do bandido se contorcendo a cada disparo. (FIM DO SPOILER)


Mas não se engane: Mulargia não é um Leone, nem sequer um Corbucci, e UM HOMEM CHAMADO DJANGO sofre, em diversos momentos, com as bobagens típicas do diretor. Além da indefinição entre ser comédia ou filme sério, há problemas técnicos graves - embora nada tão absurdo quanto a casa sem telhado do anterior "Django Não Espera... Mata", lembra?

Repare, por exemplo, no bonecão vagabundo que se estatela no chão, e que deveria ser uma pessoa (foto abaixo). Ou na cena em que Carranza amarra diversas bananas de dinamite numa roda de carruagem e põe a dita cuja para girar, mas ela simplesmente explode a alguns metros sem atingir nada de importante ou matar nenhum inimigo!


E mesmo que não tenha todas aquelas incompreensíveis tramas secundárias do anterior "Django Não Espera... Mata", a narrativa acaba perdendo tempo com personagens e situações completamente desnecessárias, como aquela envolvendo o dono do saloon e sua esposa infiel (interpretada pela brasileira Esmeralda Barros, em pequena e apagada participação, depois de ter sido uma vilão com bastante tempo em cena no anterior "Django Contra 4 Irmãos").

Felizmente, essas bobagens não comprometem a diversão, já que Mulargia dirige o filme com o pé no acelerador, saltando rapidamente de uma cena de ação para outra, e colocando até um velho calhambeque numa cena para fazer o contraste entre o "Velho Oeste" e o "Novo Oeste" (como Sam Peckinpah já havia feito, de forma bem mais eficiente, no clássico "Meu Ódio Será Sua Herança").


Agora, uma coisa que eu até hoje não consigo entender - e nenhum site ou fórum de discussão sobre western spaghetti se preocupou em explicar - é o título original do filme, "W Django!". O que diabos significa esse "W"? Será que ficaram sem inspiração para títulos genéricos e colocaram simplesmente uma letra qualquer para diferenciar do "Django" de Corbucci? Por que não "A Vingança de Django"?

Em outros países, como o Brasil, a obra foi sabiamente rebatizada como "A Man Called Django". Mas, para aumentar a confusão, algumas distribuidoras novamente o rebatizaram como "Viva Django!", ignorando que por esse título já era conhecido o anterior "Preparati la Bara", de Ferdinando Baldi (estrelado por Terence Hill). Por isso, é muito fácil baixar um filme e descobrir que na verdade é o outro!


É curioso constatar que UM HOMEM CHAMADO DJANGOé o último "sotto-Django" da chamada Era de Ouro do western spaghetti. Tudo bem, Demofilo Fidani lançou "Uma Balada para Django" no ano seguinte, mas esta é basicamente uma colagem de filmes antigos; e a única sequência oficial do clássico de Corbucci, "Django, A Volta do Vingador", foi feita nos anos 80, quando o sub-gênero já estava morto e enterrado.

Ao longo dos anos 70, a injeção de humor e exagero nos westerns da Terra da Bota acabou espantando uma boa parte do público que gostava daqueles filmes mais sérios e violentos. Em suma: não havia mais espaço para Djangos, oficiais ou imitadores. A partir de 1971, piadistas como Trinity e Aleluia tomaram conta do western spaghetti, mas felizmente os produtores tiveram a decência de aposentar Django antes de também transformá-lo em herói engraçadinho.


Trailer de UM HOMEM CHAMADO DJANGO



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W Django! / A Man Called Django (1971, Itália)
Direção: Edoardo Mulargia (aka Edward G. Muller)
Elenco: Anthony Steffen, Glauco Onorato, Stelio Candelli,
Chris Avram, Esmeralda Barros, Benito Stefanelli, Riccardo
Pizzuti, Simonetta Vitelli e Furio Meniconi.

UMA BALADA PARA DJANGO (1972)

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"Audaciosamente desonesto".É assim que um dos raros comentários sobre UMA BALADA PARA DJANGO na internet resume esta terceira e última aventura não-oficial do famoso personagem escrita e dirigida por Demofilo Fidani. E acredite, quando alguém se refere a um filme de Fidani, o "Ed Wood do western spaghetti", como "audaciosamente desonesto", é porque a coisa é mesmo da pesada!

Para começo de conversa, o que temos aqui não é exatamente um filme, mas sim uma picaretagem (ou esperteza) da grossa: Fidani filmou no máximo uns 15 minutos de cenas novas e depois completou um longa-metragem inteiro de 84 minutos na sala de edição, reaproveitando cenas dos outros dois "sotto-Djangos" que dirigiu ("Django e Sartana no Dia da Vingança" e "Django Desafia Sartana"), e até de alguns de seus outros westerns! Esperteza ou picaretagem? Julgue como quiser, mas antes vamos analisar a bagaça mais a fundo...


UMA BALADA PARA DJANGO começa num saloon de Black City (que, segundo indica uma placa na beira da estrada, fica perto de Tombstone), onde ocorre um insólito encontro de um ainda jovem e não tão famoso Wild Bill Hickok (Gerardo Rossi, creditado como "Jerry Ross") com o lendário caçador de recompensas Django (Jack Betts, creditado como "Hunt Powers"), em versão envelhecida, de bigode e manca, usando uma bengala para caminhar. A maquiagem de envelhecimento feita no ator, que tinha pouco mais de 40 anos na época das filmagens, é até bem convincente.

Logo estoura uma pancadaria entre bêbados e arruaceiros no bar, resolvida por Hickok e pelo próprio Django (a bengaladas!). Quando o xerife finalmente chega para manter a paz e a ordem, alerta os bebuns sobre o perigo de terem mexido com o velhote ali presente: "Se vocês não o reconheceram, podem dar graças a Deus que não estão mortos. Ele é o mais famoso caçador de recompensas do Oeste, Django!".


Muito interessado no lendário personagem sentado ao seu lado, Hickok se apresenta, dizendo ser um grande fã de Django, e pede para ele lhe contar algumas de suas aventuras. O velho caçador de recompensas nunca foi um sujeito muito simpático e paciente, mas concorda - desde que o rapaz pague as bebidas e o seu jantar.

Depois desse prólogo de 8 minutos que realmente traz material novo, o velho Django começa a contar como derrotou os terríveis "Irmãos Sanchez", e aí começamos a ser bombardeados com uma infinidade de cenas de arquivo de outros filmes de Fidani, que representam as histórias da "juventude" do herói narradas ao ilustre fã.


A primeira "história" é a mais longa, durando pouco mais de meia hora, e mostra como o jovem Django (o próprio Jack Betts, sem maquiagem de envelhecimento e em cenas dos dois filmes anteriores que fez com o diretor) caçou e matou dois bandidos mexicanos que eram irmãos gêmeos, Manuel e Paco Sanchez.

Quase todas as imagens desse segmento foram retiradas de "Django Desafia Sartana", em que Benito Pacifico interpretava um bandido mexicano chamado Paco Sanchez. Como no original não existia irmão gêmeo, Fidani foi obrigado a chamar Pacifico de volta para gravar algumas cenas adicionais dele como Manuel (o irmão gêmeo), e, graças ao milagre da montagem, o ator passou a contracenar com ele mesmo dois anos mais novo (imagens abaixo), nas cenas filmadas para "Django Desafia Sartana" (tem até uma luta de Benito contra ele mesmo que só vendo para crer!!!)


Sem limites para a reutilização de material antigo, o diretor também reaproveitou cenas de outros filmes: quando a narração em off de Django explica que os Irmãos Sanchez deixaram uma longa trilha de roubos pelo Oeste, vemos cenas do ataque a um jantar de grã-finos originalmente mostrada em "Sou Sartana... Venham em Quatro para Morrer" (1969). Ironicamente, os bandidos nessa cena sequer são mexicanos!

Quando Django finalmente dá cabo dos Sanchez, encerrada a primeira "história" e o jantar, Hickok pergunta: "Mas por que você resolveu se tornar um caçador de recompensas?". O envelhecido herói se reclina na cadeira e responde: "Ah, essa é outra história. Quer ouvir?". E aí começa o segundo "episódio", em que o jovem Django persegue Dean O'Neal, o assassino frio que matou seu grande amigo.


"O'Neal" na verdade é Bud Willer, o vilão que Dino Strano havia interpretado também em "Django Desafia Sartana", cujas cenas foram novamente reaproveitadas. Mas também sobra um espacinho para imagens de "Django e Sartana no Dia da Vingança", que, ironicamente, fazem mais sentido aqui do que no filme para o qual foram gravadas!

Por exemplo, quem (re)ler minha resenha sobre "Django e Sartana no Dia da Vingança" vai ver que descrevo uma cena aleatória em que Django visita uma cidade-fantasma, encontra um sujeito vestindo farrapos e tenta conversar com ele, mas, não obtendo resposta, vira as costas e vai embora, transformando tudo aquilo num momento sem sentido algum. Em UMA BALADA PARA DJANGO, Fidani reutilizou esta mesma cena, mas, usando uma nova dublagem, fez com que o sujeito em farrapos dessa vez CONVERSASSE com Django, dando-lhe informações úteis sobre o paradeiro de O'Neal!


Finalmente, com a morte deste e o fim do segundo "episódio", o velho caçador de recompensas se despede e diz que tem um último servicinho para fazer antes de se aposentar. Ele tira uma lista do bolso repleta de nomes e valores, quase todos riscados, onde sobrou um único, "Buck Bradley". E esse será o seu último trabalho, com bengala e tudo.

Bradley é interpretado por Gordon Mitchell, que já havia enfrentado o mesmo Django de Jack Betts no anterior "Django e Sartana no Dia da Vingança". As cenas do novo duelo entre os dois são novas e inéditas, mas Fidani novamente reaproveita na montagem alguns takes antigos. E é uma coisa realmente mágica ver takes de Betts com maquiagem de envelhecimento disparando seu revólver, nessas novas cenas deUMA BALADA PARA DJANGO, para matar capangas que originalmente morreram em "Django e Sartana no Dia da Vingança"!


UMA BALADA PARA DJANGOé um daqueles legítimos FILMES PARA DOIDOS, para públicos beeeeem específicos. Não tenho certeza de como iria reagir um espectador que visse o filme sem saber que na verdade se trata de uma colcha de retralhos de obras antigas, mas ele provavelmente estranharia a esquisita narrativa episódica, que mostra Django em três missões diferentes e sem se aprofundar muito nos personagens de cada uma delas.

Particularmente, eu achoUMA BALADA PARA DJANGO um negócio de gênio, mesmo. Porque é preciso ser muito genial (e cara-de-pau) para fazer um longa inteiro com cenas antigas, e que funciona razoavelmente bem - pelo menos muito melhor que as picaretagens de Godfrey Ho, aquele maluco que inseria cenas com ninjas no meio de dramas e filmes policiais feitos anos antes, e muito melhor que "Predadores da Noite", o filme de zumbis que Bruno Mattei fez usando cenas de um velho documentário sobre a Nova Guiné.


O curioso, também, é que essa colcha de retalhos é a mais interessante das três aventuras de Django escritas e dirigidas por Fidani. Porque se nas outras duas as histórias iam do meia-boca ao inexistente, aqui realmente há uma boa ideia para se fazer um filme, que é o encontro entre uma lenda da vida real (Wild Bill Hickok) com outra da ficção, como se o velho Django tivesse sido a inspiração para o jovem Hickok ter se tornado um histórico pistoleiro.

A ideia de um envelhecido Django narrando seus feitos, e ainda encontrando disposição para enfrentar um último desafeto, também é absolutamente genial, e muito me admira que após tantos "sotto-Djangos" ninguém tivesse pensado nisso antes! Eu até acreditei que aconteceria algo semelhante em "Django Livre", com um velho Franco Nero passando o revólver à nova geração representada por Jamie Foxx, mas o Tarantino foi bunda-mole e desperdiçou esta rara participação do Django original!


A execução pode até não ser das melhores, mas as ideias, tanto do roteiro quanto de reaproveitar cenas antigas, são fantásticas. O filme em si segue o padrão de qualidade "fidaniano" (ou seja: nenhum) e é bem ruinzinho, mas tem lá seus méritos como diversão trash, e pelo menos serve como coletânea dos "melhores momentos" do diretor em seus filmes anteriores. Ele até usa um pseudônimo novo, "Lucky Dickinson", ao invés do tradicional "Miles Deem".

O legal é que Fidani pôde pegar apenas as cenas de ação e de tiroteio dessas obras antigas, separando-as daquela infinidade de takes de pessoas cavalgando ou papo furado. Por isso, UMA BALADA PARA DJANGO também é um trabalho mais dinâmico do cineasta, trazendo apenas o que realmente interessa de "Django e Sartana no Dia da Vingança" e "Django Desafia Sartana", até eliminando a necessidade de ver esses filmes por inteiro.


UMA BALADA PARA DJANGO também traz o melhor duelo final de toda a trinca de "sotto-Djangos" de Fidani, entre Betts e Mitchell. (SPOILER) Django parece vencido sem o seu revólver, e o vilão diz que quer guardar a bengala do velho caçador de recompensas como lembrança. Nesse momento, nosso herói ergue a bengala e revela uma derringer (aquelas arminhas minúsculas, que parecem de brinquedo) presa ao cabo, que usa para balear seu último inimigo! (FIM DO SPOILER)

Na conclusão, voltamos ao saloon do início e uma nova briga entre bêbados e arruaceiros se inicia. Django, talvez esquecendo que está aposentado, ajuda seu fã Hickok a dar um jeito nos encrenqueiros, e o último take do filme é o herói dando um sopapo diretamente na lente da câmera - como se estivesse esmurrando o nariz do próprio espectador!


Talvez até pelo aspecto de picaretagem, de ser mais uma colagem de cenas do que um filme completo, UMA BALADA PARA DJANGO acabou se tornando uma raridade conhecida apenas por quem é muito fã de Django ou do diretor Fidani. Sequer circula em cópias boas na internet, e a mais fácil de encontrar é tirada de VHS com legendas em grego!

Também não encontrei nenhuma resenha sobre a obra nas minhas fontes de costume, além de um simples parágrafo no The Spaghetti Western Database. Mesmo no IMDB não há qualquer comentário dos usuários, e o verbete do filme no "Dizionario del Western all'Italiana", de Marco Giusti, resume-se a meia dúzia de linhas pouco esclarecedoras. Assim, as raríssimas manifestações a respeito da obra estão em fóruns de discussão, e bem sucintas.


Para quem gosta de encontrar referências e conexões (às vezes inexistentes), o título original italiano é "Giù le Mani... Carogna", que pode ser traduzido no sentido literal como "Abaixe as Mãos... Carniça", e parece indicar algo na linha de "Quando Explode a Vingança", de Sergio Leone, que na Itália é "Giù la Testa" (não por acaso, o próprio Fidani já havia dirigido outro western chamado "Giù la Testa... Hombre", que no Brasil foi lançado como "Minnesota - Caçado Vivo ou Morto"!!!).

Por falar em títulos brasileiros, a obra foi originalmente exibida em nossos cinemas como "Django, Pistoleiro Implacável". UMA BALADA PARA DJANGOé o título com que ele foi exibido na TV e lançado em VHS pelo selo Studio T, e que também achei mais apropriado considerando a história do filme.


Só gostaria de enfatizar que UMA BALADA PARA DJANGO não é, de maneira alguma, um bom filme. Seus defeitos são mais do que evidentes (conforme meu breve relato deve ter deixado bem claro), e a ideia de reutilizar cenas antigas é, como já disse/escrevi, tanto coisa de gênio quanto de picareta, cabendo a cada espectador julgar por si próprio.

Eu, particularmente, acho que filmes comoeste representam a verdadeira mágica do cinema, e o que sempre me atraiu na Sétima Arte. Qualidade da película à parte, ela é bem-sucedida em enganar o espectador ao colocar um ator brigando com ele mesmo em cenas filmadas com dois anos de diferença, ou um herói atirando em vilões de um outro filme! Hoje até uma criança de cinco anos faz tudo isso sem a menor dificuldade usando seu computador e um fundo verde, mas na época (1972) essas trucagens exigiam muita criatividade e disposição do seu realizador. Sem contar que é muito divertido assistir o filme e tentar identificar o que é cena nova e o que é cena de arquivo...


Enfim, Demofilo Fidani pode até ser o Ed Wood do gênero, mas certamente ninguém poderá acusá-lo de falta de imaginação ou de criatividade. E eu não sei quanto ganharam os responsáveis pela edição do filme (Piera Bruni e Gianfranco Simoncelli), mas eles certamente mereciam o triplo pelos milagres que fizeram para costurar uma narrativa minimamente coesa da forma como fizeram aqui.

Vale ressaltar que, durante um longo intervalo de tempo (exatos 15 anos), UMA BALADA PARA DJANGO foi a última aventura do herói a chegar às telas - descontando, é claro, outros westerns quaisquer cujos títulos foram mudados para virarem sub-Djangos desonestos. Isso até a volta (nada) triunfal do personagem em "Django, A Volta do Vingador", um filme que consegue ser pior do que todas as barbaridades que caras como Fidani e Luigi Batzella fizeram usando este mesmo nome...


Trailer de A BALADA DE DJANGO



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Giù le Mani... Carogna (1972, Itália)
Direção: Demofilo Fidani
Elenco: Jack Betts, Gordon Mitchell, Gerardo Rossi,
Benito Pacifico e um montão de cenas de arquivo
com Dino Strano, Celso Faria e outros.

DJANGO, A VOLTA DO VINGADOR (1987)

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1987 foi o ano de "Máquina Mortífera", "O Predador", "Robocop", "007 Marcado para a Morte" e, vejam vocês, da primeira e única continuação oficial do "Django" de Sergio Corbucci: DJANGO, A VOLTA DO VINGADOR! Isso mesmo: exatos 21 anos depois do original (lançado em 1966), e no mesmo ano de "Máquina Mortífera", "O Predador", "Robocop" e "007 Marcado para a Morte", quando o western spaghetti já estava morto e enterrado, alguém achou que seria uma boa fazer um "Django 2"...

Precisa dizer que não deu certo? Bem, digamos apenas que, em 1987, ressuscitar velhos heróis de western não era algo que estava na moda, e que a ideia soa tão deslocada quanto alguém sugerir, hoje, que se faça um jogo de Atari para XBox. Inclusive eu acho que DJANGO, A VOLTA DO VINGADOR deveria ser usado para sempre como sinônimo de algo que não soube aproveitar o seu tempo, foi produzido muitos anos depois e quebrou a cara.


Afinal, depois do sucesso do "Django" de Corbucci, foram feitas diversas aventuras não-oficiais do personagem, conforme você, leitor, pôde acompanhar aqui no blog nessa nossa MARATONA VIVA DJANGO!. Outros tantos westerns genéricos receberam novos títulos para transformar-se em aventuras de Django à força, mesmo sem qualquer relação com o personagem.

Enfim: entre 1966 e 1972, houve uma verdadeira overdose de Djangos não-oficiais e imitações. Então por que diabos não fizeram a continuação oficial nessa época áurea, ao invés de esperar 21 anos, quando o próprio apelo do personagem já não era mais o mesmo, e havia toda uma nova geração que sequer sabia quem era esse tal de Django?


Para ser justo, não foi por falta de tentativa: em 1967, Franco Nero quase voltou a interpretar o personagem em "Viva Django!", de Ferdinando Baldi, já que tinha assinado um contrato para três filmes com o produtor Manolo Bolognini, e este seria o terceiro. Mas Nero preferiu quebrar o contrato e ir para Hollywood interpretar Sir Lancelot no épico "Camelot". Nem imagino o quanto a troca foi vantajosa para a carreira do italiano (afinal, quanta gente REALMENTE lembra de "Camelot"?), mas pelo menos foi nessa filmagem que ele conheceu sua futura esposa Vanessa Redgrave.

Sem Nero, "Viva Django!" foi estrelado por Terence Hill, e uma outra extensa galeria de intérpretes deu vida ao personagem nos "sotto-Djangos" que analisamos em nossa Maratona. Nero nunca mais voltou ao papel, e nem o diretor do original, Sergio Corbucci, teve interesse em fazer uma continuação, preferindo dirigir outros westerns - como os maravilhosos "Vamos a Matar, Compañeros" e "O Grande Silêncio".


Aí chegamos à década de 80. O western spaghetti tinha desaparecido ainda no final dos anos 70 (críticos e pesquisadores apontam "Keoma", de 1976, como o último grande filme do gênero produzido na Itália). Mas aí alguns italianos malucos acreditaram que havia espaço e interesse para um revival do seu popular subgênero. E o projeto da primeira sequência oficial de "Django" finalmente começou a tomar forma, tardiamente.

Segundo o "Dizionario del Western all'Italiana", do pesquisador italiano Marco Giusti, o interesse por "Django 2" começou a surgir em 1985, enquanto Duccio Tessari dirigia "Tex e os Senhores do Abismo", adaptação da famosa HQ de Sergio Bonelli estrelada por Giuliano Gemma. Alguns produtores da Terra da Bota apostavam que uma nova era dourada do western spaghetti se iniciaria com o sucesso deste filme, e convenceram Sergio Corbucci a dirigir a sequência de sua famosa obra.


É bom lembrar que o pobre Corbucci vivia uma tenebrosa fase de vacas magras: desde o final dos anos 70, ele praticamente só dirigia comédias-pastelão da dupla Terence Hill-Bud Spencer, como "Par ou Ímpar" (1978) e "Quem Encontra um Amigo, Encontra um Tesouro" (1981). Ao saber do envolvimento do diretor na futura sequência, Franco Nero aceitou voltar para um segundo tempo como Django.

Infelizmente, a coisa não fluiu. "Tex e os Senhores do Abismo" revelou-se um retumbante fracasso (além de um filme bem ruim), o tal do revival do western spaghetti nunca aconteceu e o pessoal que iria investir em "Django 2" provavelmente começou a pensar duas vezes. Para piorar, Corbucci ficou doente e também pulou fora, e aquele projeto inicialmente concebido como um ambicioso retorno de Django à ação acabou se tornando esse equívoco de quinta categoria chamado DJANGO, A VOLTA DO VINGADOR!


A vaga de Sergio Corbucci foi assumida pelo inexpressivo Nello Rossati, que sequer dirigiu algum western na vida (seu trabalho de maior expressão até então era a comédia erótica "The Sensuous Nurse", mais conhecida pela nudez da deusa Ursula Andress do que propriamente pela sua inspirada direção ou pela qualidade da obra).

Já o roteiro ficou a cargo do próprio Rossati e de um amigo seu, o também desconhecido Franco Reggiani. O orçamento ia do reduzido ao inexistente, conforme a fonte consultada, e as filmagens aconteceram na Colômbia (!!!) para baratear os custos, no início de 1987.


A pretensão começa já no título em italiano, que é "Django 2 - Il Grande Ritorno", de maneira a deixar bem claro que esta é a única continuação oficial do clássico de Corbucci, e que todas as outras aventuras não-oficiais deveriam ser descartadas, como se nunca tivessem existido.

Em alguns países onde os "sotto-Djangos" eram bem populares, como Brasil e Estados Unidos, este título com o número 2 nunca foi usado, dando preferência a nomes mais genéricos como DJANGO, A VOLTA DO VINGADOR ou "Django Strikes Back", que pelo menos não negavam os outros filmes não-oficiais do personagem.


Como duas décadas separam "Django" dessa sua sequência oficial, Franco Nero já não era mais um garotão de 23 anos de idade, e sim um quarentão. Considerando que não havia como rejuvenescer o astro, os realizadores resolveram adotar o "20 anos depois..." também na trama do filme.

Logo, se o original se passava depois da Guerra Civil norte-americana (que terminou em 1865), e esta sequência  traz um Django 20 anos mais velho, a história do novo filme parece se passar por volta de 1890, quando o "Velho Oeste" já não era mais tão velho assim. Isso de certa forma explica porque DJANGO, A VOLTA DO VINGADOR parece mais um filme de ação do que um western, e metralhadoras, barcos a vapor e canhões roubam o lugar daqueles duelos mano a mano do original.


Essa ideia de pistoleiros vivendo fora de sua época e de um Velho Oeste que começa a se modernizar fica bem clara na cena inicial, que é, disparado, a melhor coisa do filme - e ironicamente foi cortada em várias cópias internacionais, como a que saiu em VHS no Brasil no começo dos anos 90!

O prólogo traz dois veteranos pistoleiros (interpretados pelo veterano William Berger e outro que não consegui identificar) encontrando-se para um último duelo no estilo "quem saca primeiro". Só que eles estão realmente velhos e não conseguem nem matar um ao outro! Resta tomar um trago no saloon e falar sobre aqueles tempos distantes em que o Velho Oeste era regido pela lei do colt.


Entre goles de uísque, a dupla comenta o fato de serem sobreviventes de tempos idos em novos tempos que já não têm mais honra, nem duelos entre pistoleiros, e ser o gatilho mais rápido de nada serve porque as novas gerações atiram pelas costas...
- Wyatt Earp, Butch Cassidy... Todos mortos!
- E o que aconteceu com aquele rapaz da metralhadora?
- Ele era o melhor de todos!
- Sim, e tinha um nome indígena curioso...


Nesse momento, um grande barco a vapor ameaça atacar a vila, e os dois veteranos resolvem enfrentar os inimigos à moda antiga, na cara e na coragem, marchando para a morte no estilo do "wild bunch" de Sam Peckinpah ao final de "Meu Ódio Será Sua Herança". Dito e feito: os velhotes tomam um tiro de canhão e, antes de morrer, o personagem de Berger balbucia: "Agora me lembrei... O nome dele era Django!".


Entram os créditos iniciais, quando reencontramos o velho Django num... mosteiro mexicano?!? Exato: aparentemente, o pistoleiro resolveu abandonar as armas depois de enfrentar o Major Jackson com as mãos quebradas no final de "Django", e virou monge (recebendo até um novo nome, "Irmão Ignácio") para escapar da violência dos novos tempos e do seu passado.

(Ah, e antes que você possa dizer que isso é cópia do Rambo vivendo num mosteiro budista no início de "Rambo 3", é bom lembrar que o filme do Stallone saiu um ano depois, em 1988!)


A rotina religiosa de Djan... Irmão Ignácio é quebrada com a visita de uma mulher à beira da morte, uma ex-amante do passado (seria Maria, a garota vivida por Loredana Nusciak no original?), que revela ao pistoleiro aposentado que ele tem uma filha pré-adolescente, Marisol (Consuelo Reina). Não bastasse esse susto, ela também diz que está morrendo de uma doença grave e que o herói precisará cuidar da menina. Bela forma de começar um dia, hein?

O Monge Django abandona o mosteiro depois de algum tempo (semanas? meses?), e por coincidência o faz no mesmo momento em que aquele barco a vapor do início atacou e dizimou a cidade inteira. Há cadáveres enforcados ou despedaçados por toda parte, e o orfanato onde Marisol vivia (a mãe doente morreu tempos antes) foi invadido. O reencontro entre pai e filha precisará esperar, já que as meninas foram todas levadas pelos invasores da vila.


Acontece que o tal barco a vapor pertence a "El Diablo" Orlowsky (Christopher Connelly, de "Missão Cobra", que morreu de câncer um ano depois). Este militar húngaro é a própria encarnação da maldade: ele ataca cidades com seu pequeno exército, levando moças e mulheres para prostituir e rapazes e homens para trabalharem como escravos até a morte em suas minas de prata. Orlowsky esbofeteia crianças, pratica tiro ao alvo com seres humanos (ecos do Major Jackson, de "Django"?), e tem até uma cabeça decepada adornando o seu barco. Um sujeito simpático, não?

Depois de anos vivendo num mosteiro, e tendo feito votos de abandonar a violência, o Monge Django tenta conversar com Orlowsky numa boa, para recuperar sua filha sem precisar dar um único tiro. Bem, é claro que se isso acontecesse não haveria filme. E o vilão prefere aprisionar o herói (nossa, que malvado, ele também não respeita religiosos!), torturá-lo e enviá-lo para morrer como escravo em suas minas - e, ao ver Nero com grilhões nos pulsos e tornozelos, é impossível não se lembrar do título do filme de Tarantino, "Django Unchained"!


Como usar o diálogo com "El Diablo" não funcionou, Django finalmente decide abandonar o lado pacifista e partir em busca de vingança. Primeiro ele escapa da terrível mina de onde ninguém jamais escapou vivo (simplesmente escondendo-se dentro de uma enorme panela de sopa roubada do refeitório e rolando até o rio!!!); em seguida, ele visita um cemitério e desenterra sua amada metralhadora, que estava enterrada numa cova cuja lápide tem o nome "Django".

Esta cena, a única que realmente lembra o climão do clássico de Corbucci, infelizmente também não era mais novidade em 1987, já que há um momento idêntico no final do já citado "Viva Django!" (quando Terence Hill desenterrava a metralhadora, também de uma sepultura com o nome "Django", para eliminar seus inimigos). Aqui, o herói também tem a oportunidade de testar a arma exterminando um grupo de bandidos que interrompeu um velório para estuprar a viúva (!!!). O legal é que a metralhadora ainda funciona, depois de duas décadas enterrada. E, claro, tem munição sobrando. Afinal, o herói virou monge e fez votos de nunca mais recorrer à violência, mas nunca se sabe...


A partir de então, Django põe em prática um ousado plano. Não, é mentira: o que acontece na prática é que nosso herói fica mais perdido que cego em tiroteio e simplesmente começa a zanzar por aí escondido numa carruagem funerária, procurando bandidos aleatórios e exterminando-os com sua metralhadora!

Ele também faz amizade com um garoto (Mickey Bill Moore), com quem divide o desejo de vingança de "El Diablo" (a cabeça que "enfeita" o barco do vilão pertencia ao pai do menino, e ele quer recuperá-la para dar-lhe um enterro decente). O moleque acaba se tornando um chatíssimo sidekick de Django, e sabe-se de longa data que parceiro-mirim em filme para adultos geralmente é um tiro no pé. Aqui não é diferente.


Quando constata que seu plano de chacinas aleatórias não está dando certo, Django resolve atrair o vilão para uma armadilha. Afinal, além de um canalha inescrupuloso, sanguinário e escravista, "El Diablo" também é um apaixonado colecionador de borboletas (!!!), e está em busca de um raríssimo exemplar - a mariposa negra. E o herói cria uma falsa mariposa negra com o pretexto de levá-lo a uma emboscada. Porra Rossati, sério que você não conseguiu pensar em nada melhor do que isso?

Para piorar as coisas, o plano não dá certo e Django é preso DE NOVO (!!!). Assim, o duelo final com o terrível Orlowsky e seus homens acontecerá na mina de prata, aquela mesma onde o herói foi aprisionado no começo do filme. Mas dessa vez ele conseguirá iniciar uma pequena guerra no local, repleta de rajadas de metralhadora e explosões.


DJANGO, A VOLTA DO VINGADORé um festival de erros colossal: não bastasse ter sido feito 20 anos depois do original, ele também falha em criar qualquer vínculo com o original (além de ter um herói chamado Django e um vilão racista). Para começo de conversa, isso aqui sequer é um western spaghetti: está mais para aquelas imitações italianas vagabundas de "Rambo 2" e "Braddock - O Super Comando" filmadas nas Filipinas.

Inclusive a cena final, com Django correndo para lá e para cá com a metralhadora a tiracolo e muitos explosivos, lembra bastante Rambo e Braddock atacando campos de prisioneiros no Vietnã para resgatar prisioneiros de guerra em seus respectivos filmes - o quarentão Franco Nero até se parece um pouco fisicamente com Chuck Norris! A arte internacional do cartaz do filme, usada também na capinha do VHS brasileiro (abaixo), deixa bem clara essa intenção de fazer Django parecer Rambo, com o desenho de um Franco Nero bombadão, de metralhadora em punho e até uma ridícula faixa na cabeça (que, felizmente, no filme ele não usa!).


Logo, muito pouca coisa lembra o "Django" de Corbucci, e o personagem de Nero poderia facilmente ser rebatizado como "Joe" ou "Rimbo" que não faria diferença alguma. Se em 1966 Django havia sido representado como anti-herói que não escolhia lados e só queria levar vantagem financeira, aqui ele é claramente um herói idealista lutando pela justiça (oooh!) e para resgatar a sua filha.

Até a ambientação é outra: enquanto o original se passava em meio à lama e ao frio de uma cidadezinha típica de Velho Oeste, aqui a trama acontece em rios e selvas tropicais de um país mais moderno e visivelmente sul-americano (apesar de a história se passar no "México").


Isso sem contar a decepcionante desculpa usada para trazer Django de volta à ação depois de 20 anos como monge. Poxa, uma filha perdida que ele tem que resgatar? Não tinha nenhum tema mais batido não? Até um notório incompetente, como Demofilo Fidani, foi mais eficiente em "Uma Balada para Django", ao mostrar um velho Django contando as histórias da sua juventude para um pistoleiro da nova geração.

A verdade é que há tantos problemas no filme de Rossati (usando o pseudônimo americanizado "Ted Archer") que nem sei por onde começar. Aliás, sei sim: deve ter sido decepcionante para quem esperava um novo Django "oficial" desde 1966 deparar-se com essa bunda-molice, em que até o próprio herói está apagado e mostra pouco serviço (ele é preso duas vezes e todos os seus planos dão errado). O vilão, quem diria, é muito mais interessante e tem muito mais tempo de cena do que o pobre Nero!


Além de deixar o herói em segundo plano, e sabotá-lo com filha para resgatar e sidekick mirim, o roteiro de DJANGO, A VOLTA DO VINGADOR ainda consegue a façanha de desperdiçar um grande ator como Donald Pleasence, que aqui apenas bate cartão burocraticamente como rápido alívio cômico, um entomologista escocês aprisionado por "El Diablo" em suas minas de prata, e que resolve ajudar Django a escapar.

Rossati priva-nos até de um emocionante duelo final entre o herói e "El Diablo", e isso depois que Django e sua filha sofreram horrores nas mãos do tirano e o mais lógico seria mostrá-lo desafogando a raiva no filho da puta. Que nada: o confronto entre eles se resume a um momento engraçadinho à la "Os Caçadores da Arca Perdida", quando Orlowsky saca sua espada e Django a arrebenta ao meio com um tiro. Quem realmente vai fazer justiça são os escravos da mina, numa conclusão idêntica à de "Justiça Selvagem", aventura com Charles Bronson lançada dois anos antes.


Além da subtrama imbecil da caçada à tal borboleta rara (bah!), o diretor perde um tempo precioso enfocando um desinteressante triângulo amoroso entre o vilão e duas mulheres: uma escrava negra sádica que anda seminua e cheia de correntes (atriz não-creditada) e uma condessa sequestrada (Licinia Lentini). Mas o caso de amor e traição não interessa a ninguém e só está no filme para encher linguiça mesmo.

Uma pena, porque a tal escrava cheia de correntes, e que usa um chicote como arma, é uma personagem muito legal, certamente a melhor do filme (parece até aquelas "sub-vilãs" exóticas das velhas aventuras do James Bond, talvez inspirada na Grace Jones de "007 Na Mira dos Assassinos"), e poderia ter sido melhor desenvolvida e aproveitada.


A direção em geral é ruim de doer. Rossati tenta dar uma de Sam Peckinpah (com uns 15 anos de atraso!), mas abusa da câmera lenta em momentos desnecessários, levando a um momento simplesmente constrangedor em que monges correm e pulam em câmera lenta com redinhas de caçar borboleta, para preparar a armadilha entomológica para "El Diablo".

Os raros momentos inspirados, como quando Django faz um bandido fumar uma banana de dinamite (com direito à inevitável piadinha sobre como fumar faz mal à saúde depois que o sujeito explode em pedacinhos), ficam perdidos num conjunto extremamente fraco e batido.


Para piorar, o diretor estraga praticamente toda cena de ação do filme com erros dignos de Ed Wood. No grande tiroteio final, só para o leitor ter uma ideia, Django distribui rajadas de metralhadora a torto e a direito, mas milagrosamente atinge apenas os vilões, e não as centenas de inocentes - escravos da mina em fuga - que correm de um lado para outro ao fundo da cena!

Tem até um momento patético em que vemos claramente vilões sendo metralhados enquanto os escravos correm ao fundo (abaixo), e absurdamente nenhuma bala perdida atinge o pessoal atrás! Isso que é mira, hein, Django?



E a música? Caramba, que desgraça! Se uma das coisas que imortalizou o "Django" original foi justamente a trilha sonora de Luis Bacalov, aqui a responsa ficou nas mãos do apagado Gianfranco Plenizio, que não tem lá um grande currículo. Ele até trabalhou no departamento musical de vários westerns italianos, principalmente filmes da dupla Terence Hill-Bud Spencer (como "Boot Hill"), mas sempre conduzindo a orquestra na música composta por terceiros, e não como compositor propriamente dito.

Aqui, tendo o trabalho todo só para ele, Plenizio compôs uma verdadeira monstruosidade com sintetizadores, uma trilha afetada e exagerada cheia de coros tipo "Oooooooohhhh ooooooohhhhhh" tocando em momentos que sequer exigem tamanha dramaticidade, e sem um único acorde que lembre o mestre Bacalov. Aliás, por que caralhos não reaproveitaram o clássico tema de "Django" aqui, pelo menos nos créditos iniciais ou finais?


Eu poderia continuar falando da ruindade de DJANGO, A VOLTA DO VINGADOR durante dias, mas acho inútil continuar. Para mim, sinceramente, esta é uma das piores e mais desnecessárias continuações de todos os tempos, uma verdadeira frustração quando lembramos que demoraram 21 anos para fazer uma sequência oficial de "Django" e com o verdadeiro intérprete do personagem.

Até mesmo Nero, que está em boa forma física, aparece visivelmente cansado e decepcionado com o filme, fazendo as cenas no piloto automático, como se pensando "Esperei duas décadas para ISSO?". Em alguns momentos ridículos, Nero-Django até parece Jesus Cristo, com cabelo comprido, barba e sua túnica branca de monge. Sei lá se esse "ar messiânico" foi proposital ou apenas coincidência, mas caso tenha sido de propósito é mais uma baboseira para a conta de Nello Rossati e cia. Menos mal que o personagem mantém o padrão de matança do original, eliminando 78 inimigos ao longo do filme (você pode ver a contabilidade da chacina clicando aqui).


O ideal seria esquecer que DJANGO, A VOLTA DO VINGADOR existe e escolher o seu próprio "sotto-Django" como se fosse a SUA continuação oficial da série. Eu, por exemplo, prefiro encarar "Viva Django!", de Baldi, como prequel e "10.000 Dólares para Django" e "Django, O Bastardo" como continuações legítimas do que esse sub-Rambo colombiano que nem sequer é um western spaghetti.

Tanto que no final, quando Django faz a tradicional cavalgada rumo ao horizonte berrando "Eu vou voltar! Eu vou voltar!" inúmeras vezes, confesso que fiquei pensando comigo mesmo: "Não volta não, Django!". E felizmente isso nunca aconteceu e um possível "Django 3" ficou apenas na intenção. Porque é muito triste ver um personagem clássico ser tão maltratado, e insistir no erro seria bobagem...

PS: Nello Rossati e Franco Nero trabalharam juntos outra vez, novamente na Colômbia, em "O Tesouro do Ovni". O filme também é ruim de doer, mas pelo menos esse é divertido, incluindo a inesquecível cena do confronto entre um cyborg estilo "Terminator" com um touro!


Trailer de DJANGO, A VOLTA DO VINGADOR



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Django 2 - Il Grande Ritorno /
Django Strikes Back (1987, Itália)

Direção: Nello Rossati (aka Ted Archer)
Elenco: Franco Nero, Christopher Connelly, Licinia
Lentini, Donald Pleasence, Consuelo Reina, Rodrigo
Obregón, Roberto Posse e William Berger

Django em quadrinhos!

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Desde o começo de 2013, o FILMES PARA DOIDOS publicou 14 resenhas sobre as aventuras oficiais e não-oficiais de Django, além de uma análise geral do universo deste personagem que apareceu pela primeira vez em "Django" (1966), de Sergio Corbucci. Mas a MARATONA VIVA DJANGO! não estaria completa sem falar de uma página esquecida da trajetória do personagem: a sua breve passagem pelas histórias em quadrinhos, que aconteceu... apenas no Brasil!!!

Até hoje eu acho incrível que os italianos nunca tenham pensado em criar uma revista em quadrinhos com aventuras de Django, sendo eles os pais do western spaghetti e do próprio personagem, além de ávidos criadores e leitores de "fumetti" (nome dado aos quadrinhos por lá). Sem contar que eles são especialistas em HQ de bangue-bangue, e criaram personagens famosos como "Tex", "Zagor" e "Ken Parker". Bem, o caso é que enquanto os carcamanos dormiam no ponto, a honra de transpor Django para os quadrinhos coube aos brasileiros, e mesmo assim durante pouquíssimo tempo (apenas duas edições).


A história das histórias em quadrinhos do Django começa em 1981, quando o desenhista argentino naturalizado brasileiro Rodolfo Zalla fundou a Editora D-Arte (ele teve um estúdio com este nome nos anos 60-70, através do qual desenhava trabalhos para outras editoras, mas sempre sonhou em entrar para o ramo). Rodeado de outros célebres desenhistas, como Eugênio Colonnese, Luís Meri e Rubens Cordeiro, Zalla resolveu investir na publicação de duas revistas com quadrinhos 100% nacionais.

Uma delas dispensa maiores apresentações: era a "Calafrio", clássica revista com histórias de horror que marcou toda uma geração. A outra, para diversificar, era a "Johnny Pecos - O Faroeste Sensacional", que trazia histórias de western, e que acabou ganhando uma atenção muito maior dos editores, inclusive com páginas internas coloridas e em papel de melhor qualidade, algo que nunca aconteceu com a "Calafrio" (que sempre foi em preto-e-branco e em papel mais fino).


Hoje pode até parecer uma aposta arriscada, mas naqueles tempos gibis de bangue-bangue faziam muito sucesso no Brasil. O clássico "Tex", por exemplo, na época era publicado pela Editora Vecchi e chegava às bancas em duas revistas diferentes (1ª a 2ª edição, esta última republicando as histórias antigas). "Tex" vendia cerca de 150 mil exemplares por mês no país, e naquele mesmo ano de 1981 tornou-se quinzenal para atender a grande demanda!

Outra prova de que havia mercado era o gibi "Chet", também publicado pela Vecchi entre 1980 e 1982, e que trazia aventuras de um personagem de western criado pelos irmãos pernambucanos Wilde e Watson Portela, visivelmente inspirados no italiano Tex (inclusive Chet é "Tex" ao contrário, com o "X" substituído por "Ch"!). A tiragem mensal desse bangue-bangue 100% brasileiro era de respeitáveis 25 mil exemplares.

Segundo texto do pesquisador Gonçalo Junior no álbum "Calafrio - 20 Anos Depois", os primeiros números de "Calafrio" e "Johnny Pecos" chegaram às bancas no mesmo dia, na semana anterior ao Natal de 1981, com 40 mil exemplares de tiragem e 48 páginas cada em formato europeu.

Mas só um dos lançamentos acertou o alvo, e ironicamente não foi o de bangue-bangue: enquanto o gibi de horror quase esgotou, "Johnny Pecos" mal vendeu 12 mil exemplares - e isso que Zalla esperava uma saída de pelo menos 30 mil gibis. Mesmo assim, o editor resolveu insistir mais um pouco, para ver se a revista deslanchava.

Em seus dois primeiros números, "Johnny Pecos" trouxe aventuras do personagem-título, um mestiço de índio com mexicano criado por fazendeiros americanos (e declaradamente inspirado no western spaghetti "Meu Nome é Pecos", com Robert Woods), e outras histórias curtas que inclusive flertavam com o horror da "Calafrio", volta-e-meia narrando tramas de vingança com finais surpreendentes e irônicos.

A verdade é que as histórias eram curtas e nada memoráveis (ainda mais para uma revista que se auto-proclamava "O Faroeste Sensacional"!). A pior história de "Tex" e "Chet" ainda era melhor que a mais espetacular aventura de "Johnny Pecos", o que dá uma ideia do nível da revista. O que realmente chamava a atenção nesses dois primeiros números da publicação eram as propagandas de página inteira anunciando: "Breve: Django, o western spaghetti! Aventuras completas e coloridas".

O que será que Zalla e cia. estavam armando? Uma quadrinização do filme com Franco Nero ou de alguma das suas imitações, a exemplo das fotonovelas produzidas a partir de filmes para a revista "Ringo", da Editora Rio Gráfica?


O mistério acabou em "Johnny Pecos" nº 3, que trouxe a primeira história em quadrinhos de Django. Na verdade, Zalla resolveu criar suas próprias aventuras do personagem, sem nenhum vínculo com as adaptações cinematográficas - e provavelmente sem pagar nada de direitos autorais, também.

A aventura, chamada apenas "Django", era roteirizada por Luis Meri e desenhada por Zalla, em 10 páginas coloridas. Mostrava o herói enfrentando a quadrilha de bandidos mexicanos liderada por Pancho. Django só aparece a partir da quarta página, e lembra pouco o pistoleiro interpretado por Franco Nero (embora fique claro que o ator foi a inspiração para o traço do personagem).

O curioso é que o texto insinua que Django e o mexicano Pancho já se conheciam, e que o herói quer vingar-se dele. Talvez "Pancho" tenha sido inspirado no General Hugo Rodriguez, interpretado por José Bódalo no filme de Corbucci (a roupa, pelo menos, é bem parecida).

Abaixo você confere as 10 páginas da estreia de Django nos quadrinhos (clique para ampliar e ler):











Na edição seguinte, a quarta (publicada em março de 1982), "Johnny Pecos" trouxe uma curiosa chamada na capa: "Em cores: Django enfrenta Pancho!". Mas peraí... a história anterior tinha terminado com o herói matando seu arquiinimigo mexicano! Bem, como todo leitor de gibis da DC ou da Marvel deve saber, heróis e vilões raramente permanecem mortos nos quadrinhos, e portanto Pancho voltou, ferido, para um segundo round.

Esta nova aventura, também intitulada simplesmente "Django", foi desenhada e dessa vez roteirizada por Zalla (o roteiro ele assinou com seu tradicional pseudônimo "Jota Laerte"). Com 11 páginas, novamente coloridas, traz o herói ouvindo notícias sobre o retorno de Pancho e eliminando o que restou de sua quadrilha, até chegar ao grande vilão... que está agonizando num cemitério (uma ambientação que lembra muito o final do filme de Corbucci).

Abaixo, as 11 páginas da segunda história brasileira de Django:









 


Esta segunda história termina com Django virando as costas e indo embora sem terminar com o sofrimento do rival moribundo ("Valente ou não, não me bato com candidatos a cadáver!", justifica), o que deixava um gancho mais do que evidente para um futuro retorno do mexicano duro de matar numa próxima aventura.

Mas o Django dos quadrinhos jamais chegaria à sua terceira aventura: por causa da baixa vendagem, a Editora D-Arte resolveu cancelar "Johnny Pecos" no número 4, substituindo o título por uma segunda revista de horror (para aproveitar as boas vendas de "Calafrio"), chamada "Mestres do Terror", e que foi igualmente bem-sucedida.

O pobre Zalla acabou sofrendo um grande prejuízo no fim das contas, pois acreditava tanto em "Johnny Pecos" que já tinha preparado material antecipado para mais seis números da revista, incluindo - provavelmente - novas aventuras de Django. Todo esse material segue inédito. Anos depois, outras editoras de pequeno porte (Ninja e Noblet) compraram as histórias já publicadas da "Johnny Pecos" e tentaram ressuscitar a revista, mas sempre sem sucesso e sem passar do primeiro número.

Django só voltaria aos quadrinhos (e aos cinemas) 30 anos depois, em 2013: desde o começo do ano, a DC Comics vem publicando nos Estados Unidos, através do seu selo Vertigo, a quadrinização do filme "Django Livre", de Quentin Tarantino, dividida em cinco números (o último está agendado para sair em junho), e com arte de R.M. Guera e Jason Latour (abaixo, uma amostra).


Não seria uma boa oportunidade para alguma editora brasileira resgatar todo aquele material do Django produzido pelo Zalla nos anos 1980, quem sabe até as tais aventuras inéditas que nunca foram publicadas, e fazer um álbum de luxo para colecionadores? Sabe como é, sonhar não custa nada...

PS 1: Eu mesmo escaneei as páginas e capas da minha coleção particular de "Johnny Pecos" para essa postagem, e deu o maior trabalho. Assim, por favor citem a fonte caso queiram compartilhar esse material em qualquer outro site ou blog. Caso contrário, o Django do Rodolfo Zalla sairá atrás de vocês em busca de vingança...

PS 2: Com esse último capítulo, encerra-se - finalmente - a MARATONA VIVA DJANGO!. Em breve voltaremos à nossa programação normal.

Ajude-nos a terminar o curta-metragem independente "O Estripador da Rua Augusta"!

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Ok, eu sempre fui um péssimo vendedor, e os leitores fiéis do FILMES PARA DOIDOS (ou mesmo os anteriores, que acompanhavam meu trabalho no site Boca do Inferno) sabem que eu nunca ganhei um tostão furado com meus textos, por mais gigantes que fossem. Eu também nunca fiz questão de pedir dinheiro ao leitor para continuar escrevendo, algo tipo uma taxa mensal para manter o blog, como já me sugeriram certa vez. Mas agora serei obrigado a passar o chapéu e pedir uma ajudinha para quem tiver uns trocados sobrando...

Ocorre que estou em meio à finalização do meu novo curta-metragem, chamado "O Estripador da Rua Augusta", uma história de horror estrelada pela ex-atriz pornô Monica Mattos. Para quem não entende muito do mundo do pornô (ou finge que não entende, hehehe), Monica é uma das grandes musas do cinema adulto nacional, e a única atriz latino-americana a ganhar o AVN, prêmio considerado "o Oscar dos filmes pornôs". Que currículo, não?


Eu faço filmes independentes desde 1995, mas sempre foi uma coisa improvisada, com o material que eu tinha à mão e principalmente sem atores ou técnicos profissionais, empregando meus amigos e parentes para estas finalidades. Por isso, meus custos eram relativamente baixos. Não foi o caso em "O Estripador da Rua Augusta".

Pela primeira vez em minha "carreira", resolvi fazer algo realmente bem-feito, da maneira certa, com equipamento bom, equipe profissional e atores de verdade (além de Monica, temos no elenco Henrique Zanoni, um elogiado novo talento do teatro e cinema). O filme também foi co-dirigido por Geisla Fernandes, que, ao contrário de mim, estudou Cinema e pôde consertar algumas das bobagens que eu geralmente faço.


Claro que tudo isso demanda custos. E se antes eu conseguia fazer filmes quase caseiros com custo zero, agora a história foi diferente: precisamos de R$ 6.500,00 para bancar as despesas com o curta e o cachê da equipe, já que quase todos trabalharam de graça esperando receber algo futuramente.

Para a maioria dos brasileiros (e inclusive para mim!), R$ 6.500,00 é uma puta grana. No mundo do cinema, entretanto, não é nada: curtas "profissionais" custam a partir de R$ 30,000.00, e daí para cima! Nós fomos econômicos porque realmente não tínhamos dinheiro, e nunca foi nossa intenção participar de editais do Governo nem de leis de incentivo à cultura - primeiro pela burocracia que isso exige; depois por entendermos que o Governo tem coisas muito mais importantes para investir o dinheiro público do que filmes.


Logo, a única alternativa para não passarmos o resto do ano mendigando na esquina para pagar as contas é apelar para os amigos, para os fãs de cinema de horror e para aqueles abnegados incentivadores do cinema independente brasileiro, através do chamado "crowdfunding", ou financiamento coletivo.

Para quem não sabe, esta é uma ferramenta que permite que pessoas do mundo inteiro contribuam com qualquer soma em dinheiro para o seu projeto, tipo uma vaquinha. Se você conseguir atingir o total proposto (no nosso caso, R$ 6.500,00), o site de crowdfunding nos repassa o dinheiro; se não conseguirmos, as doações voltam para quem contribuiu. Simples e seguro, não?

Colocamos nosso projeto no Catarse, um conceituado site de financiamento coletivo, e já conseguimos quase a metade do valor necessário, recebendo até doações de cineastas norte-americanos.

Fiquei honrado ao constatar que mesmo lendas do cinema fantástico mundial, como David Schmoeller, o famoso diretor de "Armadilha para Turistas" e "Puppet Master", se compadeceram dos nossos esforços e ajudaram a divulgar nosso projeto no Facebook (veja a postagem dele acima).

O caso é que faltam quase 20 dias para terminar nosso prazo e ainda precisamos de uma boa grana para atingir os R$ 6.500 necessários. Já passei o chapéu em vários sites e blogs, e agora chegou a vez do FILMES PARA DOIDOS! Muito humildemente, peço aos leitores interessados que acessem o nosso projeto no Catarse (através deste link) e leiam direitinho a nossa proposta. Se gostarem, podem contribuir com o valor que julgarem adequado, por depósito bancário, boleto e até PayPal.


A contribuição mínima é de 10 reais, mas a partir de R$ 25,00 os doadores ganham recompensas simbólicas, que vão de ter o nome citado nos créditos até camisetas, DVDs e história em quadrinhos do curta, e até objetos de cena e figurinos para quem doar somas mais expressivas.

Vale repetir: toda ajuda é boa, mesmo que for dos 10 reais que sobraram do troco da padaria! Porque, se não conseguirmos atingir a meta até o começo de maio, os quase 2.000 que já ganhamos voltam para seus legítimos donos, e aí eu e a pobre co-diretora Geisla ficaremos com nossas finanças comprometidas até 2014!


Enfim, eu realmente não gosto de pedir dinheiro, nem sei direito como se faz isso, mas acredito que os verdadeiros interessados e admiradores do gênero ficarão até felizes de colaborar com nosso projeto, ajudando assim a levar às telas e festivais de cinema um trabalho completamente independente e apaixonado como o nosso!

A propósito, as imagens dessa postagem são todas das cenas ainda não-finalizadas do nosso curta, para dar uma ideia do que estamos preparando. Sem censura, só com o filme pronto!

(Mas que fique registrado que, apesar da alta carga de sensualidade, nosso curta NÃO É PORNOGRÁFICO. Ouviram bem, punheteiros? hehehe).

LINK DO NOSSO PROJETO NO CATARSE:

NINJA - O PROTETOR (1986)

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Ano passado, na minha resenha de "Ninja Thunderbolt", apresentei aos nobres leitores do FILMES PARA DOIDOS o genial Godfrey Ho, cineasta de Hong-Kong que alcançou certa fama cult fazendo aventuras de ninjas a partir de outros filmes já prontos e que originalmente não tinham nada a ver com ninjas - ou seja, um "artista" cujas ações praticamente redefinem a palavra "picaretagem"!

E se em "Ninja Thunderbolt" a montagem funcionava razoavelmente bem, porque Ho pegou como base um outro filme que originalmente já era cheio de cenas de ação ("The Ninja and the Thief", de Tommy Lee Gam Ming ), hoje vamos ver o que acontece quando o diretor e seu comparsa, o produtor Joseph Lai, usam essa sua tática de gosto duvidoso para reaproveitar cenas de uma outra obra que originalmente não era um filme de ação. O resultado é uma monstruosidade chamada NINJA - O PROTETOR.


Em um dos muitos sites dedicados ao conjunto da obra de Ho e Lai, alguém se referiu às produções da dupla como "Filmes Frankenstein" - uma costura grosseira de cenas que nem sempre ou quase nunca têm relação entre si, mas que a magia da montagem cinematográfica trata de disfarçar razoavelmente bem para fechar o tempo de um longa-metragem. Esses filmes depois seriam desovados no mercado ocidental de cinemas vagabundos e videolocadoras, e estariam fadados ao esquecimento, caso não tivesse surgido a internet e um monte de desocupados que dedicou seu tempo livre a catalogar a analisar essas picaretagens.

Na famigerada "Série Ninja" que fez para o produtor Lai e sua IFD Films & Arts, Godfrey Ho usou os mais diferentes filmes de terceiros para incluir suas cenas com ninjas, torcendo para que o resultado final ficasse mais ou menos coeso. E isso significava transformar comédias, filmes de horror e até dramalhões em aventuras com ninjas - o que, no mínimo, exigiu muita criatividade (e cara-de-pau) do sujeito.


NINJA - O PROTETOR deve ter sido um dos casos que mais exigiu de Ho, criativamente falando. Porque se no anterior "Ninja Thunderbolt" ele só precisou separar as melhores cenas de ação do original e adicionar umas poucas ceninhas com Richard Harrison aqui e ali, agora ele estava trabalhando com um material original que praticamente não tinha ação, e absolutamente NENHUM NINJA!

Em todos esses anos trabalhando nessa indústria vital, eu nunca consegui descobrir qual filme Ho e Lai usaram para fazer NINJA - O PROTETOR. E como até sites muito mais completos sobre a "Série Ninja" da IFD usam apenas a expressão "taiwanese footage" para descrever as cenas originais que não foram filmadas por Godfrey Ho, tudo leva a crer que o filme taiwanês em questão nunca chegou a ser concluído ou oficialmente lançado (se alguém tiver mais informações sobre isso, favor informar via Comentários!).


As cenas originais parecem ter saído de um dramalhão policial sobre um sujeito (interpretado por Wa Lun) contratado para trabalhar numa agência de modelos muito suspeita, e que começa a passar o ferro na mulherada. Embora tenha namorada, ele cata a dona da agência onde trabalha e até a namorada de um bandidão (Tin Ming) que usa a agência para lavar seu dinheiro sujo.

Mas o modelo comedor também tem um irmão encrenqueiro (Lee Miu-Chan), que, durante uma briga com desafetos, acaba matando um deles acidentalmente. Para livrar-se da cadeia, o brigão é obrigado a fazer um acordo com aquele cara que foi corneado pelo seu irmão. O resultado é um complicado plano elaborado pelo corno nada manso para acusar o modelo comedor de assassinato!


Enfim, não tem muito espaço para ninjas nessa história, confere? Pois é aí que entra a criatividade (ou, novamente, cara-de-pau) de Godfrey Ho, um sujeito que deveria ser patrono de todos os cursos de montagem cinematográfica do planeta!

A nova história mirabolante criada por ele começa com uma reunião secreta do "Império Ninja", guerreiros malvados responsáveis por cometer toda espécie de crimes pelo mundo. O líder do grupo é o malvado ninja vermelho Bruce ("interpretado" por David Bowles). E dois personagens daquele velho filme de Taiwan - a dona da agência de modelos e o bandidão que leva corno, aqui rebatizados Susan e Albert - agora são ninjas que pertencem ao grupo de Bruce.

Não, é claro que os atores originais não foram convidados para filmar novas cenas: eles foram simplesmente substituídos por dublês usando máscaras ninjas que cobrem o rosto, Ed Wood stye! O que nem sempre é convincente, como você mesmo pode comparar nas imagens abaixo, que trazem os atores do velho filme de Taiwan e suas "versões ninja" gravadas por Ho...


A nova armação de Bruce e seus ninjas é espalhar milhões em dólares falsos por toda Hong-Kong, algo que chama a atenção do escritório oriental da Interpol. Quer dizer, pelo menos eu presumo que seja a Interpol, porque nas novas cenas filmadas por Ho tudo que aparece é uma mesa de madeira com uma bandeirinha da Inglaterra e um quadro da rainha no fundo!

O chefe da Interpol de Hong-Kong é o personagem de Richard Harrison, cujo nome aparece como "Gordon Anderson" em algumas sinopses e como "Jason Hart" em outras. Como eu não lembro de ele ter sido chamado assim em nenhum momento do filme, vamos chamá-lo de "Harrison" a partir de agora, em homenagem ao ator.


Harrison também é, secretamente, um mestre ninja. Ou seja, é o mesmo papel/personagem que o ator norte-americano fez em "Ninja Thunderbolt" e em praticamente todas as outras produções da IDF.

Nosso herói reúne seus agentes para explicar a "missão" - e, consequentemente, explicar ao espectador a nova história mirabolante criada por Ho. Mostrando uma série de fotografias dos atores daquele velho filme de Taiwan (tiradas, obviamente, dos próprios negativos do tal filme), o herói explica sobre os ninjas malvados e sobre como a dona da agência de modelos é uma ninja que usa seu negócio como fachada para espalhar o dinheiro falso. Genial, não?


Harrison também informa que colocou um agente infiltrado, Warren, dentro da agência, disfarçado como modelo, para poder investigar o esquema por dentro. Warren, claro, é Wa Lun no filme de Taiwan, e Harrison "interage" com ele apenas através de telefonemas, graças ao milagre da edição. Por fim, Harrison diz aos seus agentes que o agente disfarçado tem um irmão problemático, David (Lee Miu-Chan, ainda das cenas do filme de Taiwan), e que ele poderá trazer problemas à operação.

Tudo isso é narrado com a ajuda das tais fotos tiradas dos negativos do filme de Taiwan, para não deixar dúvidas sobre as origens e motivações daqueles personagens que originalmente, no outro filme, não eram nem agentes da Interpol disfarçados, nem ninjas. Talvez para torturar o espectador, Ho usa longos e repetitivos takes dos agentes da Interpol olhando as fotos e passando-as para o colega do lado olhar também!


Seguem-se, então, todas aquelas cenas do filme sobre o modelo papando geral a mulherada, seu irmão arrumando encrenca e o bandidão corneado providenciando sua vingança.

Para dar um mínimo de lógica a acontecimentos tão desconexos, Ho filmou diversas cenas no tal escritório da Interpol em que Richard Harrison comenta o "progresso" das investigações de Warren na agência de modelos, e também o fato de ele poder estragar tudo por se relacionar com toda mulher que aparece na frente!


De tempos em tempos, o chefe da Interpol e mestre ninja inclusive dá uns telefonemas para seu agente infiltrado, advertindo-o a "se comportar". Para a sorte de Godfrey Ho, o filme original que ele remontou tinha várias cenas dos atores ao telefone, que lhe deram abertura para inserir os novos takes com Richard Harrison "interagindo" com eles.

Mas como o filme taiwanês não tinha ação suficiente e nenhum ninja em cena, Ho também teve que inserir diversas lutas entre ninjas na edição. Neste caso, o personagem de Harrison, usando uma tosquíssima roupa de ninja camuflada (!!!), enfrenta aleatoriamente outros ninjas pertencentes à organização de Bruce.


Essas lutinhas entre ninjas são obviamente o ponto alto de NINJA - O PROTETOR: Harrison sempre encontra seus oponentes em lugares públicos (parques, na maior parte do tempo), herói e vilão usam aquele velho truque de vestir-se magicamente com a explosão de uma bomba de fumaça (tipo super-herói), e trocam porradas rapidamente, sem nenhum lance muito mirabolante ou digno de nota. No final o herói vence (claro!), deixa seu desafeto algemado em algum lugar e então avisa seus agentes para prendê-los.

Aí aparecem umas cenas hilárias com os tais agentes ocidentais (Andy Chworowsky e Clifford Allan) encontrando os bandidos, e Harrison alegando que ninjas são "contos de fadas" para manter sua identidade secreta em sigilo, num joguinho meio Clark Kent/Superman. Eu nunca entendi porque o herói não assume de uma vez que é um mestre ninja (estilo "American Ninja") e prende os bandidos ele mesmo ao invés de ficar se bobeando. Em todo caso, as cenas entre os agentes rendem momentos divertidos, como quando Andy Chworowsky diz a Harrison: "Acabamos de prender mais um conto de fadas".


NINJA - O PROTETOR logo se encaminha para um grande duelo entre Harrison e Bruce, o ninja vermelho. Mas e quanto à trama secundária do "agente infiltrado na agência de modelos e seu irmão problemático sendo injustamente acusados de assassinato pelo bandidão corneado"? Bem, essa subtrama nunca termina na realidade, já que ela faz parte de um outro filme e já não interessa mais à trama principal de ninjas filmada por Ho!

Isso pode ser particularmente frustrante para quem não conhece o esquema de produção em série de Ho e Lai e fica esperando um desfecho decente para a aventura, quem sabe com Harrison e o personagem de Wa Lun finalmente se encontrando no mesmo take para enfrentar o grande vilão. Pois saiba desde já que isso nunca vai acontecer, simplesmente porque se tratam de filmes diferentes gravados em tempos diferentes com elencos diferentes, então perto do final convém esquecer todas as cenas com Warren, David, a agência de modelos e etc.


E é o duelo final entre Harrison e Bruce a grande cena de NINJA - O PROTETOR (o que, claro, não quer dizer absolutamente nada considerando o nível de ruindade da película). Godfrey Ho é um especialista em cenas sem-noção, e eu não duvidaria se alguém me dissesse que ele fez todos esses filmes para a IFD Films & Arts sob efeito de drogas. Pois eis que a conclusão envolve o confronto entre herói e vilão... sobre motos!!!

E não qualquer moto, mas duas Kawasaki Ninjas (!!!), o que torna a cena ainda mais hilária porque se percebe que nem mesmo o diretor está levando aquilo a sério. Herói e vilão aceleram um contra o outro e batem suas espadas quando estão bem próximos, até finalmente desistirem das motos para lutar no mano a mano. E, sinceramente, dá vontade de rir só por ver dois manés vestidos com roupas ninjas estilo militar e vermelha lutando em plena luz do dia, quando o objetivo dos trajes ninjas originais, aqueles de cor preta, era justamente o de camuflar-se na escuridão da noite!


Dos filmes de ninjas da dupla Ho/Lai que já vi, considero NINJA - O PROTETOR um dos mais fracos. Como a obra que eles usaram na montagem não tem ação suficiente, o espectador acaba sendo enrolado com cenas de sexo softcore, o dramalhão envolvendo a tentativa de suicídio da namorada de Warren quando ela descobre que foi traída, a desinteressante reviravolta envolvendo o irmão encrenqueiro, e por aí vai.

Mesmo que Ho intercale isso tudo com várias (e rápidas) lutas entre ninjas, o custo-benefício não compensa porque a trama secundária é muito chata e deslocada. Diferente, por exemplo, da trama policial cheia de ação de "Ninja Thunderbolt", que se encaixa melhor na proposta. Ho e Lai fariam montagens bem piores, mas esta com certeza está entre as mais fraquinhas. Logo, a qualidade do filme "roubado" faz toda diferença na montagem!


De qualquer jeito, ainda é possível achar momentos involuntariamente engraçados na dublagem criminosa que os realizadores tiveram que fazer nas cenas do outro filme para dar sentido à trama. Numa delas, Bruce (David Bowles, nas cenas filmadas por Ho) "conversa" com a dona da agência de modelos (nas cenas do filme antigo) por telefone. O vilão conta que "Tigre", um dos ninjas do grupo, foi morto, e a interlocutora aparece rindo nas cenas do outro filme, como se estivesse falando de um assunto qualquer do dia-a-dia.

Outro diálogo dublado hilário acontece quando a mesma dona da agência encontra Albert no corredor. Nas cenas originais do filme taiwanês, os personagens deviam estar conversando sobre amenidades, mas, na redublagem imposta por Ho e cia., a garota fala, toda sorridente: "Ah, Bruce mandou avisar que Tiger morreu, está bem? Falamos depois, tchau". Assim mesmo, como quem está dando um recado banal, tipo "Bruce mandou dizer que não vem para o jantar"!!! Aliás, quem diabos concluiu que "Bruce" era um nome decente para um grande mestre ninja???


Há diversas informações conflitantes sobre a obra. Os créditos iniciais indicam a presença de Jackie Chan no elenco, mas não vi ninguém sequer parecido com ele no filme, nem mesmo fazendo figuração. É possível que seja mais uma pegadinha de Ho, pois ele também havia colocado "Jackie Chan" nos créditos iniciais de "Ninja Thunderbolt", ou talvez seja outro Jackie Chan, pois acredito que seja um nome artístico bastante comum na Ásia (tipo as imitações de Bruce Lee, como Bruce Le e Bruce Li).

Mas algumas distribuidoras, principalmente norte-americanas, foram na onda e tascaram o nome de Jackie Chan bem grandão na capa, como fosse um filme estrelado por ele! Outras usaram até fotos e imagens do astro na arte de seus DVDs, tornando a propaganda ainda mais enganosa!


Outra coisa esquisita é em relação à duração do filme. A versão que eu vi pela primeira vez, lançada em DVD no país pela Líder FIlmes (mais um nome-fantasia da famigerada Works), dura exatos 68 minutos e quase não chega a ser um longa-metragem. Mas a versão "oficial" do filme tem 84 minutos de duração. Quem cortou 16 minutos? Boa pergunta, mas essa versão curta de 1h18min também está no YouTube.

Claro que se o filme já é arrastado demais nessa versão reduzida lançada aqui, com quase 90 minutos é praticamente insuportável! Mas eu gosto sempre de ver as produções na íntegra e fui atrás da mais longa para saber o que foi cortado. Bem, nesses 16 minutos adicionais temos um pouco mais intriga naquela trama das cenas de arquivo, outra cena de sexo (abaixo), uma nova reunião do clã de ninjas malvados e mais uma pancadaria entre Richard Harrison e algum vilão aleatório! Nada que mude a ruindade do filme, mas ainda assim são 16 minutos de coisas acontecendo!


Por sinal, esse DVD nacional é de chorar: além de trazer a versão curta e com imagem pior que VHS-Rip, o pessoal da distribuidora nem devem ter assistido ao filme, pois o resumo no verso da capinha fala que os ninjas malvados possuem "um vírus mortal com o qual pretendem chantagear o mundo" (???), quando na verdade são apenas falsificadores de dólares. Também diz que o agente infiltrado na agência de modelos é um ninja (não, não é), que "usa suas capacidades para proteger as indefesas garotas" (não, não usa).

O golpe de misericórdia é a frase final do resumo do DVD da Works: "Dirigido pelo especialista (???) Godfrey Ho, um dos grandes nomes (???) das produções asiáticas". Picaretagem lá e cá, como vocês podem perceber. (Destaque também para a magistral tradução das legendas: quando Warren diz, em inglês, que não quer fazer teste do sofá, a legenda traduz como: "Não quero ficar me encostando no sofá"!!!)


É claro que NINJA - O PROTETORé aquele tipo de filme que não pode e nem deve ser visto por espectadores comuns, aqueles que salivam de emoção vendo "Avatar" ou "Transformers". Como toda a obra de Godfrey Ho, essa bomba aqui também é para públicos bem específicos, que conheçam a proposta e - principalmente - se divirtam com tamanha ruindade.

De minha parte, eu defendo que professores de cinema com a cabeça aberta exibam produções de Ho para a garotada, principalmente em aulas sobre montagem cinematográfica. Porque vendo as saborosas picaretagens que esse diretor safado fazia com cenas de arquivo, dá a maior vontade de fazer o seu próprio "Filme Frankenstein".

Inclusive eu mesmo já exercitei minha "veia Godfrey Ho" com o curtinha de brincadeira "Michael Myers Vs. Chuck Norris", que fiz costurando cenas de outros filmes e que você pode ver clicando aqui!


Trailer de NINJA - O PROTETOR



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Ninja The Protector (1986, Hong-Kong / Taiwan)
Direção: Godfrey Ho (e alguém não-creditado)
Elenco: Richard Harrison, David Bowles, Clifford Allen,
Andy Chworowsky, Phillip Ko, Wa Lun, Lee Miu-Chan
e mais um monte de desconhecidos.

Sorry, We're Closed

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O FILMES PARA DOIDOS retorna no final de maio.


4D MAN (1959)

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(Este artigo foi originalmente escrito para o site Boca do Inferno em 2007, mas eu acho que hoje ele se encaixa muito melhor aqui no FILMES PARA DOIDOS. Portanto, ei-lo republicado em versão revisada.)

Eu tinha 14 anos quando vi 4D MAN pela primeira vez (numa sessão do saudoso Cinema em Casa do SBT). À época, já era fascinado por filmes de horror como "Evil Dead" e "O Massacre da Serra Elétrica". Mesmo assim, a imagem relativamente simples e desprovida de sangue/violência de uma mão agonizante saindo de uma parede metálica, exibida no clímax do filme, ainda é uma das primeiras coisas que me vêm na cabeça quando lembro dos filmes de horror que mais me marcaram na infância.

Para começo de conversa, peço licença aos nobres leitores para usar o título original, 4D MAN, muito mais direto e marcante, do que os dois nomes brasileiros. O mais popular é"Quarta Dimensão", com o qual foi reprisado incontáveis vezes na TV brasileira. Mas em seu lançamento nos cinemas brasileiros, em 1962, a obra ganhou um título pomposo e inadequado, "Demônio Enfurecido" (veja anúncio da época acima), que remete mais ao horror sobrenatural do que à ficção científica esperta que realmente é. Ainda acho que a melhor tradução possível seria "O Homem da 4ª Dimensão", mas 4D MANé legal demais para não usar no original!

E o que é a tal da quarta dimensão? Sem querer me estender na lição de física, sabe-se que existem três: comprimento (ou profundidade), largura e altura. A quarta dimensão, para alguns teóricos, seria simplesmente o tempo (ou dimensão temporal); já outros acreditam que existiria uma quarta dimensão espacial.


Exemplificando de maneira bem simples e direta: nós, seres tridimensionais, enxergamos o mundo em duas dimensões. Se existisse um homem quadridimensional, ele enxergaria tudo em três dimensões. Ao olhar para um cubo, por exemplo, ele veria simultaneamente as suas seis faces e também o que está DENTRO dele. Logo, um observador quadridimensional poderia, literalmente, enxergar a estrutura interna de objetos sólidos. Parece complicado, mas não é...

O assunto é riquíssimo e já deu muito pano para manga na ficção científica. Também rendeu curiosas histórias reais: em 1877, em Londres, um médium chamado Henry Slade foi a júri após declarar que possuía o poder de manipular objetos na quarta dimensão. Acabou sendo acusado de retirar dinheiro de dentro de um cofre fechado sem deixar qualquer sinal. Claro que a existência da quarta dimensão só existe na teoria. Mesmo assim, o físico francês Henri Poincaré (1854-1912) dizia: "Não quebrem a cabeça com a questão da quarta dimensão. É absolutamente impossível imaginá-la, mas mesmo assim ela existe".


Mas chega de física e voltemos ao mundo do cinema...

Na segunda metade dos anos 50, o americano Jack H. Harris, que até então produzia peças de teatro, resolveu investir em filmes. Para dirigi-los, ele contratou um pastor da Igreja Presbiteriana (!!!) que vivia na zona rural da Pennsylvania. Seu nome era Irwin Shortess Yeaworth Jr., um visionário que resolveu espalhar a palavra de Deus através do cinema.

O produtor Harris descobriu, praticamente por acaso, que Yeaworth Jr. e sua turma tinham criado um pólo de produção de filmes religiosos baratos em 35 mm, e percebeu que naquela cidadezinha, usando cenários interioranos e o talento do cineasta/pastor, ele poderia realizar filmes por uma fração do preço das produções de Hollywood.


Resumidamente, foi assim que um ministro da Igreja Presbiteriana foi contratado para fazer filmes de horror/ficção científica a toque de caixa, porque era esse tipo de produção que dava dinheiro na época. Reza a lenda que Yeaworth Jr. só aceitou filmar os projetos de Harris porque queria juntar dinheiro para continuar dirigindo suas próprias produções religiosas (o que lembra a forma como Ed Wood enganou a Igreja Batista para conseguir dinheiro para filmar seu "Plan 9 From Outer Space"!).

Naqueles milagres que acontecem volta-e-meia, produtor e cineasta de primeira viagem acertaram logo na estreia: o filme inaugural da parceria da dupla foi o clássico "A Bolha" (1958), que custou 240 mil dólares, rendeu milhões e transformou um jovem Steve McQueen em astro. Harris vendeu sua obra barata para um grande estúdio e faturou uma bolada para continuar produzindo.


Assim, já no ano seguinte, a dupla voltou com 4D MAN, outro filme relativamente barato, cujo orçamento estimado foi de 240 mil dólares (para comparação, "The Tingler", de William Castle, lançado no mesmo ano, custou 250 mil). O final do contrato entre a dupla foi marcado por "Dinosaurus!" (1960), uma aventura pré-histórica repleta de monstros em stop-motion.

Depois, Yeaworth Jr. abandonou o cinema comercial e partiu para seus filmes religiosos. Desnecessário dizer que ele simplesmente desapareceu do mapa e nunca mais falou-se do sujeito até sua morte, num acidente de carro em 2004. E embora o seu filme mais lembrado seja "A Bolha" (renegado até o fim pelo diretor, que não gostou do resultado), 4D MAN é, de longe, mais interessante e bem-feito.


O roteiro foi assinado por Theodore Simonson e Cy Chermak, baseados numa ideia do próprio produtor Harris, e reciclando ideias da história "O Homem Invisível", de H.G. Wells. Assim como Jack Griffin, o cientista que usava em si mesmo a fórmula da invisibilidade, o homem da quarta dimensão no filme de Yeaworth Jr. fica malvado ao descobrir que seus fantásticos poderes deram-lhe liberdade para fazer tudo o que sempre sonhou e até o que nunca imaginou fazer.

4D MAN começa com a tétrica narração de um locutor e seu "alerta" sobre os perigos da ciência. Como nos filmes de Ed Wood, o narrador anuncia até aquilo que o espectador está vendo e, teoricamente, não precisaria narrar (a chamada "narração para cegos")! Enquanto as cenas mostram um homem sentado num laboratório, por exemplo, o locutor diz:"Um homem, uma ideia, o equipamento, um lugar para trabalhar em segredo... Todos os ingredientes estão aqui".


O homem, que logo descobriremos ser o jovem cientista Tony Nelson (James Congdon, um inexpressivo ator de TV), está operando uma máquina esquisita e tentando atravessar um lápis num bloco de metal. Novamente, o narrador entra em cena com sua voz tenebrosa:"O trabalho de passar um lápis por um bloco de metal está sendo realizado por um homem que sabe que isso não pode ser feito. Mas talvez possa esta noite... O que ele não sabe é que sua obsessão irá transformar um homem em um monstro!".

Enquanto faz sua experiência, Tony não consegue de forma alguma atravessar o lápis no metal. Consegue, entretanto, fazer o equipamento todo explodir, provocando um incêndio em todo o laboratório - na verdade, uma maquete das mais fajutas.


O rapaz é demitido e expulso da cidade. Mas, cabeça-dura como todos os cientistas do cinema, muda-se para a Pennsylvania e vai procurar emprego num gigantesco laboratório de pesquisas, o Fairview Research Center, onde trabalha seu irmão, o dr. Scott Nelson (Robert Lansing). Juntamente com uma equipe que inclui a bela Linda Davis (Lee Meriwether, que foi a Mulher-Gato naquele velho filme do Batman de 1966), Scott está trabalhando no projeto de um material virtualmente indestrutível e impenetrável para a indústria armamentista, chamado "cargonite".

E é ele quem acabará se transformando no "Homem da 4ª Dimensão". Descontente com o trabalho (o chefe assume o crédito por todas as suas descobertas) e desprezado pela mulher que ama, Linda (que acabou se apaixonando pelo seu irmão!), o pobre cientista ainda foi bombardeado por excesso de radiação durante as pesquisas com a cargonite. Quando ele resolve refazer a experiência de Tony com o lápis e o bloco de metal, sua mão inteira atravessa a superfície sólida!


Feliz da vida por ter triunfado onde o irmão tantas vezes falhou, Scott curte a ideia de ter superpoderes e resolve aproveitar seu "dom" - e isso inclui atravessar uma caixa de correio com a mão e puxar uma carta lá de dentro, além de entrar no cofre de um banco para roubar milhares de dólares. E se o diretor do filme não fosse um pastor religioso, talvez também tivéssemos algumas cenas com Scott entrando em vestiários femininos para ver adolescentes tomando banho! Pense como seria uma versão deste filme dirigida pelo Paul Verhoeven ou pelo Eli Roth...

Após uma noite abusando do seu poder de atravessar paredes, o "Homem da 4ª Dimensão" amanhece com o cabelo grisalho e o rosto cheio de rugas, como se tivesse envelhecido 15 anos da noite para o dia. Este é o efeito colateral dos seus superpoderes, mas ele logo contornará o pequeno problema "roubando o tempo" de outras pessoas - ou seja, atravessando-as com seu corpo etéreo e matando-as no processo! É chegada a hora da vingança...


Na minha humilde opinião, uma das piores coisas quando você assiste filmes dos anos 1950 ou anteriores é que, salvo algumas exceções, eles são muito ingênuos. A maioria dos produtores e diretores tinha medo de chocar o espectador, por isso quase tudo que acontecia de "ruim" era mostrado fora do ângulo da câmera, ou off-screen.

4D MANé um típico filme ingênuo dos anos 50, com todos os defeitos pertinentes às produções da época. Mas a história é tão boa e interessante que os pequenos defeitos não incomodam. Embora a narrativa seja exageradamente lenta para os padrões atuais (Scott só começa a demonstrar seus fantásticos poderes após 50 minutos de tempo rolando!), o filme nunca fica chato, conseguindo prender a atenção do espectador até a última - e marcante - cena.


Claro, cenas como as do romance de Tony e Linda, com seus beijinhos inocentes e até um piquenique romântico com direito a brincadeiras num parquinho infantil, hoje são inofensivas e de certa forma hilárias, incluindo diálogos risíveis - quando Tony recusa uma dança com Linda, por exemplo, ela responde:"Quer que eu me sinta velha e feia?".

Mas descontando esse detalhe, e um tema musical à base de jazz que soa um tanto deslocado, 4D MAN tem muito mais qualidades do que defeitos. Surpreende, inclusive, que o filme tenha sido dirigido por um pregador religioso, mas não fala em Deus nem em religião a todo momento, nem seus personagens tentam passar mensagens edificantes e/ou religiosas - não há nada sequer parecido com o tom excessivamente carola do "Guerra dos Mundos" de 1953, só para comparar com outra produção do período.


O roteiro também não busca soluções fáceis. Seria muito simples, por exemplo, regenerar Scott no final, já que ele é um personagem relativamente simpático aos olhos do público antes de se transformar no "4D Man". Entretanto, o roteiro prefere seguir por uma trilha mais tortuosa, mostrando lentamente a transformação de um cara gentil e legal num homicida megalomaníaco e com planos de dominação mundial.

Se em "O Homem Invisível" o cientista Jack Griffin passava para o "lado negro" simplesmente porque podia, e porque seus poderes permitiam, Scott aqui é um autêntico personagem de tragédia grega, eternamente em choque com a figura do próprio irmão. Tony não só rouba o interesse romântico de Scott (coisa que já havia feito no passado!), como ainda surge com uma experiência de atravessar superfícies sólidas justamente no momento em que seu irmão mais velho acabou de desenvolver um novo metal supostamente invulnerável, a cargonite! Logo, Scott Nelson tem motivos mais do que suficientes para se transformar num criminoso com sede de poder e de vingança. O falecido Robert Lansing (aqui em sua estreia no cinema!) consegue compor um vilão de respeito, sem apelar para caretas ou gargalhadas sinistras.


Mas se há algo que brilha em 4D MAN são os efeitos especiais, criados por Bart Sloane (que só trabalhou neste filme e no anterior "A Bolha"). Pode até soar estranho elogiar os efeitos especiais de um filme barato dos anos 50, quando os diretores preferiam cortar a cena no meio e deixar tudo na imaginação do espectador a tentar reproduzir façanhas mirabolantes com os efeitos jurássicos que tinham em mãos.

O caso aqui é complicado, já que Scott utiliza seus poderes diversas vezes ao longo do filme, fugindo através de paredes, tornando-se "transparente" para que balas lhe atravessem e passando por cercas eletrificadas como se elas não existissem. Todas essas trucagens são muito bem realizadas, numa mistura de técnicas fotográficas simples (tipo a mão do ator passando POR TRÁS do objeto, e não PELO MEIO DELE, mas com a câmera posicionada de forma a não permitir que o espectador perceba) com alguns efeitos mais elaborados em chroma-key (esses utilizados com economia). E se algumas destas cenas continuam legais até hoje, fico imaginando a surpresa dos espectadores na época em que o filme foi lançado nos cinemas ("passar pela porta" ganha um novo sentido, rendendo até uma inspirada piadinha).


Inteligentemente, os roteiristas Simonson e Chermak incluíram uma cena que mostra ao espectador que Scott pode controlar seus poderes de quarta dimensão, conseguindo ficar "sólido" para abrir uma maçaneta ao invés de simplesmente atravessá-la com a mão. Essa única cena de 10 segundos corrige o que poderia ser um grande furo do roteiro: no estado de quarta dimensão, Scott teoricamente não poderia nem caminhar, pois atravessaria a Terra de um pólo a outro sem existir em "forma sólida"!

Além de Lansing e de Lee Meriwether, que virou "cult" depois de interpretar a Mulher-Gato no filme "Batman - O Homem Morcego" (vale lembrar que quem fazia o papel no seriado era Julie Newmar), 4D MAN tem outra celebridade no elenco: uma jovem Patty Duke, em pequena participação como uma das vítimas de Scott. Três anos depois, com apenas 16 anos de idade, ela ganhou o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por "O Milagre de Anne Sullivan" (1962).


Há algum tempo, num daqueles longos bate-bocas que acontecem em fóruns de discussão, alguém comentou que não conseguia entender como as pessoas ainda conseguem assistir filmes antigos nos dias de hoje. Eu queria muito ver a reação desse sujeito a 4D MAN, um filme "antigo" que, guardadas as devidas proporções, não foi tão afetado pela idade avançada. Aliás, descontando cortes de cabelos, roupas e algumas frescuras típicas daqueles tempos, a obra de Yeaworth Jr. continua tão boa e impressionante quanto na época em que foi lançada - ao contrário dos dois outros filmes do cineasta, que envelheceram mal.

Inclusive eu lamento que a parceria entre o diretor Yeaworth Jr. e o produtor Harris tenha encerrado prematuramente com apenas três filmes. Fico imaginando o que viria numa quarta produção conjunta dos dois, depois de uma bolha assassina do espaço sideral, um homem que atravessa paredes e rouba tempo das pessoas e uma aventura pré-histórica com dinossauros em stop-motion...


Infelizmente, o chamado religioso levou embora um criativo e pouco conhecido cineasta do mundo da fantasia. Talvez Yeaworth Jr. tenha sido mais feliz dirigindo seus filmes evangélicos dos quais ninguém nunca ouviu falar. Mas o cinema de horror e ficção científica, definitivamente, perdeu um nome com bastante potencial.

E num mundo atual onde produtores inescrupulosos estão refilmando até produções feitas no ano anterior, confesso que gostaria de ver uma versão moderna de 4D MAN. Com os efeitos maravilhosos dos tempos atuais, o Homem da Quarta Dimensão poderia realizar façanhas ainda mais estrambólicas do que aquelas dos anos 50 - tipo fugir a pé por uma rodovia simplesmente atravessando pelo meio dos carros!

Com um nome digno na direção, e não o videoclipeiro desempregado do momento, poderia sair algo muito legal disso. Mas, claro, incluindo sangue, sexo e mulher pelada desta vez, já que os tempos, para o bem e para o mal, são outros!


Trailer de 4D MAN (em alemão!)



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4D Man (1959, EUA)
Direção: Irvin S. Yeaworth Jr.
Elenco: Robert Lansing, Lee Meriwether, Patty

Duke, James Congdon, Robert Strauss, 
Edgar Stehli e George Karas.

KERUAK - O EXTERMINADOR DE AÇO (1986)

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(Esta foi uma das primeiras postagens do FILMES PARA DOIDOS, publicada originalmente há cinco anos, em 11/10/2008. Como ela ainda estava no formato antigo - muito texto e alguns vídeos, sem fotos -, e pensando em quem está chegando agora e não conhece as postagens antigas, resolvi republicá-la em versão revisada e ilustrada. Dedico esta republicação ao amigo Osvaldo Neto, do blog Vá e Veja, já que eu fui o culpado por convertê-lo em fã de Paco Queruak!)

Quando eu era mais novo (não que hoje seja TÃO velho, é claro), KERUAK - O EXTERMINADOR DE AÇO era uma espécie de "clássico de infância", que eu adorava ver e rever toda vez que o SBT reprisava na Sessão das Dez ou no Cinema em Casa. Todo mundo tem esses clássicos só seus, às vezes filmes horrorosos, mas que para nós têm certo charme especial. E eu gostava tanto deste que me ressentia de não ter um espaço para escrever um texto sobre ele, que todo mundo pudesse ler - à época, quem poderia imaginar que um dia teríamos a Internet para poder expressar as ideias ao mundo inteiro?


De tão viciado na fita, comecei a usar o pseudônimo do diretor italiano Sergio Martino - que assina este e vários outros filmes como"Martin Dolman"- como se fosse o meu próprio pseudônimo, para escrever contos e postar em fóruns e chats. Até hoje tenho contas de e-mail com este nome, e até hoje continuo fã declarado desta tralha trash.

Assim como eu, muita gente viu o filme nas intermináveis reprises proporcionadas pelo SBT. E, assim como eu, muitos viraram fã desta aventura pobre e divertida. É claro que, revendo hoje, todos temos um olhar mais crítico, e algumas coisas não são mais tão legais quanto eram na infância (quando até cenas de queda-de-braço eram o máximo!). Mas, surpreendentemente, KERUAK - O EXTERMINADOR DE AÇO continua uma ótima diversão, na linha "guilty pleasure"(aqueles filmes ruins que adoramos).


Com um excelente elenco de figurinhas carimbadas das produções italianas da época, a participação de John Saxon como o malvadão e muita ação e tiros, além dos tradicionais exageros do cinema italiano, trata-se de um programa obrigatório para quem gosta desse estilo muito peculiar de "arte".

O roteiro, escrito a dez mãos (!!!) por Martino/Dolman, Elisa Briganti, Lewis E. Ciannelli, Ernesto Gastaldi e Dardano Sacchetti, é praticamente uma mistura no liquificador de tudo que se fazia no cinema americano de ação da época (anos 1980), conforme veremos ao longo dessa resenha.


Lançado em 1986, o filme se chama "Mani di Pietra" (Mãos de Pedra) na Itália e "Hands of Steel"(Mãos de Aço) nos EUA - ou seja: muda o país, muda o material das mãos do cara! No Brasil, o título envolvendo a palavra "Exterminador"é uma mera referência ao sucesso de "O Exterminador do Futuro", com Schwarzenegger, dirigido em 1984 pelo americano James Cameron. Entretanto, se fosse seguir a lógica de materiais duros (pedra, aço...) usados nos títulos italiano e americano, KERUAK deveria ser rebatizado como "Mãos de Diamante", "Mãos de Granito" ou "Mãos de Adamantium" por aqui...

Depois, nos sucessivos lançamentos e relançamentos ao redor do mundo, a obra foi ganhando outros nomes cada vez mais estrambólicos, como"Vendetta dal Futuro" (Vingança do Futuro), "Atomic Cyborg"(O Cyborg... pfffff! Atômico!!!) e até"Return of the Terminator", para forçar mesmo uma relação com "O Exterminador do Futuro"!!! Mas vamos à trama.


O forçudo Paco Queruak (e não "Keruak", como foi utilizado no título nacional, talvez porque o tradutor era fã do escritor Jack Kerouac) é um cyborg que um dia foi humano, mas sofreu um acidente e teve que ser reconstruído ciberneticamente. Restou-lhe apenas 30% de humanidade no corpo; os outros 70% foram reconstruídos mecanicamente.

Paco é "interpretado" pelo americano Daniel Greene, basicamente numa imitação do Exterminador de Schwarzenegger, e a trama se passa num "futuro" não muito distante e nunca identificado (1997, segundo algumas fontes), quando a natureza e o meio ambiente foram arruinados pela poluição - isso é apresentado principalmente nos créditos iniciais, com imagens de fábricas despejando fumaça no ambiente e mendigos dormindo na rua, e numa cena posterior em que o herói atravessa uma zona de chuva ácida como se fosse a coisa mais comum do mundo.


Condicionado para ser um "exterminador" (desculpem o trocadilho), Paco foi contratado por uma ambiciosa organização, chefiada pelo maléfico Francis Turner (John Saxon, em pequena participação onde quase sempre aparece ao telefone). A missão: eliminar (ou "exterminar") o líder de um grupo de chatíssimos ecologistas, o reverendo Arthur Mosely (Franco Fantasia, um veterano do western spaghetti).

Pouco antes de cumprir sua missão, o cyborg verifica o horário para ver se está "dentro do cronograma" e o diretor Martino nos brinda com um plano de detalhe do seu fantástico "relógio-futurista" - que, na verdade, é apenas um daqueles velhos relógios digitais de camelô que vinha com calculadora junto (abaixo), que era o máximo de tecnologia lá na década de 80!


Quando está para exterminar (hehehe) o alvo, algo no cérebro do robô assassino (lembranças de quando era humano, talvez?) faz com que ele não atinja o Reverendo mortalmente, apenas apunhale-o no peito com a própria mão (ele é um cyborg com mãos de pedra/aço, esqueceu?). Depois, Paco escapa do edifício cheio de seguranças e policiais, passando por um túnel de alta tensão, até chegar a um também estiloso "carrão futurista", que é basicamente um calhambeque qualquer com um cano prateado colado em cima. Usando este possante carrão, o cyborg foge enfrentando até a tal tempestade de chuva ácida (!!!), que corrói o veículo.

A polícia e o FBI imediatamente iniciam a perseguição ao assassino, mas não estarão sozinhos na jornada. Acontece que a organização que programou o cyborg sabe que se ele cair nas mãos da lei, pode acabar revelando alguma coisa sobre os podres de Turner. Por isso, o figurão envia alguns de seus homens em busca de Queruak no lugar onde ele nasceu - a pequena cidadezinha de Page, no desértico Arizona.


Neste momento, o cyborg vai parar em um bar/motel de beira de estrada chefiado por Linda (Janet Agren, de "Pânico"). Ele decide ficar por lá trabalhando para Linda e protegendo-a dos valentões que aparecem, mais ou menos como uma versão anabolizada do Shane, o pistoleiro do clássico "Os Brutos Também Amam". E olha que valentões não faltam! O pior deles é o caminhoneiro Raul Morales, interpretado pelo "Antropophagous" em pessoa, George Eastman, dublado com um ridículo sotaque mexicano de dar dó (o dublador parece estar imitando o Tony Montana de Al Pacino em "Scarface"!).

O grandalhão Morales se enfurece com a presença de Queruak desde o começo. Bêbado, insiste para que o herói repita a frase"Raul Morales is the strongest", ou "Raul Morales é o mais forte"(e não tem como não rolar de rir com a dublagem desta cena; eu, pelo menos, me divirto até hoje). Com seu olhar intimidador de cyborg (aliás, o único olhar que demonstra o filme inteiro), Paco responde: "You're a looser!"("Você é um perdedor!"). Pronto, cutucou a onça com vara curta!


Eis que o bar de Linda promove competições de queda de braço (no que eu até pensei que fosse uma referência a "Falcão - O Campeão dos Campeões", aquela bomba estrelada por Stallone, mas este foi feito no ano posterior, em 1987). Raul se acha o mais fortão da região e desafia Paco para uma queda-de-braço. Mas, claro, acaba perdendo uma fortuna quando o cyborg torce seu braço, e aí também entra no time que quer dar o troco no herói.

E como nada está tão ruim que não possa piorar, um assassino profissional europeu infalível chamado Peter Hallo (Claudio Cassinelli, um dos atores preferidos de Martino, que havia estrelado "A Ilha dos Homens-Peixe") é contratado por Turner para dar cabo do robô com mãos de pedra/aço. Será o fim do nosso herói cibernético?


A partir de então, KERUAK - O EXTERMINADOR DE AÇO se desenvolve com ação incessante, deixando pouco tempo para o espectador pensar na imbecilidade e na pobreza da coisa toda. Há perseguições de carro, de caminhão, de helicóptero, muitos tiroteios, lutas e mortes. Lá pelas tantas aparece até uma segunda cyborg usada pela organização de Turner, uma loirinha histérica e furiosa que sai na porrada com Queruak mais ou menos como a Pris de "Blade Runner", naquela que definitivamente é a melhor cena do filme (acima).

O final traz um grande duelo como convém a um filme do gênero, numa fábrica abandonada, onde Queruak é cercado por diversos homens de Turner, todos eles vestidos de preto e usando capacetes de motoqueiro (lembrando os vilões de "Fuga do Bronx", de Enzo G. Castellari). Claro que eles não são páreo para o cyborg e acabam sendo exterminados violentamente, em cenas que mostram os efeitos especiais do especialista Sergio Stivaletti - com direito a soco que arrebenta o visor do capacete e o rosto de um dos homens.


KERUAK - O EXTERMINADOR DE AÇOé um filme muito divertido e engraçado - desde que se entre no espírito da coisa, claro. Daniel Greene é um péssimo ator (o que ajuda na sua interpretação de cyborg), que parece ter sido escolhido apenas por ser uma montanha de músculos igual a Schwarzenegger (Lou Ferrigno provavelmente era a segunda opção). E a mão do cara é enorme mesmo, o que ajuda o espectador a acreditar no fato de que o cyborg tem as tais "mãos de aço".

Até hoje lembro de cor da frase na capinha da fita lançada no Brasil pela América Vídeo:"Sou o resultado do projeto HOS 1. 70% do meu corpo foi reconstruído. Nível de eficiência: máximo. Características negativas: nenhuma. Poder: MÃOS DE AÇO". E o desenho da capa mostra o musculoso Paco com uma espécie de "Raio-X" de seus braços, mostrando que são cibernéticos - algo que nunca é plenamente exibido em nenhuma cena, talvez devido ao baixíssimo orçamento.

A propósito: como "ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão", a indústria de brinquedos Gulliver roubou a arte da capinha do filme para ilustrar as cartelas da sua coleção de bonecos "S.O.S. Commandos", no final dos anos 1980 (veja abaixo a prova do crime).

Participação especial de Keruak nos S.O.S. Commandos!

Embora seja mais conhecido pelos clássicos filmes "giallo" que dirigiu na década de 70, como "Torso" ou "A Cauda do Escorpião", Sergio Martino também é um bom diretor de filmes de aventura feitos com pouca grana (quem viu "A Montanha dos Canibais" e "A Ilha dos Homens-Peixe" sabe disso). Mas um filme como KERUAK realmente precisaria de um cineasta como Enzo G. Castellari para ficar ainda mais divertido e histérico.

Embora Martino até encene alguns momentos em slow motion, à la Castellari, ele na verdade fica completamente perdido ao filmar as cenas de luta. Com uma coreografia pobre (em pelo menos um momento fica evidente que Daniel Greene erra um dos socos cenográficos e seu golpe fica "no vácuo", talvez porque ele e o outro ator não tenham ensaiado o suficiente), e a câmera muito próxima dos atores, as cenas de pauleira são qualquer-nota e pouco memoráveis.


A investigação policial sobre o atentado ao Reverendo lá no começo do filme, comandada por um policial negro e por uma técnica forense chamada Dra. Peckinpah (?!?), também é completamente dispensável e apenas deixa o filme em ponto-morto, atrasando as cenas de ação. E rende um momento simplesmente ridículo, quando o ferimento no peito da vítima é "escaneado" por computador e a máquina revela as possíveis armas utilizadas na agressão: "escultura" (?), "barra de ferro", "peso de papel" (?) e... "MÃO"!

Para compensar estes pontos baixos, o diretor recheia o filme com momentos divertidos pela sua total insanidade, como quando o cyborg disputa uma queda-de-braço com um forçudão chamado Blanco (Darwyn Swalve) em estilo "roleta-russa": o competidor que perder terá sua mão picada por uma cobra cascavel!


A própria pobreza de recursos, dos carros "futuristas" e dos cenários conspira para transformar KERUAK - O EXTERMINADOR DE AÇO numa divertida comédia involuntária. É difícil segurar o riso quando John Saxon tenta enfrentar seu cyborg usando um "canhão-laser" que não passa de um tubo preto de plástico com um velho flash de câmera fotográfica colado em cima!

Outros momentos de pobreza constrangedora envolvem o patético laboratório do cientista que criou Queruak (interpretado por Donald O'Brien), e que se resume a meia dúzia de canos prateados e umas luzes coloridas, e a "tecnologia de Atari" (abaixo) do "detector de calor" usado pelo matador Hallo para identificar quantas pessoas estão no interior de um local.


Felizmente, a pobreza não se estende à belíssima trilha sonora do músico nascido no Brasil Claudio Simonetti (aquele mesmo da banda Goblin, que fez as trilhas de "Dawn of the Dead", "Suspiria" e tantos outros clássicos). Pelo contrário, sua trilha poderia muito bem estar num filme melhorzinho, sublinha perfeitamente os momentos de ação e suspense, e é puro anos 80 (ou seja, sintetizadores na potência máxima).

Tanto que na edição 2013 do Fantaspoa (Festival de Cinema Fantástico realizado em Porto Alegre), um dos convidados de honra era o simpaticíssimo Simonetti, que fez seu primeiro concerto no Brasil tocando as trilhas mais famosas do seu repertório. Acompanhando-o na passagem de som, falei do meu apreço pelo seu trabalho em KERUAK e ele improvisou um trechinho da música-tema no teclado (como você pode ver aos 1min40s deste vídeo).


Infelizmente, KERUAK - O EXTERMINADOR DE AÇO também marca a despedida definitiva do ator Claudio Cassinelli. Durante as filmagens, ele estava a bordo de um helicóptero que perdeu o controle, chocando-se contra uma ponte e explodindo ao atingir o chão. O ator, que estava com 47 anos, morreu junto com o piloto, antes de concluir sua participação no filme.

E como não havia nenhuma maneira de filmar as cenas restantes de Cassinelli como Peter Hallo, a solução foi matá-lo também no filme! Assim, na versão final improvisada, Turner acusa Hallo de ser fraco por ter falhado em sua missão de matar Queruak, e manda outro de seus capangas atirar num vulto que se aproxima do seu helicóptero - e que, obviamente, não é Cassinelli. Ouvem-se alguns tiros e um grito off-screen, fazendo-nos acreditar que o Hallo foi baleado e morto para poder ser retirado da narrativa (sequência de fotos abaixo).


Claro que o acidente marcou Martino para sempre. Na faixa de comentário do DVD importado de "A Montanha dos Canibais", o diretor comenta o caso: "Um crítico da época escreveu que o filme era tão ruim que não valia a vida de Claudio. Ora, nenhum filme vale a vida de um ator!".

Quem deve respirar aliviado até hoje é John Saxon, já que ele se recusou a filmar qualquer cena nos Estados Unidos e gravou toda a sua participação na Itália. Caso contrário, seguindo o roteiro original, ele estaria junto com Cassinelli no helicóptero naquele dia fatídico!


No fim, em meio à ação, o roteiro de KERUAK - O EXTERMINADOR DE AÇO acaba não desenvolvendo sua melhor ideia, e que o posterior "Robocop" (1987) trabalhou de forma muito mais eficiente: quem é Paco Queruak? Será ele uma pessoa reconstruída mecanicamente, ou apenas um cyborg 100% mecânico que foi criado para pensar que é humano?

Durante todo o filme, o espectador é levado a acreditar que apenas os membros do cyborg são biônicos, mas o restante é humano e tem "alma". Só que o final é mais frio e pessimista (e bem interessante, também), embora a história encerre sem explicar o que acontece com o personagem - apenas entra um letreiro absurdo dizendo: "Em algum lugar do nosso futuro próximo, a Era do Cyborg começará". Bleargh!!!


Uma última curiosidade: numa cena (acima), Queruak dá uma conferida nos mecanismos cibernéticos do seu braço, e vemos um plano do ator Daniel Greene olhando para baixo e então um outro plano mostrando um braço parcialmente aberto, exibindo a estrutura mecânica que movimenta a mão e os dedos.

Bem, há quem jure que este último plano não foi filmado pelos italianos: os produtores simplesmente teriam comprado alguns takes filmados por James Cameron para a cena em que Schwarzenegger se "auto-conserta" no banheiro de um motel vagabundo em "O Exterminador do Futuro", e que não foram aproveitados na edição final! Nunca consegui confirmar a informação, mas o nível dos efeitos de maquiagem neste take do braço aberto é realmente muito superior a qualquer outra coisa da produção italiana. Portanto...

PS: Depois de uma curta e fracassada trajetória como herói de ação, o brucutu Daniel Greene acabou se rendendo à comédia. Ele fez uma inesperada parceria com os Irmãos Farrelly (aqueles que dirigiram "Debi & Lóide"!!!), e já apareceu em sete comédias da dupla, incluindo uma participação maior como vilão em "Eu, Eu Mesmo e Irene". Quem diria que Paco Queruak acabaria virando piada MESMO?


Trailer de KERUAK - O EXTERMINADOR DE AÇO



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Mani di Pietra / Hands of Steel (1986, Itália)
Direção: Martin Dolman (aka Sergio Martino)
Elenco: Daniel Greene, Janet Agren, John Saxon,
Claudio Cassinelli, Donald O'Brien, Amy Werba,
Robert Ben e Pat Monti.

UMA ESCOLA ATRAPALHADA (1990)

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Tenho amigos cinéfilos com ódio mortal por essas comédias modernas para "consumo popular" produzidas/distribuídas pela Globo Filmes, que já foram apelidadas de "Globochanchadas", e que são estreladas pelos nomezinhos de destaque no momento (independente de terem ou não talento). Ok, eu confesso que também passo longe de coisas como "De Pernas Para o Ar" e "Vai que Dá Certo", mas vamos combinar que este fenômeno não é recente.

Afinal, se hoje temos filmes de gosto duvidoso estrelados por pseudo-celebridades de gosto duvidoso como Leandro Hassum, Marcelo Adnet, Freddy Mercury Prateado e a turminha do Porta dos Fundos, no passado produções de gosto tão ou mais duvidoso eram estreladas por pseudo-celebridades de gosto tão ou mais duvidoso, como Faustão, Carla Perez, Sergio Mallandro, Fofão ou, no caso específico da obra aqui em análise, Supla e Angélica! Ou seja: filme ruim com pseudo-celebridades não é de agora, e espaço na mídia sempre foi mais determinante que talento para se estrelar um filme no Brasil!


Na minha modesta opinião, UMA ESCOLA ATRAPALHADAé um dos piores filmes brasileiros DE TODOS OS TEMPOS. E se eu não consegui suportá-lo nem mesmo quando era moleque e vi pela primeira vez, imagine minha cara ao revê-lo hoje. A diferença é que a passagem do tempo transformou essa bomba numa espécie de "túnel do tempo da vergonha alheia".

Sabe quando você encontra um álbum de fotografias da sua juventude nos anos 1980 e morre de vergonha ao se ver usando mullet ou ombreiras? Pois é mais ou menos essa a sensação de assistir UMA ESCOLA ATRAPALHADA hoje, mais de 20 anos depois do seu lançamento, e se deparar com cenas tipo um jovem Supla posando de "bad boy" com camisetas cortadas que deixam seu umbigo à mostra (argh!), ou o (morto e enterrado) Grupo Polegar tocando a música (morta e enterrada) "Sou Como Sou", e depois pegando um avião da (morta e enterrada) Vasp!


Lançado em 1990, UMA ESCOLA ATRAPALHADA representa um marco histórico do cinema popular brasileiro, já que traz a última aparição no cinema do grupo humorístico Os Trapalhões (Didi, Dedé, Mussum e Zacarias) como quarteto. Mauro Gonçalves, o Zacarias, morreu durante a pós-produção do filme, que inclusive é dedicado a ele com uma mensagem dos demais Trapalhões nos créditos iniciais.

Ironicamente, este não é um "filme dos Trapalhões" oficial: o grupo faz apenas uma participação especial, apesar da referência no título ("Atrapalhada" - "Trapalhões", pegou?). Até então, durante duas décadas, Os Trapalhões eram os reis das bilheterias do cinema brasileiro, estrelando praticamente um filme por ano. Em 1989, por exemplo, "Os Trapalhões na Terra dos Monstros" levou 3,2 milhões de espectadores aos cinemas, mas nos bons tempos eles vendiam mais de 5 milhões de ingressos.


UMA ESCOLA ATRAPALHADA representou uma espécie de ponto de virada na trajetória do quarteto, já que suas produções nos últimos anos (notoriamente entre 1987-89) estavam excessivamente infantis, e eles queriam atingir um público um pouquinho mais velho - os adolescentes.

Carinhas jovens da moda até já vinham aparecendo em seus filmes como coadjuvantes (tipo o Grupo Dominó em "Os Fantasmas Trapalhões", "Os Heróis Trapalhões", "O Casamento dos Trapalhões" e "Os Trapalhões na Terra dos Monstros", ou o Trem da Alegria em "A Princesa Xuxa e os Trapalhões"). Mas, pela primeira vez, o quarteto resolveu deixar a molecada em destaque e ficar em segundo plano, só para "sentir o mercado".


Embora não tenha dado muito certo (diversos espectadores sentiram-se enganados, pois o título e a presença dos Trapalhões no pôster indicavam que era justamente um "filme dos Trapalhões" tradicional), UMA ESCOLA ATRAPALHADA rendeu uma bela bilheteria (cerca de 2,5 milhões de espectadores) e umas novecentas reprises na TV. Além, claro, de marcar a despedida do quarteto.

Com a morte de Zacarias, e a experiência um tanto frustrada de atuarem como coadjuvantes para uma nova geração de "estrelas", os Trapalhões reminescentes tentaram retomar o trono de reis da bilheteria. Mas não deu muito certo: as produções seguintes do agora trio ("O Mistério de Robin Hood" e "Os Trapalhões e a Árvore da Juventude") nem chegaram aos dois milhões de ingressos vendidos. Os tempos estavam definitivamente mudando...


Voltando a UMA ESCOLA ATRAPALHADA: a trama escrita por Luis Carlos Góes e Tania Lamarca (a partir de um argumento de Renato Aragão e Paulo Aragão Neto) se passa numa escola particular para filhinhos-de-papai, a Matheus Rosé (que, na vida real, é o Colégio Marista São José, do Rio de Janeiro). Ali, adolescentes riquinhos, brancos e de corpo perfeito agem como adolescentes de cinema enquanto professores e diretores são todos muitos liberais, simpáticos e compreensivos com a garotada.

O ano letivo está começando e novos alunos chegam ao Matheus Rosé, tipo a garota misteriosa e rebelde Tami, interpretada por Angélica (e sabemos que ela é misteriosa e rebelde porque ela entra em cena com ar blasé, óculos escuros e faz mais cara-de-bunda por minuto do que a Kristen Stewart na série "Crepúsculo"!).


A atual Sra. Luciano Huck já havia participado de dois filmes anteriores dos Trapalhões ("Os Heróis Trapalhões" e "...na Terra dos Monstros"), mas ainda era uma apresentadora de programa infantil da TV Manchete. Inclusive no ano seguinte (1991) estrelaria a novela "O Guarani" na extinta emissora, no papel de Ceci.

Sua participação em UMA ESCOLA ATRAPALHADA acabou carimbando-lhe o passaporte para voos mais altos. Angélica logo trocaria a Manchete pelo SBT, onde apresentou um programa infantil de sucesso (Casa da Angélica), além do popular Passa ou Repassa no lugar do apresentador habitual, Gugu Liberato. Mais tarde, em 1996, ela venderia o passe para a Globo, onde também chegou a ter seu próprio programa infantil (Angel Mix), e estrelou mais algumas "Globochanchadas", tipo "Zoando na TV" (1998) e "Um Show de Verão" (2004), ao lado do futuro maridão.


Outros novatos são os quatro garotos vindos do interior (e sabemos que eles vêm do interior porque entram em cena num carro coberto de lama, e todos vestem a mesma camisa quadriculada estilo "Jeca Tatu"). O Dominó, que havia aparecido nos quatro filmes anteriores dos Trapalhões, já tinha perdido sua popularidade e espaço na mídia na época; assim, a solução foi substituí-los pelo Polegar (Alex, Alan, Ricardo e o notório Rafael Ilha, ou "Rafael Pilha").

Tanto Dominó quanto Polegar foram grupos criados e empresariados pelo então apresentador do SBT Gugu Liberato (que também está no elenco do filme), então duvido que alguém tenha realmente percebido a diferença. E Nill, ex-Dominó, faz uma "participação especial" aqui como irmão de Angélica, talvez como agradecimento aos "serviços prestados" pelo seu ex-grupo.


O que os alunos novos não tardarão a descobrir é que a escola é "dominada" por um rapaz encrenqueiro, Carlão (Supla, quem mais?). E se hoje o popular Eduardo Smith de Vasconcelos Suplicy é motivo de piada para a maior parte dos seres humanos, na época ele era uma verdadeira promessa de astro pop: ex-vocalista da banda Tokyo, havia recém gravado seu primeiro disco solo e tinha até pegado a famosa roqueira alemã Nina Hagen, para quem dedicou o hit "Garota de Berlim".

Carlão/Supla é o líder de uma turminha de filhinhos-de-papai mimados e "rebeldes" que inclui ainda o chatíssimo Renan (ninguém menos que Selton Mello, em sua estreia no cinema!), a queridinha Paula (Maria Mariana, que depois alcançaria relativo sucesso com o livro/seriado "Confissões de Adolescente", antes de mergulhar de volta para a obscuridade), e um montão de outros anônimos que não fedem e nem cheiram, tipo uma riquinha metida a bicho-grilo interpretada por Patrícia Perrone.


Aí o loirão platinado se interesse pela "misteriosa" Tami. Só que eles se odeiam, e passarão o restante do filme brigando, discutindo ou competindo um com o outro. Os conflitos amorosos se estendem aos garotos do Polegar, que também encontram suas paixonites dentro da escola. Um deles (não me pergunte qual, pois são todos iguais!) se apaixona pela namorada do Selton Mello, o que renderá ainda um chatíssimo triângulo amoroso.

Em meio a tudo isso, há ainda um sub-plot envolvendo misteriosas sabotagens e ameaças à escola, pois uma imobiliária pretende comprar o terreno. A diretora idealista (Jandira Martini) se recusa a desfazer-se da escola, mas um sabotador infiltrado - Anselmo, o inspetor da escola, interpretado de maneira exagerada e caricatural pelo ótimo Ewerton de Castro - começa a aprontar altas confusões para atrapalhar o ano letivo e forçar a venda do local.


Mas e onde entram os Trapalhões nessa história toda? Bom, como eu já havia alertado, eles fazem apenas pontas bem curtinhas. Mussum aparece como o impagável "Mago Mumu", cuja barraquinha de leitura de tarô fica bem em frente à escola (que conveniente!); já Dedé e Zacarias interpretam "caça-bombas", que entram em cena quando há uma ameaça de bomba no colégio.

Quem tem mais tempo em cena, claro, é Didi, no papel do "serviços gerais" da escola (que se chama, obviamente, Didi). Renato Aragão "interpreta" o mesmo personagem de sempre, o cearense boa-vida e espertalhão (sua entrada em cena é deitado numa rede no bagageiro de um ônibus que chega à cidade!) por quem todo mundo morre de amores.


Como também é clichê na obra dos Trapalhões, ele vive um amor platônico por uma das professoras (Cristina Prochaska), que já está de rolo com o professor de educação física (Marcelo Picchi, que nos velhos tempos apareceu em "Exorcismo Negro", do Zé do Caixão!).

O curioso é que Renato aproveita para interpretar uma versão estereotipada de si mesmo: um cearense humilde cujo sonho é ser astro de cinema! A cena final, em que ele reaparece vestido como mendigo (mas com direito a uma surpresa), é talvez a parte mais bem bolada (e bonita) do filme inteiro.


UMA ESCOLA ATRAPALHADA antecipa a fórmula do seriado global "Malhação" (que estreou em 1995 e já está no ar há inacreditáveis 18 anos!!!), com namoricos, brincadeiras bobas e intriguinhas entre adolescentes, mas sempre num nível cartunesco e infantilóide demais (e o que esperar de roteiros "para adolescentes" escritos por quarentões?).

Embora em certos momentos o filme até acerte em resgatar aquele clima de "adolescência no final dos anos 1980", como quando mostra um bailinho dos jovens com música lenta (e quem é da época vai lembrar que essa era a hora estratégica para dançar de rostinho colado com as meninas!), esses momentos representam, no máximo, 1% da narrativa. O resto é ocupado pelos romances desinteressantes entre Supla e Angélica e entre os "Polegares" e seus casinhos, mais as poucas cenas de trapalhadas com os Trapalhões.


Por sinal, quem diria que os Trapalhões do começo dos anos 1990 (sua fase mais chata e infantilóide) seriam o ponto alto do filme. Como não há graça nenhuma na interação entre os chatíssimos personagens jovens, recai sobre os ombros do famoso quarteto a difícil tarefa de fazer o espectador rir ao invés de pegar no sono. E como os quatro veteranos aparecem muito pouco, suas poucas cenas são realmente engraçadas e não torram o saco.

Didi copia sem a menor vergonha na cara uma piada de "Crocodilo Dundee" (aquela do"That's not a knife. THAT's a knife", quando apresenta uma "peixeira cearense" de tamanho monumental a um ladrão que tenta assaltá-lo com um canivete). E quando uma bomba explode na Kombi dos "caça-bombas", onde por coincidência estão reunidos os quatro Trapalhões, Didi ironiza: "Quem mandou invadir filme dos outros?".


Os "outros", no caso, são Supla, Angélica e cia., que não têm nem talento e nem carisma para segurar um filme sozinhos. Mesmo os fãs mais apaixonados do loirão Suplicy (são poucos, mas eles existem) têm que dar à mão à palmatória e concordar que o rapaz entrega uma performance simplesmente constrangedora, tentando compor um personagem "rebelde" que é apenas chato e insuportável, e está sempre gritando e agindo como um estúpido (chega a dar um soco na cara de Angélica).

Mas, sabe-se lá por que cargas d'água, o filme tenta forçar o espectador a gostar dele, já que Carlão não é o vilão, mas sim O HERÓI DO FILME!!! Lá pelas tantas, ele até aparece treinando boxe com um saco de areia, em cena que deve estar no filme apenas por causa da semelhança física de Supla com Ivan Drago, o personagem de Dolph Lundgren em "Rocky 4" (no cabelo, não nos músculos)!


Bem, se alguém realmente torceu para o Supla se dar bem no filme, eu recomendo que procure ajuda psiquiátrica imediatamente. Porque é duro aguentar o cara com camisa do Superman cortada acima do umbiguinho, fazendo pose de "bad boy" e tentando dar lição de moral e "discurso sociológico" para cima de Tami: "Ser pobre não é o maior problema do mundo não! Qualquer um é o que é!".

Angélica, por sua vez, está apagada como "mocinha" e nunca faz nada digno da posição. A química entre Supla e Angélica é tão inexistente que, no final, quando o casal finalmente resolve assumir seu romance, não há nem sequer a tradicional cena do beijão apaixonado na boca. Pelo contrário, o máximo que vemos de "contato físico"é... Supla chupando o dedo de Angélica?!? Puta merda!


Quando os Trapalhões não estão em cena (e eles raramente estão), as poucas tentativas de se fazer humor são frustradas ou pelas piadas do arco-da-velha do roteiro de Góes e Tania, ou pela falta de timing do diretor Antonio (Del) Rangel, o mesmo responsável por um dos piores filmes do quarteto, "O Trapalhão na Arca de Noé" (estrelado apenas por Renato Aragão, na época em que ele havia brigado com os três parceiros).

Essas "piadas" são coisas como o personagem de Gugu Liberato, um professor de música malucão chamado "Chopin Luiz" (ai, ai...), que usa bermudas e cabelos arrepiados, ou a professora de artes que se chama "Portinara" (ai, ai...), e que protagoniza, pela milésima vez, a gag da senhora surda que entende tudo trocado. O nível é tão baixo que nem o pessoal do Zorra Total faria essas piadas.


Há, também, um momento sem-noção em que o vilanesco inspetor Anselmo leva um dos garotos para um porão escuro e raspa seu cabelo à força por "desrespeito à bandeira nacional".

É óbvio que se trata de uma referência aos torturadores nos porões da Ditadura Militar, mas ô piada de mau gosto para ser feita quando o país recém havia entrado numa democracia plena (Collor foi eleito presidente em 1989), e as feridas da Ditadura ainda estavam bem abertas e doendo.


A verdade é que eu nunca consegui entender a que público exatamente o filme se destina. Porque se o objetivo era vender UMA ESCOLA ATRAPALHADA como comédia para o público adolescente, o tiro passou longe do alvo: a ambientação e alguns personagens até lembram as comédias norte-americanas sobre adolescentes aprontando altas confusões numa escola, mas o tom do filme é tão infantil que dificilmente terá algum interesse para pessoas com mais de oito anos de idade, físicos ou mentais.

Até tem um pouquinho de ousadia por mostrar as meninas mais "à vontade" do que nos filmes dos Trapalhões, nas cenas que se passam no dormitório feminino (onde podemos ver Maria Mariana seminua, além das moças de calcinha e pernocas de fora - menos Angélica, porque ela é a "mocinha").


Mas não passa muito disso: o clima do filme é tão inocente e infantil que irrita. A escola do filme é uma escola de conto-de-fadas, onde nenhum dos jovens aparece usando drogas, fumando ou sequer bebendo uma cerveja.

Para não ser injusto, o personagem de Selton Mello enche a cara lá pelas tantas, mas o filme faz questão de mostrar isso como algo extremamente negativo (e ele ainda toma uma "tortada" na cara do Supla para aprender!).


Apesar do inspetor Anselmo viver reclamando que a diretora é muito liberal, filme e personagens são completamente assexuados, e mal vemos uns beijinhos entre os jovens, quem dirá cenas de sexo. Por isso é até surpreendente que, lá pelas tantas, pinte um clima mais dramático, com a possibilidade de que uma das garotas esteja grávida do seu novo namoradinho (embora eu desconfie que seja coisa do Espírito Santo, já que ninguém trepa nesse filme!).

Só que a gravidez não passa de um alarme falso: logo a menina faz um teste que dá negativo, então foi apenas um "sustinho bobo" e uma tentativa de enganar o espectador com dramalhão de terceira - diferente da coragem de, por exemplo, "O Último Americano Virgem", que tem uma sub-trama bem pesada envolvendo gravidez indesejada.


Curioso é que apesar de todo esse moralismo e inocência, UMA ESCOLA ATRAPALHADA acaba passando diversos maus exemplos sem perceber. Numa cena que hoje seria considerada politicamente incorreta, a vice-diretora interpretada por Fafi Siqueira dá em cima de um aluno com metade da idade dela, passando a mão no peito sem camisa do rapaz (abaixo). Quando ele foge da azaração da coroa, ela reclama aos berros: "Bicha!".

Pior é o caso da personagem de Angélica. Ela sofre bullying dos colegas riquinhos porque eles pensam que a garota é pobre. E se inicialmente o filme tenta mostrar como isso é feio e errado por parte dos coleguinhas, o tiro logo sai pela culatra quando vemos Tami se enturmando com seus "bullies" das formas menos nobres possíveis - tipo passar cola para uma das meninas que a ridicularizava, assim todos podem ver como a mocinha é "legal". Bela mensagem, não?


Gosto de comparar UMA ESCOLA ATRAPALHADA com o clássico da rebeldia juvenil "Rock'n'Roll High School", de Allan Arkush, que foi feito mais de dez anos antes (em 1979). Enquanto no filme norte-americano a mensagem era absolutamente "anti-Sistema" e pró-sexo, drogas e rock-and-roll, aqui tudo é careta e moralista, os alunos adoram seus professores e vice-versa, e até ajudam a proteger a escola da ameaça de demolição.

Para piorar, enquanto a cena final de "Rock'n'Roll High Scholl" trazia a banda punk Ramones ajudando os alunos rebeldes a mandar sua escola para os ares (literalmente!) ao som da música-tema, aqui o filme termina com a escola inteirinha e pronta para um novo ano letivo, e o punk de botique Supla perdendo o festival de bandas do colégio para o Polegar cantando "Sou Como Sou"!!! Sabe como é, cada país tem os "adolescentes rebeldes" que merece...


E há, claro, o jabá. Àquela altura do campeonato, os filmes voltados ao público infanto-juvenil já tinham perdido a vergonha na cara e faziam merchandising de produtos e artistas na maior cara-dura. Vá lá que não é nada tão constrangedor quanto os filmes posteriores da Xuxa (em que a narrativa é interrompida a cada cinco minutos para que uma banda que ninguém lembra mais toque um hit que ninguém lembra mais), mas mesmo assim o jabá está presente em UMA ESCOLA ATRAPALHADA e é de rolar de rir.

Supla, por exemplo, aparece cantando "Pisa em Mim" num videoclipe afetado e bastante deslocado do tom do restante da produção, já que aparece entre cruzes de neon e estátuas religiosas decapitadas, de calça de couro vermelha e sem camisa, rolando besuntado de óleo num colchão enquanto repete o refrão "E só pisa em mim / E me deixa assim!". Queria demonstrar uma "atitude" inexistente, o que deixa tudo ainda mais engraçado.

"E só pisa em mim! E me deixa assim!"



No caso de Angélica, o marketing é duplo: ela canta uma música chamada "Angelical Touch" (nossa, quanta criatividade!), que também era o nome de uma linha de cosméticos que ela lançou logo depois. Por isso, muita gente dizia que a música era, na verdade, um jingle disfarçado. E funcionou: a tal linha de cosméticos foi um sucesso de vendas. Mas o videoclipe é abominável, com Angélica exagerando nas caras e bocas estilo "Quero ser sexy" - e sem conseguir ser sexy, claro.

"O meu Angelical Touch..."



Mesmo sendo uma bela porcaria, UMA ESCOLA ATRAPALHADA foi um relativo sucesso de bilheteria na época, e até hoje está numa honrosa 63ª posição entre os filmes brasileiros mais vistos de todos os tempos (na frente de "Pixote, a Lei do Mais Fraco" e "Tropa de Elite"!!!).

Por isso, outras produções destinadas ao público infanto-juvenil foram filmadas rapidamente para tentar aproveitar o filão, mas sem repetir o sucesso. Entre elas, "Sonho de Verão" (1990), com Sergio Mallandro, Paquitos e Paquitas, e "Gaúcho Negro" (1991). Todas são tão péssimas quanto UMA ESCOLA ATRAPALHADA, e compartilham do mesmo tom infantilóide, excesso de merchandising e aquela cara de "episódio mais longo de Malhação".


Demorou vários anos para que começassem a sair os primeiros filmes realmente interessantes produzidos com e para adolescentes. Entre eles, destaco as comédias românticas "Houve uma Vez Dois Verões" (2002), do gaúcho Jorge Furtado, e "As Melhores Coisas do Mundo" (2010), de Laís Bodanzky. Desnecessário dizer que nenhum deles têm Xuxa, Angélica ou as bandinhas da moda, embora esse último traga Fiuk (argh!) em "papel dramático". Mas sem jabá ou narrativa interrompida por videoclipes, como se fazia antigamente.

E mesmo que eu considere UMA ESCOLA ATRAPALHADA um filme execrável, tanto como "produto de consumo de massa" como enquanto "mensagem", é impossível não parar para pensar que, se fosse feito hoje, ele seria ainda pior. Afinal, no lugar de Supla e Angélica provavelmente teríamos Michel Teló e Anytta (aquela do "Pre-pa-ra..."). Já os garotos do Polegar seriam substituídos pelos sertanejos universitários do momento, enquanto Fábio Porchat e Bruno Mazzeo apareceriam no lugar dos Trapalhões.

Ou seja: nada está tão ruim que não possa piorar!


Veja UMA ESCOLA ATRAPALHADA na íntegra



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Uma Escola Atrapalhada (1990, Brasil)
Direção: Del Rangel
Elenco: Supla, Angélica, Grupo Polegar, Ewerton
de Castro, Renato Aragão, Dedé Santana, Mussum,
Zacarias, Selton Mello e Maria Mariana.

PROBLEMAS MODERNOS (1981)

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Poderes telecinéticos eram o assunto do momento entre a metade dos anos 1970 e o início da década de 80. Talvez o sucesso do "paranormal" israelense Uri Geller, que naquela época aparecia direto na TV entortando talheres com a "força da mente", tenha desencadeado a febre (depois descobriu-se que Geller era apenas um ilusionista dos bons, mas ele enganou as pessoas durante muito tempo).

São dessa época livros de horror e ficção científica como "Carrie", de Stephen King (publicado em 1974), e "A Fúria", de John Farris (1976), ambos coincidentemente adaptados para o cinema por Brian DePalma (respectivamente em 1976 e 1978), Também no cinema, filmes como "Patrick" (1978, de Richard Franklin), "Armadilha para Turistas" (1979, de David Schmoeller) e "Scanners" (1981, de David Cronenberg) mostravam o lado assustador (e destrutivo) dos poderes telecinéticos quando usados para o Mal.


E não demorou nada para que alguém resolvesse usar o mesmo tema para fazer graça. Assim, em 1981 - o mesmo ano de "Scanners" e suas cabeças explodidas com a força da mente -, chegava aos cinemas PROBLEMAS MODERNOS, de Ken Shapiro, estrelado por um jovem Chevy Chase.

Quem é da nova geração e cresceu vendo caras como Adam Sandler e Will Ferrell pode até não acreditar, mas houve um tempo em que Chevy Chase era um dos caras mais engraçados da comédia norte-americana. E quando você entrava na locadora e topava com um filme estrelado por ele, podia alugar sem medo porque sabia que o nome do astro na capinha era sinônimo de"filme engraçado pra caralho".


Chevy (cujo nome de batismo é, acredite se quiser, Cornelius!!!) começou a brilhar na 1ª temporada do programa humorístico de TV "Saturday Night Live". E isso em 1975, quando o elenco do programa era composto por gênios da comédia como Dan Aykroyd, John Belushi e Gilda Radner. No começo da 2ª temporada, ele já era tão popular nos EUA que resolveu abandonar o programa (foi substituído por outro futuro astro, Bill Murray!) para investir no cinema.

O problema é que o rapaz nunca foi muito esperto para escolher projetos. E após uma estreia bastante promissora com "Golpe Sujo" (1978), onde era praticamente um coadjuvante da verdadeira estrela Goldie Hawn, Chevy passou a intercalar comédias muito divertidas, tipo "Clube dos Pilantras" (1980) e "Férias Frustradas" (1983), com outras nem tanto. PROBLEMAS MODERNOS, feita bem no meio destas duas citadas, se encaixa na categoria "Nem tanto".


Curioso é que PROBLEMAS MODERNOSé aquele típico filme que você vê quando garoto e acha o máximo. Eu tinha gravado da TV, nos longínquos tempos do videocassete, e lembro que costumava reunir os amiguinhos na sala de casa para reassistirmos essa tralha diversas vezes. Todo mundo se mijava de dar gargalhada - e isso que algumas piadas não são exatamente compreensíveis para a faixa etária, se é que vocês me entendem.

Aí você cresce e começa a perceber que aquele clássico da sua infância na verdade é bem ruinzinho. O que, nesse caso específico, não é demérito, já que PROBLEMAS MODERNOS se revela um filme tão errado, e tão - desculpem o trocadilho - PROBLEMÁTICO que se torna até divertido quando você volta a reunir a turma envelhecida e se põe a reassistir, só que dessa vez rindo dos defeitos e da falta de graça generalizada da coisa toda.


No roteiro escrito a seis mãos pelo diretor Shapiro (em seu segundo e último filme) mais Tom Sherohman e Arthur Sellers, Chevy interpreta um estressado controlador de voo nova-iorquino chamado Max Fielder, que está passando por dias complicados: seu trabalho é um horror, seu carro está caindo aos pedaços (o teto solar não fecha justamente numa tarde de chuva torrencial) e sua namorada, Darcy (a gracinha Patti D'Arbanville), acabou de lhe dar um belo pé na bunda, acusando-o de ser excessivamente dominador e ciumento (o que, conforme veremos ao longo do filme, não é nenhuma injustiça por parte da moça!).

A cena inicial de PROBLEMAS MODERNOSé bastante feliz ao apresentar a rotina caótica do protagonista como controlador de voo em um grande aeroporto, onde a discussão do preço de um sanduíche de atum é interpretada pelo piloto como as coordenadas que deve seguir para pousar, e um copo de café derrubado num monitor provoca um pequeno incêndio que o colega ao lado se recusa a apagar - pelo contrário, ele acende seu cigarro usando a chama!


Quando parece que sua vida não pode piorar, Max é exposto ao lixo radioativo despejado de um caminhão. E ao invés de transformar-se num monstro mutante, ou derreter tipo aquele vilão de "Robocop", o protagonista ganha incríveis poderes telecinéticos. Usando o poder da mente, Max pode mover facilmente objetos e pessoas, além de provocar as reações mais extremas nos seres humanos.

E é óbvio que o pobre Max utilizará esses poderes para recuperar Darcy e ainda se vingar de seus rivais, principalmente o careca escroto que está tentando pegar sua ex (interpretado por Mitch Kreindel). Naquela que é disparado a melhor cena do filme, Max usa seus novos poderes para provocar um exagerado sangramento nasal no rival durante um jantar romântico num restaurante chique, em cena cujo mau gosto lembra a explosão do gordão em "O Sentido da Vida", do Monty Python (que saiu dois anos depois, em 1983).


Mas parece que Max não sabe direito o que fazer com seus novos poderes. E - vejam só que coisa - o diretor e co-roteirista Ken Shapiro também não. Por isso, PROBLEMAS MODERNOS praticamente desmorona depois de um início promissor. Da metade para o final (principalmente depois dos primeiros 40 minutos), o roteiro se perde completamente e parece até que estamos vendo outro filme. E bem sem graça.

Este ponto de virada na qualidade começa quando Max e Darcy, agora novamente juntos, são convidados para passar um final de semana na casa de praia dos amigos Brian (Brian Doyle-Murray, irmão de Bill Murray) e Lorraine (Mary Kay Place), ele um veterano do Vietnã confinado a uma cadeira-de-rodas, e ela a ex-esposa do próprio Max. Também aparece para o final de semana um famoso e arrogante escritor de livros de auto-ajuda, o "guru" Mark Winslow (Dabney Coleman), que irá bater de frente com o protagonista.


Esta segunda metade do filme é tão ruim que chega a ser constrangedora: sem nenhum motivo aparente, considerando que já recuperou sua amada, Max entra em depressão profunda e perde o controle sobre seus poderes. Durante a crise, descarrega sua frustração sobre Mark durante o jantar com os amigos. O tom é de um filme de horror, inclusive com o escritor humilhado arrumando um revólver para tentar deter a "ameaça" de Max.

A única parte digna de nota dessa segunda metade do filme é outro dos poucos momentos memoráveis de PROBLEMAS MODERNOS: Dorita (Nell Carter), a empregada haitiana que vive na casa, tenta "exorcisar" Max e faz um círculo com "pó mágico" ao redor dele; pois o protagonista aspira alucinadamente todo o pó branco do chão, como se fosse uma gigantesca carreira de cocaína (esta cena geralmente era cortada nas reprises do filme à tarde)!

"I like it!!!"



O diretor Shapiro é o grande culpado pela comédia de erros que é PROBLEMAS MODERNOS. Como escrevi lá em cima, este é o seu segundo e último filme; antes, ele só havia dirigido uma comédia chamada "The Groove Tube" (1974), também com Chevy Chase (em pequena participação). Só que não era bem um longa, e sim uma coletânea de esquetes sem relação, na linha de "The Kentucky Fried Movie" e "As Amazonas na Lua" (mas anterior aos dois).

Isso talvez explique porque PROBLEMAS MODERNOS, mesmo narrando uma história única e linear, sofra de uma perceptível falta de coesão. Não são apenas dois atos bem distintos (o primeiro, bom, com Max recuperando sua amada, e o segundo, ruim, com Max perdendo o controle sobre seus poderes, estilo "Carrie, A Estranha"); em vários momentos, Shapiro se perde na estrutura de "esquetes soltas" do seu trabalho anterior.


Para exemplificar: existe uma cena, sem nenhuma relação com a trama ou seus personagens, em que Max vai a um restaurante, e os casais em três mesas estão flertando um com o(a) acompanhante do(a) outro(a), através de trocas de olhares e piscadelas. É uma verdadeira sinfonia de sedução, com uma bela e rápida montagem das trocas de olhares, mas é um momento que só funciona "per se", e que não tem nada a ver com o resto do filme!

Por causa dessa narrativa episódica, alguns personagens até desaparecem sem maiores explicações. No ato final, por exemplo, o que acontece ao casal Bill e Lorraine depois que Max fica descontrolado? Não se sabe; talvez eles tenham ficado com medo e fugido para um filme melhor do que este. O personagem de Mark também some da história de repente, deixando o restante do show para Chevy, Patti e Nell Carter.


PROBLEMAS MODERNOS é mais um daquelas comédias que são engraçadas justamente pela falta de graça, e onde só podemos lamentar o potencial desperdiçado. Afinal, o personagem de Chase tem poderes fantásticos que poderiam render momentos muito divertidos, mas o diretor-roteirista Shapiro parece nunca saber o que fazer com seu personagem ou com suas habilidades.

Shapiro teria declarado, na época do lançamento, que seu filme era uma mistura de "Carrie" e "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa". Só que Chevy Chase não é Woody Allen, portanto não há nenhuma razão para dar-lhe um personagem que passa a maior parte do tempo introspectivo, na fossa ou com cara-de-cu - em outras palavras, sem ser engraçado.


O próprio Chevy Chase hoje assume que o filme é muito ruim, e deve ter péssimas memórias da sua realização, já que quase morreu durante as filmagens. Isso aconteceu na gravação de uma cena de pesadelo, em que Max vê a si mesmo como se fosse um avião em pleno voo. O ator teve luzes presas ao corpo, com fios que passavam por baixo da sua roupa. Quando os fios elétricos entraram em curto circuito, Chevy foi eletrocutado e chegou a ficar inconsciente, à la Lasier Martins naquele famoso vídeo da Festa da Uva!

E embora Chevy seja um sujeito naturalmente engraçado, que não precisa de um roteiro genial para provocar gargalhadas, em PROBLEMAS MODERNOS a direção lhe deu muita liberdade, e ele aparece careteiro demais, estilo Jim Carrey em "Ace Ventura". Sempre que Max usa seus poderes, o espectador não apenas é bombardeado com ridículos efeitos sonoros cômicos, mas ainda precisa aturar as caretas exageradas do ator - mas vem cá: se os poderes são mentais, por que ele precisa fazer aquelas caras e bocas ao invés de simplesmente usar a força do pensamento?


Com tantos defeitos, é até curioso constatar que PROBLEMAS MODERNOS acabou servindo de base para várias outras comédias, de ontem e de hoje, que exploram tema similar - ou seja, o sujeito comum que leva uma vida ordinária e de repente recebe poderes fantásticos, mas os utiliza principalmente para ridicularizar os rivais. "Click" (2006), com Adam Sandler, e "Todo Poderoso" (2003), com Jim Carrey, só para citar dois exemplos populares, são exatamente assim.

Inclusive "Todo Poderoso" tem uma cena muito parecida com PROBLEMAS MODERNOS: em ambos os filmes, os protagonistas usam seus super-poderes para fazer "sexo sem contato" com suas namoradas. Aqui, Chevy dá orgasmos múltiplos a Darcy apenas olhando para ela e fazendo suas caretas! Pena que Patti D'Arbanville não apareça pelada, enquanto Dabney Coleman (pasmem) aparece!


No fim, eu diria que esta comédia é muito mais divertida enquanto explora verdadeiramente os "problemas modernos" do protagonista (o estresse no emprego, os problemas com o carro), do que quando Max finalmente adquire seus poderes telecinéticos. Os efeitos especiais continuam eficientes (ainda mais considerando que já têm mais de 30 anos de idade), mas é de se lamentar a falta de criatividade de todos os envolvidos por não conseguirem criar situações mais interessantes envolvendo Max e seu "dom".

E embora eu já não ache PROBLEMAS MODERNOS tão engraçado quanto achava na minha infância, confesso que ainda prefiro um Chevy Chase fraquinho do que qualquer coisa desses "comediantes" de hoje (Adam Sandler, Will Ferrell, Kevin James, Danny McBride e cia). Até porque o filme termina sem dar nenhuma lição de moral: Max não aprende nada durante sua "jornada", e provavelmente continuará sendo um escroto ao perder seus poderes - além de tomar um belo processo judicial do personagem de Dabney Coleman pelas agressões sofridas!


Chevy só encontraria seu rumo e o verdadeiro sucesso no cinema com o filme seguinte, "Férias Frustradas". A partir de então, ele engatou uma comédia hilária atrás da outra, onde interpretava ou o patriarca atrapalhado, ou o tipo sedutor e malandrão. Para quem quer ver o homem no auge do talento, sugiro deixar esse de lado e procurar por "Os Espiões que Entraram Numa Fria", "Os Três Amigos" e "Assassinato por Encomenda", filmaços de afastar qualquer mau humor, e todos melhores e mais inteligentes do que qualquer comédia que se faça hoje.

Infelizmente, na vida real Chevy não era um cara legal como nos seus filmes. Diz-se que era insuportável de tão arrogante, e até teria trocado socos com Bill Murray nos bastidores do "Saturday Night Live". Depois de tentar dar um novo rumo à sua carreira, com o mais sério "Memórias de um Homem Invisível" (1992), ele mergulhou direto para o ostracismo, e hoje aparece em alguma pontinha aqui ou acolá, ou como coadjuvante no seriado "Community".

E fico até triste em dizer isso de um dos meus ídolos da juventude, mas hoje Chevy Chase está tão sem graça que nem mesmo os poderes telecinéticos de PROBLEMAS MODERNOS poderiam salvar sua carreira...

Trailer de PROBLEMAS MODERNOS



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Modern Problems (1981, EUA)
Direção: Ken Shapiro
Elenco: Chevy Chase, Patti D'Arbanville,
Dabney Coleman, Nell Carter, Mary Kay Place,
Brian Doyle-Murray e Mitch Kreindel.

HALLOWEEN III - A NOITE DAS BRUXAS (1982)

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HALLOWEEN III - A NOITE DAS BRUXASé um filme que boa parte da humanidade aprendeu a odiar somente pelo título, que remete à série iniciada por John Carpenter em 1978, mas não tem absolutamente nenhuma relação com este ou com a sua primeira sequência, "Halloween 2" (1981). Porém, por causa do número 3 no título, muitos fãs de horror foram aos cinemas esperando rever os personagens dos dois filmes anteriores, principalmente o icônico vilão Michael Myers, e saíram decepcionados ao deparar-se com uma história original.

Pois a mim essa mudança de rumo nunca incomodou. Até porque eu dei a sorte de assistir HALLOWEEN III antes dos dois episódios anteriores da franquia, e assim não me decepcionei com a ausência de Jamie Lee Curtis ou do mascarado Myers. E por isso, neste Halloween, o FILMES PARA DOIDOS propõe um novo olhar sobre este filmaço injustiçado.


A gênese de HALLOWEEN III vem, claro, da maneira como o anterior "Halloween 2" terminava. Era aquele tipo de conclusão definitiva que não permitia mais continuar, já que mostrava o vilão Michael Myers morrendo após uma explosão provocada pelo seu psiquiatra e arquiinimigo Dr. Loomis (Donald Pleasence), que se sacrificava no processo. Antes, o psicopata mascarado tomou tiros nos olhos que o deixaram permanentemente cego, e um último take mostrava seu corpo e máscara queimando, para não deixar dúvidas de que estava mortinho da silva.

Ressuscitar Myers literalmente das cinzas nunca esteve nos planos de Carpenter, que àquela altura era produtor da série junto com Debra Hill. "Não havia mais história para contar, e só o que podíamos fazer era imitar 'Sexta-feira 13' e apenas repetir as cenas de ação e fazê-las mais sangrentas", disse ele, em entrevista ao livro "John Carpenter: Prince of Darkness".


Só que Carpenter e Debra tiveram uma ideia ambiciosa para que a franquia não acabasse ali: por que não continuar fazendo novos "Halloween", só que contando histórias independentes que envolvessem o Dia das Bruxas, ao invés de voltar àquela mesma trama do assassino mascarado perseguindo jovens na data fatídica? Dessa maneira, eles teriam um "Halloween" diferente todo ano, com bilheteria garantida graças ao peso do já consagrado título.

Irwin Yablans e Moustapha Akkad, que produziram os dois episódios anteriores, gostaram da ideia e investiram 2,5 milhões de dólares para o orçamento da Parte 3. E dois nomes de peso se juntaram ao projeto: Joe Dante, recém-saído do set de "Grito de Horror", seria o diretor, enquanto o inglês Nigel Kneale (criador do seriado de TV "Quatermass") foi convidado pelo seu fã declarado Carpenter para escrever um roteiro original cuja ideia foi sugerida pela produtora Debra: feitiçaria nos tempos da informática. Não tinha como dar errado.


Mas não demoraram para aparecer os problemas. Primeiro foi Dante que pulou fora do projeto. Para ocupar seu lugar, Carpenter convidou um amigo de longa data, Tommy Lee Wallace, que iria fazer sua estreia na função, mas já era "prata da casa" (foi ele que editou "Halloween" e "A Bruma Assassina"). Ironicamente, Wallace tinha sido convidado para dirigir "Halloween 2" no ano anterior, mas recusou e preferiu escrever o roteiro de "Amityville 2 - A Posessão", de Damiano Damiani.

Depois, Kneale não gostou das alterações que Carpenter e Wallace fizeram em seu roteiro e também deixou o projeto. Embora Wallace sustente que 60% do que se vê em HALLOWEEN III tenha sido escrito pelo inglês, sabe-se que ele abandonou a produção por não concordar com a inclusão de mais cenas de morte e de nojeira explícita criadas pela dupla, e inclusive exigiu a retirada do seu nome dos créditos (o único roteirista creditado na versão final foi Tommy Lee Wallace).


HALLOWEEN III começa com um homem correndo desesperado numa noite escura. Estará fugindo de Michael Myers? Não, mané; a história aqui é outra, esqueceu? Na verdade, o homem está tentando fugir de misteriosos e silenciosos adversários que se vestem como executivos, com terninho, gravata e cabelo engomado, mas que por baixo dessa aparência civilizada se comportam como verdadeiros Michael Myers - ou seja, são assassinos impiedosos, mudos e inexpressivos!

O homem consegue escapar, depois de esmagar um dos seus perseguidores entre dois carros, e pede ajuda num posto de gasolina. Dai, é levado ao pronto-socorro com olhar enlouquecido, segurando uma máscara de Dia das Bruxas numa das mãos e repetindo frases como "Eles vão matar todos nós!". 


Só que a polícia não tem muito tempo para interrogá-lo e saber quem vai matar todos nós, pois na mesma noite o sujeito é brutalmente assassinado em seu quarto (número 13, claro), por outro daqueles homens misteriosos de terno e gravata. O assassino depois comete suicídio no próprio estacionamento do hospital, ao incendiar e explodir o seu carro.

Preocupado com as duas mortes violentas ocorridas em seu hospital na mesma noite, o médico Dan Challis (Tom Atkins), resolve bancar o detetive. Ele se alia a Ellie Grimbridge (a gracinha Stacey Nelkin), filha do homem assassinado, para investigarem os últimos dias da vítima, e logo descobrem que alguma coisa aconteceu durante uma viagem que ele fez à pequena cidade de Santa Mira.


Pois é em Santa Mira que fica a gigantesca fábrica da Silver Shamrock (Trevo Prateado), responsável pelas máscaras de Halloween mais populares dos Estados Unidos, e que está prometendo "uma grande surpresa" para a noite do Dia das Bruxas. Claro que o Dr. Challis resolve esquecer quaisquer outros pacientes que precisem de seus cuidados para embarcar com Ellie numa viagem à cidadezinha em busca de novas pistas.

Não demora para eles descobrirem que há algo de muito errado por lá. A cidade e seus habitantes são controlados por câmeras e escutas telefônicas, e há até um toque de recolher à noite exigindo que todos saiam das ruas. O responsável pela vigilância é Conal Cochran (Dan O'Herlihy), o proprietário da Silver Shamrock. E o sujeito vive rodeado por aqueles homens de terno, que executam suas ordens fielmente - quaisquer que sejam as ordens.


É somente no último ato que o Dr. Challis descobrirá o terrível plano de Cochran para o Halloween: todas as máscaras da Silver Shamrock (que, como já se sabe, são as mais vendidas do país) estão programadas para matar seus usuários no momento em que eles assistirem ao comercial com a "grande surpresa" que será exibido em rede nacional na noite do Dia das Bruxas. O objetivo do maléfico fabricante de máscaras é resgatar o clima do Samhain, a festa pagã que deu origem ao moderno Halloween, e que supostamente envolvia feitiçaria e sacrifícios humanos.

Começa, então, uma tensa corrida contra o relógio, já que o médico-detetive precisa não apenas escapar de Cochran e seus asseclas de terno, mas também impedir a exibição do comercial da Silver Shamrock e o genocídio de milhões de crianças e de seus familiares por todo o país às nove em ponto!


Como se percebe, HALLOWEEN III dispensa o conforto do "mais do mesmo" e foge da armadilha de recontar pela terceira vez a história de Michael Myers perseguindo vítimas inocentes na noite do Dia das Bruxas, e o faz em prol de uma trama "de investigação", em que o mistério vai se resolvendo aos poucos. Afinal, ninguém teria saco para ver mais um round de matanças perpetradas pelo psicopata da máscara branca, certo?

Bem, acontece que a resposta dos espectadores foi justamente o CONTRÁRIO! O público se sentiu enganado ao pagar para ver um filme chamado HALLOWEEN III que não tinha nem Jamie Lee Curtis, nem o vilão Michael Myers, e essas críticas se espalharam na propaganda de boca em boca (na época não havia internet, mas notícia ruim se propagava com a mesma rapidez). Assim, a bilheteria ficou bem aquém do esperado, e é uma das mais baixas da série - "apenas" 15 milhões de dólares, sendo que "Sexta-feira 13 Parte 3", lançado no mesmo ano, arrecadou mais que o dobro disso.


A bilheteria aquém do esperado decretou o fim dos planos de Carpenter e Debra Hill de lançar um "Halloween" original por ano com histórias independentes. Mais do que isso, o fracasso de HALLOWEEN III provocou o desligamento total dos dois produtores da série. "O público odiou e todo mundo ficou puto comigo porque achavam que eu tinha destruído a franquia", lembrou Carpenter no livro "John Carpenter: Prince of Darkness", completando: "Eles tiraram a série das minhas mãos e começaram a lançar novos 'Halloween' de tempos em tempos, mas apenas xerocando a mesma fórmula".

Porque como as histórias independentes de Dia das Bruxas aparentemente não funcionaram, Michael Myers foi absurdamente ressuscitado seis anos depois em "Halloween 4" (1988), dirigido por Dwight H. Little, e a partir de então não morreu mais, voltando, tal qual um Jason ou Freddy Krueger, em mais quatro filmes e dois remakes, todos oscilando entre o fraquinho e o muito ruim.


O diretor Wallace sempre achou que parte da culpa pelo fracasso do filme foi do Universal Studios, que distribuiu HALLOWEEN III, mas não soube fazer uma campanha de marketing que vendesse a obra como uma produção não-relacionada aos dois capítulos anteriores. Porque embora Michael Myers não apareça no trailer, na época você só assistia trailers de filmes caso fosse ao cinema (e não a qualquer momento no YouTube, como acontece hoje).

"Muitas coisas poderiam ter sido feitas para preparar o público, mas tudo que a Universal fez foi colocar uma pequena tarja no canto do pôster dizendo 'All New!' (Totalmente Novo!), como se fosse um anúncio de pasta de dente. 'All New', o que isso significa?", questionou Wallace, em recente entrevista a um site.


O injusto da coisa toda é que não há muito a se criticar em HALLOWEEN III além da tão comentada ausência de Michael Myers ou dos personagens de Jamie Lee Curtis e Donald Pleasence, pois o que temos aqui é um ótimo filme de horror à moda antiga, com trama mirabolante, mortes escabrosas e várias surpresas. Além do mais, eu sempre achei ótima a ideia de matar Myers definitivamente no final de "Halloween 2" e tentar partir para histórias independentes.

Talvez o erro tenha sido manter o título "Halloween", o que muitos espectadores consideraram propaganda enganosa. Por outro lado, ninguém nunca reclamou quando outras séries de horror, tipo "Natal Sangrento" e "Prom Night", partiram para histórias independentes (principalmente esta última, em que cada um dos quatro filmes traz uma trama completamente nova e sem relação com as outras!).


No meu caso, não sei se foi por ter assistido HALLOWEEN III antes dos "originais", ou por ter gostado bastante da história, mas nunca me importei com o fato de ele tentar seguir por outro caminho. Inclusive prefiro essa solução a fazer continuações ruins com a mesma trama e os mesmos personagens do original, tipo os terríveis "O Massacre da Serra Elétrica 2" (1986) ou "O Exorcista 2".

Em todo caso, a franquia concorrente "Sexta-feira 13" também quebrou a cara ao tentar seguir novos rumos: como o vilão Jason Voorhees havia morrido "pra valer" no final de "Sexta-feira 13 Parte 4" (1984), os produtores da série transformaram o quinto filme num "whodunit?", em que o assassino não era Jason, mas sim um imitador usando sua máscara, e cuja identidade era revelada na última hora. Só que também não colou, e por isso os produtores tiveram que ressuscitar Jason na Parte 6 - e isso que "Sexta-feira 13 Parte 5" não muda a história tão radicalmente quanto HALLOWEEN III, sendo, basicamente, um "mais do mesmo" com outro matador no lugar de Jason.


O que eu gosto mais em HALLOWEEN IIIé sua coragem de  fugir dos clichês dos slasher movies que "Halloween" ajudou a popularizar, mas que já estavam batidos lá em 1982 exatamente por causa das muitas imitações do filme de Carpenter. Não há nenhum adolescente ou babysitter na trama, e a personagem principal mais jovem é a de Stacey Nelkin, mesmo assim já na faixa dos vinte-e-poucos anos. Já o "herói"é um adulto, distanciando este terceiro filme do tom dos dois anteriores e de franquias tipo "Sexta-feira 13". Ainda bem, diga-se de passagem: eu sinceramente não consigo imaginar o mesmo roteiro com adolescentes no lugar dos adultos...

Ao mesmo tempo em que busca fugir das armadilhas típicas dos slasher movies, Wallace aproxima o filme do clássico "Vampiros de Almas" (1956), de Don Siegel, primeira das quatro adaptações do livro "Invasores de Corpos". Veja só: ambas as tramas se passam na fictícia cidade de Santa Mira, em ambos há seres humanos "replicados" e sem emoções (alienígenas em "Vampiros de Almas", robôs que se passam por humanos aqui), e ambos terminam com um close desesperado no rosto do protagonista tentando inutilmente alertar o resto da humanidade sobre a tragédia prestes a se desenrolar!


A tragédia em questão representa o ponto alto de HALLOWEEN III, quando Cochran dá uma de vilão de filme do James Bond e explica todo o seu plano para o aprisionado Dr. Challis, inclusive realizando uma pequena demonstração da "brincadeira de Dia das Bruxas" que preparou. Ocorre que o vilão conseguiu mesclar a feitiçaria do passado com a tecnologia da informática ao adicionar fragmentos de uma das pedras de Stonehenge (sim, aquele antiquíssimo círculo de pedras na Inglaterra) num microchip escondido sob a etiqueta da sua empresa e colado nas máscaras.

Na demonstração, uma pobre família inocente é morta quando o filho pequeno assiste à transmissão da Silver Shamrock usando uma das máscaras, sua cabeça inteira derrete e de dentro dela saem insetos, aranhas e serpentes venenosas, que atacam os pais! Você não leu errado: não apenas uma criancinha foi morta (verdadeiro tabu em filmes de horror), como ainda foi morta da forma mais cruel e tenebrosa possível! Quem viu essa cena quando moleque deve tê-la gravada na retina até hoje.


E só de imaginar isso acontecendo em escala global, a cena final de HALLOWEEN III é verdadeiramente desesperadora, (SPOILERS) com o Dr. Challis tentando impedir a exibição dos comerciais mortíferos da Silver Shamrock em cima da hora. Seu grito desesperado ao telefone ("Stop it!") encerra o filme e deixa a conclusão em aberto: será que a ameaça foi detida a tempo? Opto pelo final trágico, e só de imaginar a quantidade de crianças mortas pelo macabro plano de Cochran, já fico surpreso com a coragem dos realizadores de fugir de uma conclusão mais "agradável". (FIM DOS SPOILERS)

O curioso é que eu assisti HALLOWEEN III pouco antes de "Halloween 4" ser lançado no Brasil, e fiquei animadíssimo imaginando que o quarto filme começaria mostrando o que, afinal, aconteceu após a cena final do terceiro. Desnecessário dizer que HALLOWEEN III foi completamente ignorado no quarto episódio, o que não deixou de ser frustrante para o moleque aqui em busca de respostas...


Não bastasse a tenebrosa cena da cabeça do moleque derretendo, o filme ainda entrega outros impressionantes momentos de violência explícita, estes protagonizados pelos robóticos assassinos de terno comandados por Cochran. A morte do homem no hospital me dá um arrepio até hoje, já que o assassino enfia seus dedos nos olhos da vítima e quebra seu crânio com um movimento brusco!

Outras cenas bonitas incluem uma mulher atingida por um "disparo acidental" das máscaras, e de cujo rosto explodido saem aranhas, e a cabeça de um mendigo sendo torcida e arrancada sem o menor esforço pelos assassinos robóticos. Ou seja, Michael Myers e sua faca de açougueiro não fazem a menor falta aqui.


Mesmo os maiores críticos de HALLOWEEN III irão concordar que "herói" e vilão do filme entregam grandes e antológicas performances. O Dr. Challis é interpretado por Tom Atkins, à época um habitué dos filmes de John Carpenter (estrelou "A Bruma Assassina" e fez uma ponta em "Fuga de Nova York"), e um daqueles raros atores que são "cool" sem fazer o menor esforço, tipo Bruce Campbell ou Christopher Lambert.

Aqui, num lance involuntariamente cômico, Atkins interpreta O PIOR MÉDICO DA HISTÓRIA DO CINEMA, já que aparece o tempo inteiro fumando ou bebendo álcool, e a cada cinco minutos dispara um "Preciso de um drink". Ao embarcar com Ellie na viagem a Santa Mira, Challis não leva nenhuma mala com roupas, e sim um six-pack de cerveja! Relaxado que só, ele veste a mesma roupa durante três dias seguidos, e sequer usa cueca! Por fim, o doutor transa com Ellie, que tem mais da metade da sua idade, sem se preocupar com possíveis acusações de pedofilia.


Já o Cochran de Dan O'Herlihy (1919-2005) é aquele típico velhinho aparentemente simpático que esconde suas más intenções atrás de sorrisos sinistros. Sua origem e verdadeira identidade nunca ficam bem claras (rumores indicam que, no roteiro original de Nigel Kneale, ele seria um demônio com 3.000 anos de idade), mas torna-se óbvio que Cochran não é "deste mundo", até porque fala dos rituais de Samhain e dos antigos celtas como se tivesse vivido entre eles.

O curioso é que O'Herlihy não se envolve diretamente em nenhuma cena de violência ou morte, preferindo deixar o serviço sujo para seus capangas autômatos, e mesmo assim consegue compor um vilão legitimamente assustador. Numa entrevista à revista Starlog nos anos 1980, o ator disse que se divertiu muito com o personagem, pois também tem ascendência irlandesa, mas confessou que não gostou do filme.


Obviamente, HALLOWEEN III está longe de ser uma obra-prima. Aquele tipo de público que gosta de um mínimo de lógica mesmo em filmes de horror vai ficar puto com a maior parte da trama. Mas é curioso perceber que a trama já enfoca a morte vinda pela tela da televisão um ano antes de "Videodrome - A Síndrome do Vídeo" (1983) e 16 anos antes de "Ringu" (1998).

Há um momento particularmente divertido em que Cochran comenta, sobre a pedra roubada de Stonehenge e levada para a sua fábrica em Santa Mira:"Deu o maior trabalhão trazê-la para cá. Você não acreditaria em como fizemos". De fato, o público dificilmente iria acreditar que uma pedra de cinco toneladas pudesse ser levada da Europa para o interior dos EUA sem ninguém perceber, e por isso o roteiro preferiu nem tentar inventar uma explicação para isso, o que ficou muito engraçado!


Alguns críticos também reclamam que o plano de Cochran dificilmente iria funcionar pelo fato de os Estados Unidos terem diferentes faixas de horário, e portanto em alguns Estados o relógio só marcaria nove da noite uma hora depois que nos demais. Em defesa do filme, afirmo que em nenhum momento é anunciado que o comercial da Silver Shamrock será exibido às nove da noite EM TODOS OS ESTADOS UNIDOS (é possível que tenha sido marcado para outros horários em alguns dos Estados, a fim de manter o ataque simultâneo).

O único furo de roteiro que REALMENTE me incomoda é o fato de (SPOILERS) a Ellie transformada em robô não tentar impedir o Dr. Challis quando ele destrói a fábrica de máscaras no final, rebelando-se contra o herói apenas quando já estão longe de Santa Mira. Por sinal, a revelação de que a moça foi transformada em autômato é uma bela surpresa, e de certa maneira também uma ironia, já que a atriz Stacey Nelkin quase interpretou uma das Replicantes de "Blade Runner" no mesmo ano, mas sua personagem foi cortada da versão final do roteiro. (FIM DOS SPOILERS)


Mesmo saindo da "zona de conforto" das Partes 1 e 2, HALLOWEEN III traz várias referências cruzadas com os episódios anteriores, como se todos fizessem parte de um universo único.

Há citações escancaradas, como o comercial de TV anunciando a exibição de "Halloween 1" na noite de Dia das Bruxas, e também a participação especial de atores dos filmes anteriores, como Jamie Lee Curtis (que aqui empresta sua voz para a telefonista de Santa Mira), Nancy Keyes (esposa do diretor Tommy Lee Wallace e intérprete de Annie em "Halloween" 1 e 2, que aqui aparece como ex-esposa do Dr. Challis) e o dublê Dick Warlock (Michael Myers em "Halloween 2" e um dos homens de terno aqui).


O fato de os sinistros "homens de terno" serem robôs criados por Cochran e programados para matar também aproxima esses personagens de Michael Myers e a forma como ele se comporta em "Halloween"; ou seja, um verdadeiro autômato sem expressão, que caminha lentamente atrás de suas vítimas, mas sempre destruindo tudo o que vem pela frente e sem parar até alcançar seu objetivo. Curiosamente, os robôs de HALLOWEEN III lembram o pistoleiro robótico interpretado por Yul Brynner no clássico "Westworld - Onde Ninguém Tem Alma", e John Carpenter já declarou que este mesmo personagem foi a fonte de inspiração para o próprio Michael Myers!

Ainda no campo das semelhanças, a cena em que o Dr. Challis persegue o assassino que caminha lentamente pelos corredores desertos do hospital lembra a ambientação de "Halloween 2", os assassinos robóticos às vezes surgem da escuridão por trás dos personagens como Michael Myers nos outros filmes da série, e há até uma cena em que uma máscara jogada na lente de uma câmera de segurança cria um efeito muito parecido com a "visão em primeira pessoa" do jovem Michael na antológica sequência inicial de "Halloween"! 


Por último, mas não menos importante, vale destacar a fantástica trilha sonora composta pelo próprio John Carpenter em parceria com Alan Howarth. A música não deve em nada para o clássico tema composto para o "Halloween" original, dessa vez substituindo o piano do tema clássico de 1978 por sintetizadores. Inclusive é uma daquelas trilhas tão boas e climáticas que a gente até lamenta que só tenha sido usada uma vez...

Outros momentos sinistros envolvem o efeito sonoro tipicamente Carpenteriano (aquele "éééééééóóóóóónnnnn") sempre que um dos robôs de Cochran aparece de repente. Isso era garantia de diversos pulos de susto na minha infância, e certamente devem funcionar até hoje com quem for encarar HALLOWEEN III pela primeira vez.


Claro que não se pode falar sobre a música de HALLOWEEN III sem citar o inesquecível jingle da Silver Shamrock, repetido tantas vezes ao longo do filme que provoca uma verdadeira lavagem cerebral pela vida inteira. Composto em cima do ritmo de uma velha canção infantil chamada "London Bridge is Falling Down" (se não conhece, clique aqui), o jingle faz uma contagem regressiva para o Halloween, tipo"Two more days to Halloween / Halloween, Halloween / Two more days to Halloween / Silver Shamrock".

Publicitários do mundo inteiro deveriam estudar esse comercial fictício para aprender uma coisa ou outra, já que a música gruda na cabeça da vítim... ou melhor, espectador... durante décadas. (O diretor Wallace emprestou sua voz ao locutor do comercial, na parte em que ele anuncia: "It's almost time, kids").

"Eight more days to Halloween..."



E o que dizer das belas máscaras da Silver Shamrock? Aposto que todo mundo que viu o filme ainda criança sonhou em ter uma delas. São três modelos (uma bruxa, um esqueleto e a tradicional abóbora de Halloween, conhecida como"Jack O'Lantern"na gringa), todos eles produzidos pelo artista Don Post. A do crânio e a da bruxa já existiam e foram apenas adaptadas para o filme; somente a máscara da abóbora foi produzida especialmente para HALLOWEEN III. Nos EUA, essas máscaras chegaram a ser fabricadas em larga escala e vendidas na época de lançamento do filme, e inclusive vinham com o logotipo da Silver Shamrock! Acima, o leitor pode conferir um anúncio das máscaras numa velha edição da revista Fangoria de 1982. Hoje, alguns exemplares dessas máscaras ainda podem ser encontrados no E-Bay, ao preço médio de 50 dólares.

Concluindo, eu sempre achei HALLOWEEN III um filmaço injustiçado. Alguns críticos argumentam que ele seria melhor recebido se fosse lançado apenas com seu subtítulo "Season of the Witch" (no Brasil, "A Noite das Bruxas"), mas jura que você vai condenar uma produção inteira apenas pelo número no título? Dá um tempo, pô!

De minha parte, pelo menos, sempre defendi o filme, e lembro de ter comprado várias brigas por causa disso nos tempos das comunidades de cinema de horror no (quase finado) Orkut. Inclusive criei nessa rede social, só de birra, uma comunidade chamada "Eu Gosto de Halloween III", lá no longínquo ano de 2004. Nesta semana, quando fui checar, ainda havia 135 participantes no grupo!


A péssima recepção lá em 1982 representou um baque irrecuperável na carreira ascendente de Wallace. Tanto que ele ficou anos sem dirigir novamente, perdeu-se em produções para a TV e depois passou a assinar continuações fracas tipo "A Hora do Espanto 2" e "Vampiros 2 - Os Mortos" (sendo que esse último também é sequência de um filme de John Carpenter). Seu trabalho mais memorável, além deste terceiro "Halloween", é a minissérie de TV "It – Uma Obra-Prima do Medo" (1990), baseada no livro "A Coisa", de Stephen King.

Recentemente, HALLOWEEN III tem sido resgatado e reavaliado com outros olhos por uma nova geração, que, graças à internet, não compra mais gato por lebre e sabe que vai ver uma história independente sem Michael Myers. Tanto que há alguns anos, em 2010, o filme teve uma sessão especial em Los Angeles com a presença de Wallace, que ficou surpreendido com a quantidade de fãs da sua obra.


Até mesmo pesquisadores sérios têm se debruçado sobre a outrora maldita sequência e enxergado coisas que ninguém nunca viu antes. O historiador Nicholas Rogers, por exemplo, escreveu um livro chamado "Halloween: From Pagan Ritual to Party Night", onde defende HALLOWEEN III como um libelo anti-capitalista, já que a trama enfoca um homem de negócios bem-sucedido como vilão.

Nessa mesma pegada, o pesquisador Martin Harris apontou várias outras críticas ao sistema empresarial em seu artigo "You Can’t Kill the Boogeyman: Halloween III and the Modern Horror Franchise", como o fato de a Silver Shamrock ser uma megacorporação estrangeira (suas raízes são irlandesas) que se estabelece numa pequena cidade norte-americana, mas não emprega mão-de-obra local, e sim seus robôs importados com forma humana (que seriam uma metáfora à automatização do operário de fábrica, à la Charles Chaplin em "Tempos Modernos"). É mole?


Particularmente, eu acho uma pena que HALLOWEEN III tenha sido tão mal recebido lá atrás, na época do seu lançamento. Pois se esse aqui envolvia o genocídio de crianças através de máscaras de Dia das Bruxas, vocês já pararam para imaginar o que mais poderia sair das mentes de John Carpenter e Debra Hill nos próximos "Halloween" com histórias independentes que eles planejavam?

Não dá nem para imaginar, mas acredito que seriam histórias muito melhores do que o "mais do mesmo" que tomou conta da franquia. E certamente seríamos poupados de coisas como Michael Myers emo-chorão ("Halloween 5"), conspiração druida ("Halloween 6"), "Halloween" para a Geração "Pânico" ("H20") e Big Brother de Halloween ("Halloween, A Ressurreição").

PS:"A Colheita Maldita 3" (1995) plagiou vergonhosamente o plano de extermínio global da Silver Shamrock, apenas substituindo as máscaras de Dia das Bruxas por uma nova variedade de milho - mas com os mesmos "efeitos colaterais". Talvez o velho Cochran devesse mandar um dos seus advogados-robôs para conversar com esse pessoal aí...


Trailer de HALLOWEEN III



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Halloween III: Season of the Witch
(1982, EUA)

Direção: Tommy Lee Wallace
Elenco: Tom Atkins, Stacey Nelkin, Dan O'Herlihy,
Michael Currie, Ralph Strait, Jadeen Barbor, Nancy
Kyes, Jonathan Terry e Dick Warlock.

ALIEN 2 (1980)

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Você já viu a continuação do clássico "Alien, O Oitavo Passageiro"? Então certamente lembra da cena da menina na praia, chorando, com o rosto arrebentado. Ou daquela em que o verme alienígena sai pelo olho da garota dentro da caverna. E como esquecer da cena do alpinista pendurado de ponta-cabeça, se debatendo enquanto um verme devora seu pescoço, até a cabeça soltar-se e cair?

A estas alturas, muitos leitores devem estar pensando que eu tomei chá de cogumelo. Afinal, não existe nenhuma cena parecida com estas na continuação de "Alien", aquela dirigida por James Cameron em 1986. Ora, mas é claro que eu não estou falando de "Aliens, O Resgate"! Estas cenas todas que citei estão na sequência “não-oficial” (pra não dizer pirata, ou picareta, ou sem-vergonha), realizada seis anos antes, em 1980, por produtores italianos, e com um título pra lá de falso: ALIEN 2 - SULLA TERRA, ou simplesmente ALIEN 2 nos cinemas brasileiros.


Mas é claro que, apesar do nome digno de processo judicial, o filme italiano não tem absolutamente nada em comum com o "Alien" de Ridley Scott, além, é claro, da presença de alienígenas. Como o subtítulo já anuncia ("Sulla Terra" = Na Terra), a trama nem mesmo acontece no espaço, já que a produção obviamente não tinha dinheiro para pagar efeitos especiais à altura daqueles do filme de Scott. A solução foi jogar os personagens nas profundezas de uma gigantesca caverna - pois ali, como no espaço, é escuro, isolado e silencioso, pelo menos na cabeça-de-bagre dos produtores!

Os italianos nem ao menos tentaram copiar os elementos que deram certo em "Alien", como os ovos extraterrestres (que seriam melhor aproveitadas em outra imitação macarrônica do filme de Scott, o "Alien Contamination" de Luigi Cozzi) ou os monstros que saem pelo estômago das vítimas. Assim, nesta suposta "sequência", o monstro alienígena não tem uma forma definida e passa o tempo inteiro no escuro, os ovos de alien são pedras vindas do espaço sideral, e, se não há explosão estomacal, pelo menos temos a rápida cena de um alien saindo do ROSTO (isso mesmo) de uma vítima!


O responsável por este atentado ao bom gosto é um italiano chamado Ciro Ippolito, que escreveu, produziu e dirigiu a bagaça usando o pseudônimo americanizado "Sam Cromwell". Você provavelmente nunca ouviu falar dele, e nem deveria: o cara ficou famoso mundialmente por ter dirigido ALIEN 2, e quase ninguém viu ALIEN 2.

Antes, ele tinha trabalhado como ator e também foi produtor de uma série de policiais baratos sobre a Camorra, a Máfia napolitana, dirigidos por Alfonso Brescia, um dos muitos candidatos a "Ed Wood italiano". Talvez Ippolito tenha "aprendido" a dirigir com Brescia, o que explica muita coisa (não por acaso, o diretor de fotografia de ALIEN 2 é Silvio Fraschetti, colaborador habitual do velho Brescia).


Originalmente, Ciro iria apenas escrever e produzir o filme, que seria dirigido por Biagio Proietti (que roteirizou "The Black Cat" para Lucio Fulci). Num daqueles mistérios do mundo da sétima arte, Proietti demitiu-se ou foi demitido após algumas diárias (seu nome ainda é citado como diretor não-creditado no IMDB), e o então ainda produtor Ippolito convidou ninguém menos que Mario Bava (!!!) para assumir a cadeira de diretor. O veterano recusou polidamente o que poderia ser o último filme da sua carreira (ele morreu alguns meses depois), e sugeriu que o próprio Ciro dirigisse.

Foi o que aconteceu. E, como era comum na época, Ippolito conseguiu um acordo de distribuição de ALIEN 2 no mercado estrangeiro antes mesmo que qualquer cena fosse filmada, somente pelo título e pelo pôster, faturando uma bela fortuna. Mas ao invés de investir esse dinheiro no filme (daria cerca de 200 mil euros, em valores atuais), Ciro preferiu torrá-lo comprando um Jaguar para ele e uma Mercedes para o distribuidor! O cara-de-pau contou o episódio em uma entrevista recente.


Logo, sem dinheiro, sem talento e sem condições técnicas, mas na obrigação de entregar uma cópia vagabunda de "Alien" cujos direitos de exibição já estavam vendidos para diversos países, Ippolito resolveu fazer o filme da forma mais barata possível. Entre as táticas para economizar, ele aproveitou muitas cenas de arquivo (mostrando operações espaciais verdadeiras da Nasa), todas desbotadas, granuladas e por isso facilmente identificáveis, como você pode ver nas imagens acima.

ALIEN 2 inclusive começa com uma sequência destas cenas, que Ippolito deve ter tirado de algum noticiário sobre alguma missão espacial. As imagens mostram técnicos olhando para terminais de computador, um astronauta flutuando dentro de uma cápsula espacial, tomadas feitas do espaço e takes de navios e helicópteros militares fazendo o resgate de uma nave. Depois, à la Ed Wood, bastou costurar estas imagens reais com uma narração em off para criar a "trama": ao que parece, uma nave espacial norte-americana acabou de retornar de uma missão espacial, mas os astronautas que deveriam estar no seu interior simplesmente desapareceram!


No que terminam as imagens de arquivo, finalmente nosso amigo Ciro mostra a que veio. Primeiro, ele nos brinda com uma longa cena em que a heroína Thelma (a americana Belinda Mayne, filha do ator Ferdy Mayne) e seu namorado Roy (Mark Bodin) dirigem até o estúdio de uma emissora de TV, onde Thelma, uma famosa exploradora de cavernas, vai participar de uma entrevista ao vivo.

Enquanto fala ao repórter sobre sua interessantíssima vida de exploradora de cavernas, Thelma tem uma premonição de que algo horrível está para acontecer, justamente no momento em que o pessoal da Nasa está resgatando a cápsula que acabou de retornar da tal missão espacial. Detalhe: o diretor do programa de TV é o próprio Ciro Ippolito, em "participação especial"!

Acontece que a moça tem poderes telepáticos, conforme demonstrará várias outras vezes ao longo do filme (menos quando eles são REALMENTE necessários), e que variam desde um "sexto sentido" diante do perigo iminente - mais ou menos como o “Sentido de Aranha” do Homem-Aranha - até o poder de explodir cabeças à la "Scanners"! Sabe como é, poderes mentais estavam na moda graças a "Carrie" e "A Fúria", e Ippolito tentou faturar em cima do interesse nisso também...


Com sua entrevista encerrada, Thelma e Roy vão até um boliche encontrar seus amigos Burt (um tal de "Mychael Shaw", que na verdade é o futuro cineasta Michele Soavi!), Jill (Judy Perrin) e alguns outros cujo nome não interessa porque são apenas carne de abate. No total, e isso é o que interessa no final das contas, são oito pessoas, e todos fazem parte da mesma equipe de exploradores de cavernas.

A turma gasta mais um tempo precioso papeando, jogando boliche, etc etc, antes de partir para o que realmente interessa: no dia seguinte, o grupo sai para explorar uma gigantesca caverna, e é só aí que o filme “começa a começar” (embora Ciro já tenha queimado uns 25 minutos em inutilidades até então!).


Na última parada antes da expedição caverna adentro, em um armazém onde compram mantimentos, Burt vai tirar a água do joelho e encontra uma pedra brilhante do lado de fora da loja. Curioso, ele a recolhe e mostra aos amigos, que também ficam inexplicavelmente fascinados por uma rocha bem comum até. E Thelma, sabe-se lá porque, resolve colocar a tal pedra em sua mochila e levá-la junto na expedição.

Aí você pode até pensar: "Mas o que essa mané vai fazer com uma pedra no interior de uma caverna? O peso não vai atrapalhar?”. Bem, caro leitor, acredite se quiser, mas a pedra na mochila é o menos ridículo, considerando que o personagem de Soavi leva uma pesada MÁQUINA DE DATILOGRAFIA dentro da sua mochila até as profundezas da caverna, somente para poder escrever suas memórias à luz de velas! Não sei porque, mas neste momento lembrei daquelas cenas de filmes sobre expedições em que o guia sempre diz:"Levem apenas o que for estritamente necessário!".


Depois que o grupo entra na tal caverna, são mais uns 15 minutos de enrolação, um
caminha pra lá, caminha pra cá, escala ali, desce com corda aqui, tudo na maior escuridão. No auge da pouca-vergonha, doido para matar mais tempo de projeção, Ciro filma, um por um, os oito exploradores descendo um paredão com cordas, do começo até o fim do percurso!

Mas, justiça seja feita, o diretor consegue uma cena bonita quando o grupo liga as luzes dos capacetes na escuridão da caverna - essas luzes parecem estrelas no Cosmos, e isso ironicamente é o mais perto que o filme consegue chegar do espaço...


Após mais um monte de escalada e conversa fiada, e de uma rápida cena de topless de nossa heroína, a coisa finalmente começa a ficar interessante - e já passaram 35 minutos de filme! Durante uma das intermináveis caminhadas pelos escuros corredores, Jill percebe que a tal pedra misteriosa, que Thelma ainda leva na sua mochila, está pulsando e brilhando. Ela põe a fuça bem pertinho para investigar e uma coisa salta de dentro da pedra em sua direção.

Jill cai dura e fica inconsciente. E enquanto seus amigos fazem de tudo para medicá-la, aquele monstro que antes estava dentro da pedra sai da cabeça da garota pela órbita de um dos seus olhos, rasgando o rosto da vítima sem dó nem piedade, num efeito tosco, mas repelente. Com essa cópia fajuta da chocante morte de John Hurt em "Alien, O Oitavo Passageiro", as coisas finalmente começam a engrenar em ALIEN 2.


Outras mortes terríveis se sucedem - como a do sujeito pendurado de ponta-cabeça enquanto o verme alienígena devora sua garganta, fazendo com que, lentamente, a cabeça do cara se solte e caia -, até que os sobreviventes resolvem se separar para procurar a saída da caverna.

Só que aí o alien já cresceu até ficar do tamanho de um gigantesco monstrengo devorador de pessoas (nunca mostrado em cena, por incrível que pareça), e que vai devorando todo mundo até restar apenas - oh, que surpresa! - o casal Thelma e Roy. Eles até conseguem sair da caverna e voltar à civilização, mas digamos que o mundo não é mais o mesmo desde que eles partiram para o subterrâneo horas antes...


Numa época em que não existia internet e as informações sobre cinema não se espalhavam com a rapidez de hoje, o ALIEN 2 carcamano enganou muita gente ao se passar como continuação verdadeira do filme de Ridley Scott (lançado no ano anterior, 1979). Tanto que quando a pirataria italiana chegou aos cinemas brasileiros, em 15 de junho de 1981, o repórter da Folha de São Paulo comprou gato por lebre e a divulgou como "sequência oficial".

Menos mal que a equipe da Folha foi ver o filme e, já na edição do dia seguinte (16/06/1981), corrigiu a própria "barriga":"Não se engane, não é a continuação de 'Alien', da Fox, exibido aqui no ano passado, mas apenas uma apropriação, provavelmente indébita, do monstro americano". Dois dias depois, o jornal publicou crítica assinada por Luciano Ramos esculhambando o filme (veja reprodução deste material abaixo; clique nas imagens para ampliar).

Folha caiu na 'Pegadinha do Mallandro' em 15/06/1981...

...e depois detonou o filme em 18/06/1981

Enfim, o ALIEN 2 genérico conseguiu fazer uma carreira tão popular pelos cinemas do mundo afora que, diz a lenda, a continuação oficial, aquela dirigida por James Cameron em 1986, só se chama "Aliens" porque seus produtores não queriam que um novo ALIEN 2 rivalizasse as atenções com a cópia pirata italiana nas prateleiras das locadoras!

Segundo o IMDB, a 20th Century Fox (que detinha os direitos do filme de Ridley Scott) até tentou processar Ciro Ippolito em 10 milhões de dólares pelo uso picareta do título do filme "Alien", mas um advogado espertinho livrou a cara do realizador italiano dizendo que ele teria se baseado em um livro de 1930 que também se chamava "Alien"! Pode?

Curiosamente, a base do filme inteiro, mais do que o próprio "Alien", parece ter sido a série inglesa "Quatermass". A ideia da sonda espacial que volta à Terra sem seus ocupantes, por exemplo, foi "emprestada" de "Terror que Mata" ("The Quatermass Experiment", 1955), enquanto os aliens escondidos em rochas vêm diretamente de "Quatermass 2" (1957), em que meteoritos traziam extraterrestres em forma gasosa no seu interior.


Fato é que, até pouco tempo atrás, essa trasheira era bem difícil de achar - aquele típico filme que todo mundo sabe que existe, mas ninguém realmente assistiu, como o "Star Wars Turco". Lembro que a primeira cópia que encontrei para assistir, cerca de 10 anos atrás, era gravada da TV italiana, e a imagem estava péssima - praticamente não se enxergava nada durante as cenas no interior da caverna escura.

Assim, foi um verdadeiro milagre quando uma distribuidora norte-americana lançou ALIEN 2 em BLU-RAY (!!!) há alguns anos, e fez um trabalho incrível na recuperação do filme, agora disponível pela primeira vez com imagem cristalina e remasterizada (menos aquelas cenas de arquivo no início, essas continuam ruins e granuladas). Só conferindo esse relançamento em blu-ray para perceber como a fotografia é linda, mesmo num troço barato e mal-feito como esse.


Por sinal, a locação é uma atração à parte: a caverna onde a história se passa é a Grotte di Castellana, que fica na província de Bari, em Puglia, Itália (saiba mais acessando o site oficial). O lugar é belíssimo e ficou muito bem representado no filme, dando aquele ar de claustrofobia buscado pelos realizadores que não tinham grana suficiente para simular uma nave ou o espaço, como Ridley Scott.

A surpresa vem quando você descobre que boa parte dos sinistros corredores e paredões de pedra do interior da caverna foram recriados em estúdio pelos designers Angelo Mattei e Mario Molli. Pois assistindo o filme você não diz que a coisa é de mentirinha, o que não deixa de ser um ponto positivo da produção (ou seja, nem sempre a falta de dinheiro significa desleixo).


Pena que, como já escrevi, Ciro Ippolito é um grande relaxado e preguiçoso, que provavelmente sabia que o título enganoso por si só já atrairia o público aos cinemas, e portanto não precisava caprichar no filme. Existem inúmeros tempos-mortos em ALIEN 2 que são um teste à paciência de qualquer espectador.

Sabe nos filmes do Godard ou do Tarkovsky, quando tem uma cena de cinco minutos só com o personagem acordando e levantando da cama? Os críticos chamam isso de "introspecção", "reflexão" e outros termos bonitos, mas para mim é só encheção de linguiça mesmo. De qualquer forma, Ippolito entrega incontáveis momentos arrastados de "introspecção", daqueles que nos fazem acender uma vela para o inventor da tecla Fast Foward.


Digamos apenas que ALIEN 2 não tem nenhuma pressa para contar sua historieta. O filme tem 92 minutos, mas os primeiros 40 são completamente dispensáveis, loooooooongos takes em que parece que Ciro esqueceu a câmera ligada acidentalmente e o editor mandou ver assim mesmo. Quando Thelma e Roy saem de casa para a entrevista da garota na TV, a câmera acompanha todo o trajeto do carro saindo da garagem e manobrando para entrar na rua, depois continua acompanhando a porta da garagem até fechar; como se já não fosse suficiente, ainda vemos todo o trajeto da casa deles até a emissora.

Mais tarde ainda, quando Thelma vai procurar seu psiquiatra, Peter (Donald Hodson), para falar sobre suas visões, é óbvio que seria muito fácil cortar diretamente para a moça deitada no divã do doutor. Ciro, por outro lado, prefere a "introspecção": ele mostra Thelma dirigindo até a praia, saindo do carro, caminhando até a beira do mar, observando um barco no horizonte, de onde desce o tal psiquiatra num bote, rema até a praia (durante longos minutos, já que precisamos ver todo o trajeto do bote até a margem), sai do bote e enfim começa a conversar com sua paciente. Um dia descobriremos que Ciro Ippolito era um gênio incompreendido e ele queria apenas representar "a forma como as pessoas nadam contra as ondas para resolver os problemas do próximo", ou algo do gênero. Seja como for, o tal psiquiatra passa cinco minutos remando até sua paciente e 30 segundos conversando com ela. Bela ajuda!


E quando os personagens entram na caverna, as coisas não melhoram muito. Pelo contrário: se você não for um fã confesso de maravilhas da natureza e/ou entusiasta da exploração de cavernas, provavelmente pegará no sono em alguma das incontáveis cenas dos jovens zanzando para lá e para cá entre túneis e estalagmites.

Sério, Ciro é tão ruim e sem-noção como diretor, e seu editor (Carlo Broglio) tão incompetente, que até a grande cena do filme - o alienígena saindo pela primeira vez de uma vítima - acaba se tornando demorada e intragável: a câmera se desloca, lentamente, dos pés de um dos rapazes pelo chão, percorrendo o corpo deitado da vítima da ponta dos pés até a cabeça, num take interminável e sem cortes! Bendito seja o Fast Foward! (Para masoquistas, existe uma versão ainda mais longa dessa cena como extra no blu-ray gringo!)


Menos mal que os ataques do monstro e cenas sangrentas (que representam, no máximo, uns 15 minutos do longa!) funcionam razoavelmente bem. Eu gosto bastante de uma cena envolvendo uma menininha na praia, que se aproxima de uma das pedras alienígenas enquanto ela está pulsando. Momentos depois, quando sua irmã (ou babá, ou mãe) vai procurá-la, encontra a pobre criança ajoelhada na areia e chorando, de costas. Quando a menina finalmente se vira, descobrimos que está com o rosto todo arrebentado! Brrrrr...

Outra cena bem legal, mas esta pelo fator trash, acontece no fim, quando Thelma e Roy voltam para a cidade e, ao invés de correrem direto para a delegacia, hospital ou quartel mais próximo, acabam seguindo direto para... aquele boliche onde eles estavam com os amigos no começo do filme! Ali, Thelma é perseguida pelo agora gigantesco monstro alienígena. E como Ciro não tinha dinheiro para construir um monstrão, filmou a cena do "ponto de vista do monstro", simplesmente colando pedaços de carne na lente da câmera (abaixo)! É impossível não rolar de rir.


E embora eu seja o primeiro a assumir que ALIEN 2 é ruim de lascar, confesso que tenho um carinho especial pelo filme porque ele já traz ideias e situações que veríamos em produções posteriores muito melhores. Por exemplo: a trama com os exploradores sendo atacados por monstros numa caverna viraria um filmaço 25 anos depois nas mãos do inglês Neil Marshall, em "Abismo do Medo" (2005).

Já algumas imagens violentas, como a cabeça se desgrudando do corpo, ou os tentáculos saindo pelo pescoço de uma vítima, me lembram as dolorosas mutações vistas posteriormente em "O Enigma do Outro Mundo" (1982), de John Carpenter.

E tem também um momento absurdo em que o monstro alienígena está escondido no corpo de um dos exploradores e Thelma usa seus poderes telecinéticos para explodir a cabeça da vítima, forçando o alien a se revelar - outra imagem que veríamos de maneira muito mais eficiente depois, em "Scanners" (1981), de David Cronenberg. (Embora seja covardia comparar a sangrenta explosão cabeçal de "Scanners" com a máscara de gesso inexpressiva que explode em ALIEN 2...)


Por tudo isso, é uma pena que ALIEN 2 seja tão ruim. Um diretor decente poderia tirar pelo menos um filme divertido dessa bagunça. Porque, do jeito que está, lembra até aqueles tempos pré-MP3, quando por duas ou três músicas boas você era obrigado a comprar um álbum inteiro em LP ou CD. Quer ver todas as cenas boas de ALIEN 2? Então assista ao trailer. O que não está no trailer é pura enrolação para fechar o tempo de um longa.

Ciro poderia também ter dado uma revisada no seu roteiro, repleto de problemas absurdos. Por que a equipe leva a pedra-alienígena para dentro da caverna ao invés de simplesmente encontrá-la por lá mesmo, por exemplo? Qual é exatamente o plano dos aliens, além de sair de pedras para o corpo dos humanos e depois de dentro deles para lugar nenhum? E por que Thelma não usa seus poderes de "scanner" para destruir o monstrão alienígena, considerando que eles são bem eficientes quando precisou explodir a cabeça de um dos seus amigos "possuídos" pelo extraterrestre?


Embora tenha chegado a alguns poucos cinemas no Brasil, ALIEN 2 nunca foi lançado em vídeo ou DVD por aqui. Mesmo lá fora, o filme só reapareceu recentemente no belíssimo blu-ray da Midnight Legacy Collection que eu mencionei. Antes, era raridade total.

Pois na minha ideia de um mundo ideal, edições de colecionador de todas as cópias vagabundas de "Alien" (incluindo este e "Alien Contamination") seriam lançadas num gigantesco "Ultimate Box Set" junto com a série "Alien" oficial. Nem que fosse para mostrar como muitas dessas cópias ainda são mais divertidas que os filmes originais, tipo "Alien 3" ou "Alien x Predador".

PS: Ciro Ippolito continua vivo e, em 2010, lançou uma auto-biografia chamada "Un Napoletano a Hollywood", sobre sua carreira como cineasta e produtor. Quem já leu disse que o livro é engraçadíssimo.


Trailer de ALIEN 2



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Alien 2 - Sulla Terra (1980, Itália)
Direção: Ciro Ippolito (aka Sam Cromwell)
Elenco: Belinda Mayne, Mark Bodin, Judy Perrin,
Michele Soavi (aka Mychael Shaw), Roberto Barrese,
Benedetta Fantoli e Claudio Falanga.

BOCA (1994)

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Em dezembro de 2012, quando entrevistei o ator Anselmo Vasconcellos, falamos rapidamente sobre a produção internacional BOCA (1994), em que ele interpretou um policial corrupto ao lado de um elenco incrível composto por gringos como Rae Dawn Chong, Martin Kemp e Martin Sheen e "prata-da-casa" como Tarcísio Meira, Luma de Oliveira e o próprio Anselmo. Até então, esta produção de Zalman King filmada no Brasil era aquele negócio que muita gente até conhecia de nome, mas nunca tinha visto - eu incluso.

Mesmo na internet, essa inesgotável fonte de cultura inútil e bobajadas diversas, existem pouquíssimas referências a BOCA, mas uma cacetada de informações desencontradas e/ou equivocadas. O Internet Movie Data Base (IMDB), por exemplo, informa que o filme foi dirigido pelo próprio King em conjunto com o brasileiro Walter Avancini, quando na verdade a história não foi bem assim.


Enfim, como essas produções "misteriosas" sempre me encantam, comecei uma investigação para preencher as lacunas existentes. As primeiras pistas apareceram numa reportagem da Folha de São Paulo, publicada no caderno Ilustrada em outubro de 1994: BOCA seria mais uma versão da clássica peça "Boca de Ouro", escrita por Nelson Rodrigues - nesse caso, a terceira -, segundo a matéria do jornal.

A primeira adaptação para o cinema do texto de Nelson foi o fantástico "Boca de Ouro" dirigido por Nelson Pereira dos Santos em 1963, com Jece Valadão brilhando no papel-título. Já a segunda foi uma refilmagem dirigida por Walter Avancini (olha ele aí de novo!) em 1990, e com Tarcísio Meira (olha ele aí de novo!) como Boca. Esse remake foi tão esculhambado pelos críticos na época que nunca chegou a ser lançado em vídeo ou DVD.

Folha anunciou filme como remake de "Boca de Ouro"

Mas as coincidências entre os créditos de "Boca de Ouro", o remake, e do BOCA de Zalman King me deixaram com a pulga atrás da orelha: será que Tarcísio Meira gostou tanto de interpretar o personagem que repetiu o mesmo papel numa co-produção Brasil/Estados Unidos realizada apenas quatro anos depois, e co-dirigida novamente por Avancini? Aí tinha coisa errada...

Foi quando BOCA finalmente caiu na rede e eu pude ver com meus próprios olhos. Para minha surpresa, não apenas Tarcísio repetia o papel de Boca de Ouro, mas vários outros atores brasileiros daquele remake de 1990 apareciam em pequenas participações, como Luma de Oliveira, Cláudia Raia e Maria Padilha. Algumas cenas pareciam jogadas de qualquer jeito, desconexas, sem "fechar" totalmente com a narrativa.


Nesse momento, finalmente ficou clara a malandragem que nem o IMDB, nem aquela reportagem da Folha lá de 1994 se preocuparam em explicar: BOCA não é exatamente uma terceira versão do texto de Nelson Rodrigues, muito menos um filme novo; pelo contrário, trata-se de um novo "filme" produzido através da reciclagem de diversas cenas do "Boca de Ouro" de Avancini (por isso o crédito para ele no IMDB), que foram reeditadas com alguns novos trechos filmados anos depois com Tarcísio Meira e os atores americanos!

Para desenrolar essa história toda, recorri novamente a Anselmo Vasconcellos e também à produtora de elenco Denise del Cueto, que trabalhou nas cenas extras que foram filmadas para BOCA. Só aí apareceu o verdadeiro responsável pela direção do negócio: ao contrário do que informa o IMDB, não foi Zalman e nem Avancini, mas sim o francês radicado nos EUA René Manzor quem veio ao Brasil para gravar as novas cenas com os atores gringos.

Curiosamente, nenhum diretor é creditado em BOCA. Nos créditos iniciais, aparece apenas"A Zalman King Collection Film" (?!?), e nos finais Zalman é creditado como produtor executivo. O nome de René Manzor não é citado em momento algum, enquanto Walter Avancini ganhou crédito de "Contributing Director" junto com... Sandra Werneck??? Pois é: acontece que BOCA também reaproveita na montagem algumas imagens do documentário "A Guerra dos Meninos", filmado por Sandra em 1991, sobre a situação das crianças de rua no país!


Anselmo explicou que BOCA nasceu de uma parceria entre Joffre Rodrigues (filho do lendário Nelson e produtor do "Boca de Ouro" dirigido por Avancini) e Zalman King: o brasileiro vendeu para Zalman os direitos sobre o remake, e Zalman resolveu aproveitar apenas algumas cenas e filmar outras novas para transformar a história num dos seus típicos "erotic thrillers", podendo assim incluir personagens norte-americanos na trama.

Denise confirmou e detalhou: "Quando eu entrei na produção, já estava tudo armado. O Joffre era muito popular em Los Angeles por causa do pai, e foi ele que vendeu o filme para o Zalman. A ideia era essa desde o começo, de reaproveitar o 'Boca de Ouro' do Avancini para baratear os custos da versão americana. O material que eles reaproveitaram eram cenas difíceis, grandes, que seriam difíceis de fazer com baixo orçamento". BOCA teria custado apenas um milhão de dólares graças a essa malandragem!


Enquanto os filmes de 1963 e 1990 eram fiéis à peça de Nelson Rodrigues, em que uma ex-amante do finado Boca de Ouro aparecia dando três versões diferentes da vida do finado (que era bicheiro na versão dos anos 60 e traficante de drogas nos anos 90), BOCA opta por uma narrativa mais tradicional (nada de três versões aqui), misturando patéticas tentativas de crítica social com aquele típico "Brasil para gringo ver" - ou seja, Carnaval, favelas, sexo e macumba!

Por isso, o nome de Nelson Rodrigues como autor da peça "Boca de Ouro" sequer é citado nos créditos. O roteiro foi assinado apenas por Ed Silverstein, que era colaborador habitual do seriado de sacanagem "Red Shoe Diaries", produzido por Zalman King para a TV a cabo norte-americana entre 1992-99.


Vale lembrar que tanto Manzor quanto Zalman já tinham investido em sacanagem à brasileira antes de BOCA. Na mesma época, René dirigira um episódio de "Red Shoe Diaries" chamado "Night of Abandon", cuja trama envolve aventuras sexuais no Rio de Janeiro embaladas pelo misticismo das religiões afro-americanas e dos ritos a Iemanjá, estrelada pelos gringos Ann Cockburn e Daniel Leza e pela brasileira Catalina Bonakie.

Zalman, por sua vez, dirigiu o famigerado erotic thriller "Orquídea Selvagem" em 1989, cuja trama jogava Mickey Rourke, Carré Ottis e Jacqueline Bisset em aventuras sexuais num Rio de Janeiro absurdamente estereotipado.


Para BOCA, Zalman nem chegou a vir ao Brasil, sendo representado no país pelo diretor René e pelo seu homem de confiança, o produtor Jeff Young. Segundo aquela reportagem da Folha de São Paulo, as filmagens aconteceram entre abril e julho de 1993, no Rio, embora tanto Anselmo quanto Denise tenham chutado que as filmagens teriam acontecido em 1992.

"Nós íamos gravar no Morro da Mineira, no Rio, que ainda era bem violento na época, mas tivemos problemas graves e mudamos para o Morro Dona Marta", contou Denise, completando: "Foi algo bem 'low profile', nunca teve imprensa acompanhando nem nada. Foi uma produção bem barata, e a ideia era exatamente essa. A equipe era toda brasileira. De fora vieram apenas os dois atores principais, o coordenador de produção que representou o Zalman aqui, Jeff Young, e o diretor, René Manzor".


BOCA conta a história de um casal de repórteres gringos, J.J. (a linda Rae Dawn Chong) e Reb (o inglês Martin Kemp), que vêm ao Rio de Janeiro para investigar o extermínio de crianças de rua. Após várias entrevistas com padre, assistente social e delegado, eles percebem que ninguém se importa com as mortes e que a polícia finge olhar para o outro lado quando acontece algum massacre do gênero.

Não demora para J.J. fazer amizade com um dos muitos garotos que vivem nas ruas cariocas, um engraxate chamado Tomaz (Patrick de Oliveira). E, seguindo as indicações do moleque, ela e o colega descobrem que há um grupo de extermínio formado por policiais, e financiado por grandes empresários do turismo que querem "limpar a cidade" dos trombadinhas.


Só que as crianças ganham um protetor na figura do perigoso traficante Boca de Ouro (Tarcísio Meira), que tem essa alcunha por causa da dentadura com dentes de ouro. Quando J.J. e Reb estão prestes a testemunhar um novo massacre de crianças pelos policiais, Boca e seus homens aparecem na hora H e salvam os moleques da execução.

Aí é um pulo para a jornalista gringa se deixa fascinar pela figura do bandidão de dentes de ouro e pelo clima de sensualidade do Carnaval do Rio de Janeiro, envolvendo-se com toda aquela fauna típica da Cidade Maravilhosa (bandidos, traficantes, policiais corruptos), mais rituais de macumba e as trepadas de praxe, no que lembra um sub-"Orquídea Selvagem" misturado com trama policial de quinta categoria.


Em meio à narrativa, cenas do "Boca de Ouro" de Avancini são usadas indiscriminadamente como se fossem flashbacks ou histórias contadas pelo personagem de Tarcísio Meira. A cena em que ele é assassinado no meio de um lixão no filme de 1990, por exemplo, reaparece aqui diversas vezes como se fossem "visões premonitórias" do destino do traficante.

Já quando J.J. tira fotografias das crianças de rua, o que vemos são imagens extraídas do documentário "A Guerra dos Meninos", de Sandra Werneck!
 

O editor Andy Horvitch (que trabalhou em vários filmes da Empire/Full Moon) reaproveitou diversas cenas de mulher pelada do remake de 1990, incluindo a nudez de Luma de Oliveira, que tinha um papel de destaque no filme de Avancini, mas este "papel de destaque" foi reduzido a uma pontinha aqui.

Cláudia Raia, outra que aparecia bastante na versão original, foi praticamente cortada do filme e aparece dançando durante uns 20 segundos. Seu nome sequer é citado nos créditos.


Para garantir a cota de nudez nas novas cenas de BOCA, Rae Dawn Chong aparece nua e em cenas de sexo, e pelo menos duas vezes mostra o corpão que não pudemos ver em filmes como "Comando para Matar". Se em diversos takes a atriz está mesmo nua, em outros (principalmente quando ela aparece pelada de costas) fica a dúvida no ar.

Novamente, foi a produtora de elenco Denise quem elucidou o mistério: "A Rae usou uma dublê de corpo, porque ficou muito chateada por causa do corpão das brasileiras. A história é engraçada: nós ficamos no Hotel Glória, e, logo na chegada, ela foi atendida por uma recepcionista que era um espetáculo - brasileira, claro. A atriz ficou maluca ao ver que a recepcionista era mais linda do que ela, e pediu para usar uma dublê de corpo em diversas cenas".


Além dos atores que já apareciam nas cenas do filme de Avancini reaproveitadas na montagem, outros brasileiros fazem pequenas participações em BOCA: Nelson Xavier como um padre, Carlos Eduardo Dolabella como um milionário que seria o mandante dos crimes, José Lewgoy como um delegado e Ruth de Souza como uma assistente social, entre outros.

Já o nome mais conhecido entre o elenco internacional é Martin Sheen, que aparece muito pouco como um agente da Narcóticos chamado Jesse James Montgomery (!!!), e que nem chegou a vir ao Brasil. Suas cenas foram todas gravadas nos EUA, e por isso ele não chega a participar da trama principal. Tanto Sheen quanto Kemp (na época ainda mais famoso como baixista da banda new wave Spandau Ballet do que como ator) acabaram sendo sub-aproveitados no filme.


Anselmo aparece como um policial truculento chamado "Sargento Trebe" (o nome do personagem não é citado no filme, apenas nos créditos finais), que participa das execuções dos meninos de rua. Sua participação acabou sendo prejudicada no corte final, já que originalmente teria mais tempo em cena.

"O papel era bem legal e extenso. Filmamos muito, mas eles cortaram na edição para fazer um dois em um - ou seja, misturar o Avancini com o René Manzor", justificou o ator. Segundo Denise, havia uma cena que foi bastante difícil de filmar em que Trebe estuprava uma menina num lixão, e que infelizmente acabou no chão da sala de edição.


Embora BOCA seja bem ruinzinho, tem algo de divertido em ver tanta gente talentosa e conhecida reunida - principalmente em ver Tarcísio e Dolabella tirando casquinha da gringa Rae Dawn Chong, ou Vasconcellos peitando o inglês Kemp só para depois tomar um tiro no saco do Irmão Coragem promovido a Rei do Morro. (Vale lembrar que Tarcísio e Anselmo já tinham dividido a telona antes no fantástico "República dos Assassinos", de 1979)

Também é muito engraçado ver Tarcísio Meira falando inglês, e aquele inglês enrolado cheio de sotaque. Vários diálogos do ator são repetidos até três vezes em takes diferentes, quem sabe numa duvidosa homenagem ao filme "A Idade da Terra", de Glauber Rocha - em que acontecia a mesma coisa e todas as falas de Tarcísio eram repetidas três, quatro, cinco vezes.


Embora seja difícil eclipsar o fantástico desempenho de Jece Valadão como Boca de Ouro no filme de 1963, o astro até que demonstra um belo desempenho, tanto nas cenas originais gravadas por Avancini quanto nas regravações produzidas pela turma do Zalman. O mais irônico é que Tarcísio não foi a primeira escolha de Avancini para estrelar o remake: o primeiro convidado foi o roqueiro Lobão, então na sua fase "Vida Bandida"!

Claro que nas cenas adicionais gravadas pelos gringos o Boca traficante do filme de 1990 foi transformado numa figura mais heróica e idealista, que protege os meninos de rua da polícia. "O Tarcísio adorou fazer, ele ficou amarradão com a possibilidade de interpretar o Boca de Ouro pela segunda vez. E realmente participou com carinho, porque gostava muito do Joffre", lembrou Denise.


Naquela reportagem da Folha que não explicava que BOCA era uma remontagem de "Boca de Ouro", havia uma declaração curiosa do próprio Tarcísio sobre esta esquisita co-produção: "Não tenho a mínima ideia do que está no filme. Foi uma coisa estranha. As últimas cenas que rodei - depoimentos sobre meninos de rua - foram feitas depois que eu já tinha filmado tudo. Fui visitar o Dolabella e o Zalman King me pediu para filmar. O Jeff Young escreveu na hora, e rodamos. Eu já havia até tirado o bigode". (O tal depoimento nem entrou na montagem final.)

Na mesma entrevista, Tarcísio justifica seu inglês meio enrolado dando a culpa para o incômodo provocado pela "dentadura de ouro": "Era um volume imenso dentro da minha boca, difícil falar com aquilo, em outra língua pior ainda".


Assim, a grande curiosidade de BOCAé ser um autêntico "filme-Frankenstein", feito a partir de ideias e de retalhos de outras produções. O espectador atento pode até perceber quando é o Tarcísio Meira das cenas originais de 1990 e quando é Tarcísio repetindo o papel nas cenas filmadas alguns anos depois, já que seu cabelo está relativamente diferente.

E por serem dois filmes completamente diferentes costurados juntos, fica sempre aquela sensação de que as coisas não fecham. O tom é confuso: uma das cenas reaproveitadas do "Boca de Ouro" de Avancini, por exemplo, mostra Luma de Oliveira, Maria Padilha e Betty Gofman desfilando nuas num lixão, e algumas mulheres da favela, idosas inclusive, também tiram a roupa para imitar. São imagens até curiosas, mas que não se encaixam de maneira alguma na "narrativa norte-americana", cujo fio condutor é a investigação da matança das crianças de rua.


Mas confesso que me diverti vendo BOCA, da mesma maneira que sempre me divirto vendo produções estrangeiras rodadas no Brasil que mostram uma visão extremamente estereotipada do nosso país, ou que promovem encontros insólitos entre atores importados e brasileiros - tipo, digamos, "Kickboxer 3 - A Arte da Guerra", em que o karateka Sasha Mitchell sai distribuindo voadoras pela favela e os vilões são Gracindo Júnior e Monique Lafond!

Qualquer tentativa de fazer um comentário social sério sobre a situação das crianças de rua (e, acredite, isso acontece várias vezes) afunda na mesma hora em que a trama se entrega ao "Feitiço do Rio" e coloca seus personagens estrangeiros em meio a desfiles de Carnaval e afetadíssimos rituais de macumba, que lembram mais orgias caligulescas.


Vamos combinar que fica meio difícil falar sério quando o que você está fazendo é um erotic thriller, e tem a necessidade de mostrar alguém pelado ou transando a cada cinco minutos. Mesmo assim, Zalman King tentou e até colocou uns letreiros finais com números que tirou sabe-se lá de onde, informando que havia 7 milhões de menores abandonados vivendo nas ruas brasileiras na época das filmagens, e que a cada dois minutos uma criança morria de fome no país.

Ao que parece, ele levou BOCA um pouco mais a sério do que deveria, e chegou a comparar este seu pornô softcore com o clássico "Os Esquecidos", de Luis Buñuel! Prepotência pouca é bobagem!


Mas Zalman foi de certa forma um visionário, já que em 23 de julho de 1993, quando em teoria BOCA ainda estava sendo filmado, aconteceu a famosa Chacina da Candelária: policiais militares atiraram contra mais de setenta crianças e adolescentes de rua que estavam dormindo nas proximidades da Igreja da Candelária, no Rio, matando seis menores e dois maiores, e ferindo outros tantos.

Não foi o primeiro caso do gênero, e nem o último; mas foi esta chacina covarde que mais repercutiu no mundo, revelando uma triste realidade que tentávamos esconder. Realidade esta que atingiu o próprio elenco mirim de BOCA, segundo a produtora de elenco Denise: "Um dos meninos que aparece no filme, o Flávio, entrou para o tráfico e morreu logo depois".


BOCA só estreou na telona em 1994, no Toronto International Film Festival, no Canadá, mas não chegou a ganhar lançamento comercial nos Estados Unidos, onde saiu direto em vídeo em 1995. A produção também passou batida no Brasil, onde, a despeito daquela reportagem da Folha, nunca chegou aos cinemas e nem ao mercado doméstico (continua inédito em vídeo, DVD e blu-ray, como se nunca tivesse existido).

Até algum tempo atrás era muito difícil encontrar o filme, até que ele finalmente ganhou uma sobrevida ao ser redescoberto no universo dos downloads - para o horror de alguns dos envolvidos! Segundo Denise, o fato de esta co-produção não ter sido lançada no país foi um alívio: "Para falar a verdade, nós meio que abafamos o projeto porque sabíamos que ia ficar uma merda. Algum tempo depois, eu recebi uma fita VHS do filme e emprestei para o Tarcísio, que ainda não tinha visto".


Com o mistério sobre a autoria de BOCA finalmente resolvido (não acreditem em tudo que vocês leem no IMDB, amiguinhos!), recomendo este filme apenas a quem, como eu, se diverte com essas co-produções que apresentam um Brasil "para gringo ver". Ou para quem quiser ver a nudez da bela Rae Dawn Chong. Ou mesmo para quem quiser ver pelo menos algumas cenas (tipo Luma pelada) do "Boca de Ouro" de Walter Avancini, que só passou nos cinemas na época e depois sumiu para sempre.

Tudo considerado, esse filme-Frankenstein ainda é melhor e mais divertido que o outro erotic thriller brasileiro de Zalman King, o popular "Orquídea Selvagem", pois aqui pelo menos há uma trama policial vagabunda que evita que o espectador pegue no sono entre as diversas cenas de sexo softcore e nudez.

Deixo um agradecimento especial para Anselmo e Denise por terem ajudado a desenterrar a história curiosa por trás de BOCA. Vamos ver se agora alguém vai ter coragem de desenterrar o filme e exibi-lo em algum festival, ou pelo menos lançá-lo em DVD, para que mais gente possa dar umas boas risadas do "erotic thriller com consciência social" do Zalman King...


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Boca (1994, EUA/Brasil)
Direção: René Manzor (e Walter Avancini)
Elenco: Rae Dawn Chong, Tarcísio Meira, Martin Kemp,
Martin Shen, Carlos Eduardo Dolabella, José Lewgoy,
Anselmo Vasconcellos e Luma de Oliveira.
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